quarta-feira, 13 de novembro de 2019

DIA 15 DE NOVEMBRO SINCRONIZOU DUAS REPUBLICAS

ADILCIO CADORIN* 

1839 - EM 15 DE NOVEMBRO A DERROTA DA REPUBLICA CATARINENSE   PROJETOU PARA O MUNDO A REPUBLICANA ANITA GARIBALDI.

Proclamação da Republica Catarinense
Pintura de Claudio Carpes
Embora  as  origens das ideias republicanas sejam anteriores,  foi na Roma Antiga, quando o povo elegeu seu primeiro senado, que surgiram os incipientes mecanismos  que compuseram o sistema republicano de governo, voltado para o bem comum, partindo da  premissa de que o poder emana do povo, ao inverso de outros sistemas que consagram o exercício do poder à hereditariedade ou ao direito divino. Em outras palavras, república foi a descoberta de um sistema de governo que se opunha às monarquias, às oligarquias,  às ditaduras ou a qualquer outra forma que o poder não fosse originado na vontade popular, normalmente exercidas despoticamente. Com o advento da Revolução Francesa, os ideais republicanos de igualdade, de fraternidade e de que o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, expandiu-se pelos continentes, sustentando idealistas e confrontos bélicos que visaram implantar a forma republicana em seus respectivos países. Sete dias após um único barco com quarenta soldados republicanos capitaneado por  Giuseppe Garibaldi ter tomado a cidade portuária de Laguna,
Giuseppe Garibaldi - 1835 
 em 29 de julho de 1839 a Câmara de Vereadores proclamou sua separação do 
Império Brasileiro e a “Independência do Estado Catarinense, Livre, Constitucional e Independente”, adotando o regime republicano, que passou a ser conhecido pela  história   como República Catarinense, tendo sido eleito como presidente  o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro. Quase quatro meses após, no confronto naval para retomada da Laguna, a Marinha brasileira dispôs de 16 navios de guerra e mais 6 de transporte para bloquear a entrada e a saída do Porto de Laguna, impedindo que a jovem República tivesse qualquer atividade econômica através de seu  porto. Enquanto se organizava o governo republicano,  Giuseppe Garibaldi, que havia assumido sua defesa naval, tratou de reconstruir o pequeno Fortim Atalaia,  que existia na entrada da Barra da Laguna, ampliando sua edificação e equipando-o com alguns canhões, que passou a ser conhecido como o Forte do Garibaldi. Durante os preparativos  para prevenir um inevitável ataque imperial,  Garibaldi residia em seu navio Seival, que estava ancorado em frente a pequena vila de pescadores, hoje conhecida como Ponta da Barra, de onde,  por uma luneta, vislumbrou a figura de  jovens mulheres que diariamente subiam uma encosta para buscarem água em uma fonte, tendo uma delas chamado sua atenção.
Padre Vicente - Presidente  da
República Catarinense 
Num determinado dia, afetivamente carente e encorajado, resolveu desembarcar e procurar àquela jovem, mas como ao chegar à praia não a encontrou, aceitou tomar um café na casa de um conhecido que trabalhava na reconstrução do forte.  Coincidentemente, quem lhe serviu o café foi a mesma jovem que havia chamado sua  atenção pela luneta. Imediatamente indagou que era, e ela respondeu chamar-se
Ana Maria de Jesus Ribeiro, mas que era conhecida como “Aninha”, ao que  Garibaldi  respondeu que em sua língua, o diminutivo de Ana, é Anita, e que ele doravante iria assim chama-la. Ao sair da casa, Garibaldi tomou suas mãos e lhe disse: - Tu deves ser minha. Naquele dia, nasceu a Anita Garibaldi.
Depois de proclamada a República,Catarinense, as divergências  ocasionadas  entre o Governo Civil e as forças militares entraram em choque  em virtude de que a tropa  necessitava  ser equipada e alimentada de forma urgente, o que estava sendo suprido através de expropriações não  muito democráticas, contrariando a formação republicana do Padre Presidente e seu gabinete civil, além do que o gabinete e seu presidente não respondiam com agilidade às autorizações  e os meios que os militares necessitavam receber para invadirem as demais cidades catarinenses que ainda estavam sob domínio monárquico.     
Premidos pela falta de víveres e de equipamentos motivados pelo bloqueio naval, com o passar dos dias a Republica Catarinense definhou por falta de atividades econômicas, o que motivou  Garibaldi a equipar três navios para abordar navios mercantes do Império carregados com mercadorias.  Após conseguir enganar as naus imperiais que bloqueavam a saída do Porto, Garibaldi navegou para o norte, onde  após algumas abordagens, apreendeu  três navios e suas cargas. Em sua companhia, estava Anita, que havia se recusado a esperar seu retorno à Laguna. Já retornando, foram surpreendidos por algumas naus imperiais, que  os obrigou a  ancorarem na enseada de Imbituba,  onde, no dia 4 de novembro Anita teve seu Batismo de Fogo,  ao receber um tiro de canhão que matou dois soldados que estavam ao seu lado, tendo-a jogado à distância e a fez desmaiar.  Garibaldi correu para socorre-la, e após recobrar os sentidos,  ordenou  para que  ela se colocasse a salvo e fosse para o porão,  enquanto a batalha acontecia, tendo Anita respondido que iria sim, mas para buscar os covardes que lá se escondem da luta, o que de fato fez, trazendo para cima alguns soldados, que vendo-a  corajosa e valente, dando vozes de comando e de incitação à luta em plena batalha, dobraram suas energias até que o comandante imperial foi atingido e o ataque cessou, permitindo que na calada e na bruma da noite,  os navios  republicanos pudessem saír da Enseada sem serem vistos, regressando à Laguna.  
Anita em seu Batismo de Fogo
Por ora, a República estava salva, mas a reação do Império não tardaria. De fato, no dia 15 de novembro de 1839, a Monarquia acionou sua frota de  vinte e dois navios  e iniciou a maior batalha naval de sua história em
águas nacionais. Esperando serem atacados, Garibaldi havia disposto seis navios em linha, ancorados ao longo do Canal da Barra,  próximos ao Forte que havia construído e mais 1200 atiradores ao longo do lado sul do Canal. Após Garibaldi ter subido uma das montanhas  para do alto observar o movimento das naus imperiais, o ataque foi desfechado,  tendo Anita disparado o primeiro tiro de canhão, já que ninguém ousou desobedecer o comando que proibia de dispararem enquanto  Garibaldi não estivesse presente. Mas distante e impossibilitado de dar início à resistência, por iniciativa própria, Anita deu fogo nos canhões, iniciando a batalha naval que, embora tenha havido  um longo combate com muitos atos de heroísmo e de mortes a queima roupa,  marcou a derrota e o final da República Catarinense, obrigando Garibaldi atear fogo em seus próprios navios e abandonar Laguna, mas não sem antes  Anita  salvar descarregando munições e pólvoras das naus em chamas, transportando-as para terra em uma canoa, fazendo três viagens, atravessando o fogo cruzado. Findava o dia 15 de novembro quando Anita, Garibaldi, oficiais e soldados farroupilhas retiraram-se rumo sul,  deixando para crepitar nas chamas de seus barcos os sonhos republicanos de igualdade e justiça social. Estava encerrada a República Catarinense, apenas  107 dias após ter sido proclamada. Dos diversos movimentos  e conflitos que foram deflagrados em território brasileiro contra a  monarquia portuguesa e depois contra a monarquia brasileira, a República Catarinense foi a  derradeira tentativa, exatamente e coincidentemente 50 anos antes da República Brasileira  ser proclamada. Ironicamente, foram os militares brasileiros que ao longo dos anos, tanto no período do Brasil Colônia como no período do Brasil Imperial, combateram as diversas  insurgências  republicanas, mantendo pelo direito da  força  o regime monárquico, que somente foi  extinto em 15 de novembro de 1889,  quando foi proclamada a República Brasileira pelos militares,  então liderados pelo  Marechal Deodoro da
Fonseca.

 1889 -    15 DE NOVEMBRO - A PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA BRASILEIRA 

O ato de proclamação da República  aconteceu onde hoje está localizada a Praça da República, no Rio de Janeiro,
Proclamação da República
que na época era a capital do Império do Brasil, quando   Deodoro da Fonseca, liderando um grupo de oficiais,  depôs o imperador D. Pedro II, e assumiu o poder no País e estabeleceu um governo provisório republicano, que se tornaria a Primeira República Brasileira. Portanto, a  República Presidencialista Brasileira foi  instituída através de um golpe de Estado,   que extinguiu o regime monárquico parlamentarista do Império Brasileiro,  obrigando o    Imperador  e a família real se exilarem na Europa.  Dentre outros, três  fatores foram determinantes  para os acontecimentos de 15 de novembro:
a-        Abolição da Escravatura -  Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei  Áurea, libertando os escravos, mas desencadeou um  forte descontentamento nas elites agrárias tradicionais do país, que para compensar os prejuízos com a quase paralisação do trabalho escravo, reivindicavam do Império  indenizações proporcionais ao preço que haviam pago pelos escravos libertados pela Lei.
Lei Áurea, com assinatura da
Princesa Isabel 
Como não foram indenizados, os proprietários dos escravos aderiram ao movimento republicano, que era até então inexpressivo, deixando de darem apoio político ao Partido Liberal, que era a base de sustentação política do regime Imperial. A história registra que os ex-proprietários de escravos aderiram à causa republicana, não por ideal, mas como uma vingança contra a monarquia. Após a assinatura da Lei Áurea, o Barão de Cotegipe  teria dito à Princesa Isabel:
- A senhora acabou de redimir uma raça e perder um trono !
b-       Dependência Religiosa - Alguns anos antes,  os bispos de  Olinda e de Belém do Pará resolveram se indispor contra a submissão da Igreja Católica ao Império, fato que os impedia  de colocarem em prática as ordens do Papa sem a prévia aprovação do Imperador. Os dois bispos havia decidido seguir as orientações do Papa Pio IX  que havia determinado a exclusão dos maçons da igreja. E os maçons eram uma das bases de sustentação da Monarquia. A bula papal não foi ratificada pelo Imperador, tendo sido determinado a prisão dos bispos desobedientes, que algum tempo depois foram perdoados e libertados, mas o fato gerou um forte desgaste político, já que a Igreja Católica era fundamental à sobrevivência do regime monárquico;
c-        Descontentamento do Exército - Os militares do exército estavam descontentes com a proibição, imposta pela monarquia, pela qual os seus oficiais não podiam manifestar-se na imprensa sem uma prévia autorização do Ministro da Guerra. Os oficiais sentiam-se desvalorizados pelo governo civil, com soldos muitos baixos, com promoções muito difíceis de serem obtidas, prevalecendo critérios políticos e não meritórios, sentindo-se desconsiderados, se comparados com a Marinha, que recebia mais recursos e atenções.

Tais fatores catapultaram as ideias republicanas a tal ponto que,  no ano que foi proclamada a República, em 1889, existiam 74 jornais e 237 clubes republicanos em  São Paulo, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, províncias onde estavam concentrados os principais apoios aos ideais republicanos. Políticos como Quintino Bocaiuva, Benjamin Constant, Campos Sales, Prudente de Morais, Júlio de Castilhos, Assis Brasil, entre outros, intensificavam a propaganda republicana. Como referido acima, o  movimento de 15 de novembro de 1889 não foi o primeiro a instituir o regime republicano no Brasil, embora tenha sido o único efetivamente bem-sucedido. Até então, muitas revoltas e  conflitos já haviam eclodido, embora todos tenham sido sufocados pela força das armas da monarquia:  
·                                   Em 1789, a conspiração denominada Inconfidência Mineira não buscava apenas a independência, mas também a proclamação de uma república na Capitania de Minas Gerais, seguida de uma série de reformas políticas, econômicas e sociais, mas delatada a conspiração contra a unidade da Coroa Portuguesa, seu principal líder, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça exposta por longo tempo, enquanto que os demais integrantes da tentativa republicana  foram banidos do Brasil;
·                                   Em 1817, a Revolução Pernambucana  foi o único movimento separatista do período colonial que ultrapassou a fase conspiratória e atingiu o processo revolucionário de tomada do poder, com a constituição de um governo republicano, embora provisório para Pernambuco, que durou 75 dias;  
·                                    Em 1824, Pernambuco, a Baia e outras províncias do Nordeste brasileiro criaram o movimento independentista conhecido como Confederação do Equador, igualmente republicano, considerado a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I, que contou com a marcante liderança  do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo – o Frei Caneca, que ao final foi executado;  
·                                   Em 20 de setembro de1835,  após tentarem mudar  sem êxito o Presidente da Província Riograndense, que lhes havia sido imposto pela Regência de D. Pedro II, os riograndenses, liderados pelo Coronel do Exército Imperial,  Bento Gonçalves da Silva e outros oficiais,
General Bento Gonçalves da Silva
 proclamaram a constituição da República Rio-Grandense, separada do Império, sendo considerado o maior conflito republicano enfrentado pela Monarquia, pois durou cerca de dez anos, sendo encerrado com a assinatura do Tratado do Poncho Verde, que anistiou e reincorporou todos os oficiais revoltosos nas fileiras do exército imperial;  
·                                   Em 6 de novembro de 1837 aconteceu a Sabinada, revolta separatista  que durou  cerca de um ano na Bahia, e que tinha como líderes o médico e jornalista Francisco Sabino e o advogado João Carneiro da Silva, que pretendiam implantar a República Baiense, com duração  até que o Imperador Dom Pedro II alcançasse a maioridade.
·                          Em 1839, no dia 29 de julho  foi proclamada a República Catarinense que, como vimos acima, teve curta duração, sendo extinta em 15 de novembro de 1839, após os republicanos terem sido derrotados em Laguna, na maior batalha naval que a Marinha Brasileira participou  em águas territoriais nacionais. Foi o último evento armado que antecedeu a proclamação da República Brasileira, em cuja batalha se destacou  e projetou ao Mundo a emblemática figura da lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro, depois conhecida como Anita Garibaldi, a Heroína dos Dois Mundos, a Mãe da Pátria Italiana.

Se o sistema republicano  é o mais justo porque liberta das tiranias e deve ser exercido pelo povo e para o povo,  associado ao fato de que Anita Garibaldi é a única mulher que se tem notícia histórica de ter lutado pela instituição de quatro republicas: a República  Catarinense, a República Riograndense, a República Uruguaia e a República Romana, neste 15 de novembro de 2019, quando comemoramos o 130º aniversário de instituição da República Brasileira e pranteamos o 180º aniversário da derrocada da República Catarinense, é nosso dever reverenciar -la como A Guerreira das Repúblicas e da Liberdade.
As diversas imagens
de Anita Garibaldi 

                                                                      
                                  *Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi. 





5 comentários:

Unknown disse...

Ter a oportunidade de participar de todo esse resgate histórico é incrível, emocionante . Gratidão por compartilhar conosco todo esse conhecimento e materiais que produzem viagens em nosso imaginário.
Abraço Sr. Cadorin.

Bal disse...

Uma aula de grande sabedoria histórica.Parabéns pela magnifica matéria amigo Cadorin.

Unknown disse...

Obrigada Sr Adilcio Cadorin por nos cotar uma linda história de Laguna.

ADILCIO CADORIN disse...

Grato por tua consideração, amigo Júlio Cancelier. Quanto ao barco que afundou próximo a foz do Rio Urussanga, hoje Praia do Campo Bom pertencente à cidade de Jaguaruna, não foi o Seival. Foi o Farroupilha, que tinha o próprio Garibaldi como seu comandante. Após o naufrágio, Garibaldi e os sobreviventes caminharam até a a Barra do Camacho, onde encontraram o Seival, o que sobreviveu à borrasca, que era comandado por John Grigs. Depois de assumir o comando dele, Garibaldi singrou com ele pelo interior do complexo lagunar e com apenas quarenta homens tomou a cidade de Laguna. Foi o Seival que inicialmente abrigou os primeiros encontros entre Garibaldi e Anita, enquanto ancorado junto à Barra de Laguna. Valeu?

ADILCIO CADORIN disse...

Fico-te grato por teu comentário, amigo Bau, pois sei o quanto amas esta cidade de Laguna, sua história e seus vultos. Este teu sentimento é a mola propulsora do desenvolvimento cultural de uma cidade. Lamentavelmente uma grande parcela de lagunenses não conhece sua própria história... Continue assim!