quinta-feira, 28 de novembro de 2019

COMO ERA ANITA GARIBALDI FISICAMENTE ?


                                                                                                                        Adilcio Cadorin* 

Muito se tem escrito e falado sobre  Ana Maria de Jesus Ribeiro, a nossa Heroína Anita Garibaldi. É que sua história foi  extremamente atraente e rica em ações, exemplos e fatos épicos que, ao conhecer, enlevamos nossa condição de humanos que nos faz despertar sentimentos que nos projetam à um plano ligeiramente acima de nosso cotidiano. Trata-se de uma mulher comum, mas potencializada pelas suas crenças, mais decidida, mais rápida e muito mais corajosa. Embora sofresse dos mesmos conflitos internos e das fragilidades dos humanos comuns, logrou supera-los com a força de seus ideais e de suas paixões, numa arena de uma época muito mais difícil e dramática do que a nossa. Em nossas palestras e colóquios, após discorrermos sobre sua vida e história, tornou-se recorrente as pessoas nos indagarem como era sua aparência, sua fisionomia e sua constituição física, já que conhecida sua biografia escrita em diversas línguas, por autores nacionais e estrangeiros, embora ainda existam algumas de suas ações épicas que necessitam de maior aprofundamento investigativo.   

Sua ascendência é conhecida, e seus descendentes formaram inúmeras famílias que se espraiaram por diversos países e continentes, que se orgulham e preservam as glórias que lhes legou sua ancestral. Sua naturalidade e nacionalidade restaram inúmeras vezes questionadas em virtude de que não foi localizado seu certificado de batismo, o que elucidaria o local de seu nascimento. Porém, este vazio de sua biografia foi definitivamente preenchido e elucidado quando recorremos à  Justiça, em 1998, que após sentença em  processo que tramitou por dois anos, pôs fim às dissensões sustentadas, que divergiam sobre o exato local e até o país onde teria nascido.  Embora esta decisão ainda seja criticada por poucos que relutam em admitir a naturalidade lagunense, o fato é que sob o prisma da legalidade, Anita é brasileira, catarinense e natural de Laguna.

Seus feitos marcantes como guerreira sustentada pelos ventos libertários das insurreições republicanas contra as monarquias dos quatros países dos dois continentes  onde lutou, igualmente já foram investigados, confirmados e amplamente noticiados. O mesmo aconteceu com sua fidelidade e dedicação ao homem que amou, nunca o abandonando, mesmo que lhe custasse sua própria vida, como realmente aconteceu. Não é diferente o conhecimento que temos de seu zelo e educação maternal que consagrou aos seus quatro filhos. Até mesmo a compaixão e a assistência que dedicou aos feridos nos confrontos, fossem companheiros ou inimigos, ficaram conhecidos e historicamente comprovados. Também conhecido o fato de que, mesmo tendo saído de Laguna quase analfabeta, em poucos anos aculturou-se e ao falecer escrevia em português e falava fluentemente quatro línguas: português, espanhol, italiano e o dialeto piemontês. Sabe-se, ainda, que era exímia amazona e que faleceu com 28 anos, em avançado estado de gravides de seu quinto filho, vítima de febre tifoide, tendo sido sepultada sete vezes. Portanto está devidamente reconhecido quem foi Anita Garibaldi, o que fez, onde, porque, como, com quem, quando e o que nos legou. 

Existe, porém um relativo vazio a respeito das  compleições e aparência física desta heroica personagem, vácuo este  que tem nos intrigado desde muitos anos: como realmente eram os traços fisionômicos e a aparência física de Anita? 

Vivendo no período anterior a invenção da  fotografia, Anita não teve a ventura de dividir, enquanto viva, a gloria que foi conferida ao seu companheiro Giuseppe Garibaldi - Il Condutiere,  cujas fotos ajudaram a transforma-lo em um mito ainda em vida, graças a mais de uma centena dos seus registros fotográficos que foram preservados. Lamentavelmente, a mesma sorte não teve Anita, pois havia falecido cerca de vinte anos  antes deste invento, já que pereceu durante o primeiro período das guerras pela unificação da Península itálica, que aconteceu somente  num terceiro momento, depois de muitos combates. O longo período e a protuberância de fatos épicos ocorridos no lapso temporal de 23 anos, contados de sua morte (1849) até a unificação italiana (1871), fez com que a importância dos feitos de Anita fossem  esquecidos, resgatados somente muitos anos após.

As únicas descrições de Anita publicadas enquanto ela vivia foram registradas por dois  jornais italianos, quando noticiaram sua chegada à Gênova, em 1848, que logo a denominaram  “La Brunetta di Garibaldi”, ou seja  “A Moreninha do Garibaldi”, revelando-nos ser morena sua epiderme.    

Segundo o filho Ricciotti, este é o
"verdadeiro retrato de minha mãe
". 
Por encomenda do filho Riciotti,  que possuía apenas dois anos de idade quando sua mãe  havia falecido, o uruguaio Caetano Galino, contando com a descrição do filho,   pintou o que seria a verdadeira e única fisionomia de Anita. 

Mas no Museu do Rissorgimento, em Roma, existe outra  pintura, um tanto diferente, feita por  Gerolano Induno, que alguns oficiais garibaldinos contemporâneos de Anita afirmaram ser o mais parecido com seus verdadeiros traços fisionômicos. 
Pintura de Anita por Gerolano Induno
Felizmente estão  guardados alguns relatos dos que com ela conviveram   que descrevem sua aparência   e  compleição física.  Um destes registros está preservado pela Municipalidade de Cetona, Itália. Trata-se de uma  carta escrita por Ettore Maziali e endereçada ao professor Raffaele Beluzzi, de Bolonha, que conheceu a Heroína naquela cidade em 17 de julho de 1849, quando de sua rápida passagem perseguida pelas tropas austríacas. Refere a carta que  a descreveu:

“... Era Bela? Muito ao contrário! De pele muito escura e traços não muito irregulares,: a varíola  tinha marcado seu rosto visivelmente. Malgrado isso, ninguém  podia mira-la senão com  admiração e crescente simpatia”¹.

Outro importante registro foi anotado por Giacomo Lumbroso, em sua obra “Garibaldi”,  onde escreveu:

Não bonita, mas atraente, de estatura média, esbelta e flexível, de olhos e cabelos muito negros, de pele cor de azeitona, Anita personalizava o tipo clássico de crioula; só no físico, entenda-se; pois que toda sua vida, do dia em que se deu à Garibaldi, desmentiu plenamente aquela fama de indolência e de languidez que se atribui por tradição à mulheres nascidas sob o sol dos trópicos”.

Jasper Ridley, em sua obra “Garibaldi”, editada em Londres em 1974, registrou que  um senhor chamado Anacleto Bittencourt, habitante de Laguna na época  dos fatos e que conheceu a Heroína pessoalmente,  narrou que era “...alta, troncuda,  seios protuberantes, rosto oval coberto de sardas, olhos negros e oblíquos e cabelos negros e soltos”

Gustavo Von Hoffstetter, integrante  das tropas de Garibaldi  durante o cerco de Roma,  descreveu Anita como  “uma mulher de vinte e oito anos,  de cor bastante morena,  de linhas interessantes,  delicadíssima de corpo e, ao primeiro olhar,  se distinguia nela uma amazona...”

Depois de sua morte, graças aos registros do inquérito policial que foi instaurado e de seu exame cadavérico,  constatou-se que  possuía  “cerca de um metro e dois terços de altura”, conforme constou no ofício de 12/08/1849 do Delegado Lovatelli de Ravenna, endereçado ao Comissario de Polícia Bologna², estatura confirmada  pelas  medidas tiradas do vestido que ela havia recebido de presente em Cetona, que hoje se encontra no Museu da República de San Marino.  

Além destes, existem outros relatos preservados, todos alinhados e que nos permitem concluir que Anita possuía estatura de aproximadamente de 1,65 metros de altura, olhos grandes, pele morena, cabelos pretos,  lisos, compridos e normalmente presos, sardas no rosto, boca fina e busto avantajado que a obrigava a vestir-se como homem nos momentos de luta.



Os depoimentos existentes, associados às duas pinturas discutidas nos conferem as condições básicas para que possamos constituir seus traços fisionômicos que, embora muito  importantes, não são tão necessários para que reverenciemos sua memória, pois foi por sua forma de agir, pelos  seus pensamentos, suas ações,  sua paixão, sua fidelidade e atos de coragem em defesa dos ideais republicanos pelos quais lutou e imolou sua vida, que amalgamou os títulos de “Mãe da Pátria Italiana”,  “Heroína de Dois Mundos”  e teve seu nome gravado no Panteão dos Heróis Brasileiros. 


1- Cópia desta carta encontra-se no acervo do Prof. Wolfgang Ludowig  Rau, que pertence ao Municipio de Laguna e está exposto junto a UDESC de Laguna;

2- Idem, idem.

*Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi.

9 comentários:

Ivete Scopel disse...

Muito interessante! Teus comentários são enrriquecidos de detalhes que transportam a mente para a época dos fatos. Sempre aprendendo contigo.

Ilha do Café disse...

Muito bom, as discrição de uma mulher morena e muito forte na sua personalidade.

Lauro Zoppellaro disse...

Parabéns Cadorin pela escrita fina e esclarecedora, porém, interpretativa quanto a aparência física. Quanto a nacionalidade e naturalidade total certeza da origem da nossa heroína.

Lagunabike disse...

Anita
Morena jambo, 1.60m, cabelos negros e compridos,olhos pretos, lábios finos o que demonstra fortes traços com com a mistura de raças. Caminhando por Laguna hoje em dia vemos várias "ANITAS" da Silva, de Souza,de Oliveira,de Andrade, de Portugal, de África, de Itália, de Brasil. O incomum era sua coragem, sua determinação, seu amor, sua força. Mulher de fibra e merecedora de todas as homenagens.
Anita , Aninha grande mulher Lagunense

Claudio Machado disse...

Interessante o artigo. Acho que para os italianos, um moreno é considerado negro, pois eles são bem claros. Talvez ela fosse morena, não totalmente branca. A altura corresponde ao biotipo das região. As pessoas aqui no geral não são altas. Imagino que era atraente, pois conquistou o Garibaldi rapidamente.

Anônimo disse...

Lerei com tempo rico artigo. Eu vejo Anita, o retrato da mulher serrana por conta de sua ascendência. Cabelos fartos, pele fula, sobrancelhas grossas, olhos grandes. Tenho antiga dúvida sobre Anita, Dr. Adilcio. Ela possuía irmãos, não é mesmo? E esses irmãos não deixaram descendentes na região Amurel? Somente ela deixou o Brasil. E o que se sabe sobre irmãos, sobrinhos, primos da mesma?! Será que não distantes parentes entre nós que desconhecem ligação de parentesco com a heroína? Atenciosamente, Mari Ghedin.

Carlos Zatti disse...

Belo resgate, confrade Cadorin! Era daquelas mulheres portuguesas morenas, como revela seus sobrenomes originais. Neta do Paraná, filha de Santa Catarina e mãe no Rio Grande do Sul. Sim, a Heroína de dois mundos é "nostra".

Unknown disse...

Sou de Santos SP neta de portugueses açorianos e tenho esse biótipo!
Morena clara olhos grandes 1,63 de altura lábios finos cabelos fartos e uma paixão de muita admiração e respeito por giuseppe!!!😊😍❤

Maurício disse...

Estou pesquisando, pois quero tatuar a imagem dela. Ajudou muito.