domingo, 29 de outubro de 2017

FAMILIA CADORIN DE URUSSANGA - BREVE HISTORIA - ORIGENS E GENEALÓGIA


                                                                        Adilcio Cadorin*

Selva Di Cadore, durante o outono, tendo ao fundo o Monte Sella e
 Val Gardena. 
Resultado de imagem para selva di cadore
Inverno em Selva di Cadore
 Após algumas viagens e buscas em arquivos eclesiásticos, em ufficiales d’anagrafe de cidades italianas e de relatos e fatos que nos foram repassados pela tradição oral de nossos pais, tios, avôs e de genealógistas, obtivemos documentações sobre a ancestralidade da Família Cadorin de Urussanga/SC, podendo afirmar com segurança que é oriunda  da cidade de  Selva di Cadore, pertencente a Província de Belluno, Itália, que integra a Região do Vêneto.Seu último censo apontou 563 habitantes. Estende-se por uma área de 33 km², tendo uma densidade populacional de 17 hab/km². Selva di Cadore fica no Vale Gardena, por onde cruza um dos poucos caminhos que desde a antiguidade o Império Romana se comunicava  com a Europa. É uma das 22 pequenas cidades que formam a antiga Regione del  Cadore,  que foi ocupada originalmente pelos celtas e que posteriormente foi ocupada por ordas germânicas invasoras, sendo conquistada e integrada ao Império Romano no século II aC. Com a degradação do Império Romando, em 1077, passou a fazer parte do Patriarcado de Aquileia e em 1135 gozou de independência, sendo governado pela Famiglia di Camino, que ficaram conhecidos como  Condes del Cadore. Esteve anexado brevemente ao Tirol Austríaco e novamente foi cedido aos Condes. Quando em 1420 a República Veneziana conquistou a Região do Friuli, os governantes do Cadore foram convencidos a tornarem-se integrantes do Terra Ferma, como eram conhecidas as partes continentais pertencentes à República Veneziana. Em 1508 os venezianos e os cadorinos derrotaram os romanos na batalha do Valle di Cadore e permaneceram com a República de Veneza até as guerras napoleônicas, a partir de quando foi governado pelo Império Austríaco até 1866, quando finalmente foi conquistado pelo recém formado Reino da itália. Durante a Primeira Grande Guerra Mundial (1914/1919)  e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Regione del Cadore criou a Frente Alpina e suas cidades foram cenário de muitas batalhas. No entanto, sempre gozou de um certo grau de autonomia administrativa. Em virtude das diversas línguas  dos povos que os ocuparam, os cadorinos desenvolveram um dialeto próprio, conhecido como "ladin" até hoje preservado, distinto dos dialetos vizinhos, embora o italiano seja a língua oficial e o dialeto vêneto seja o mais falado. Assim como Selva di Cadore, todas as 22 comunidades cadorinas  são pequenas, vivem basicamente do turismo de inverno e dos esportes das montanhas e possuem  em seu nome o sufixo di Cadore, podendo serem citadas como exemploTai di Cadore, San Pietro di Cadore, Pìeve di Cadore, Santo Stefano di Cadore e etc..Os pontos mais elevados da Itália localizam-se no Cadore e sua montanha mais alta é a Marmolada, com 3342 metros de altura, fazendo parte da cadeia das Montanhas Dolomíticas, onde estão localizadas centenas de estações de esqui. 

Em viagem de pesquisa sobre nossa ancestralidade genealógica  à  Selva di Cadore, tivemos acesso ao livro “Selva de Cadore: Note di Onomástica”, editado em 1990 pelo genealogista Vitto Palabazzer, que à página  225 relata a existência do nome de Andrea Kadorin em registros preservados datados de 1534, além de outros Cadorin, com os quais, lamentavelmente,  não logramos obter uma  ligação genealógica com Lorenzo Cadorin, comprovadamente o mais antigo de nossos ancestrais. Porém, obtivemos muitos relatos e informações através de nossos distantes parentes, também descendentes de Lorenzo, que ainda habitam em Selva di Cadore, mas que  não levam mais o mesmo sobrenome em virtude de que o último Cadorin que  viveu em Selva não se casou e morreu solteiro em 1997. Suas irmãs casaram-se e tiveram filhos que herdaram o sobrenome dos maridos.    

LORENZO CADORIN,  como foi o mais antigo ancestral que localizamos registros documentais fidedignos com o qual temos um liame sanguíneo, estamos considerando-o como participante da Primeira Geração da Família Cadorin. Dele descobrimos apenas que havia nascido em 1762 e foi casado com Lucia Rova. Foi batizado na Igreja de São Lorenzo, de onde provavelmente lhe tiraram o nome. 
O autor e filho Lucas ao lado do campanário
da Igreja de São Lorenzo, de Selva di Cadore. 
De seus prováveis descendentes obtivemos notícia  de apenas um filho, Giobatta Cadorin.  

GIOBATTA CADORIN - Segunda Geração, nasceu 16/02/1785 e faleceu em maio de 1841. Vivia em união com Natallina Martini. Seu nome correto deveria ser Giovanni Battista Cadorin, mas  que foi abreviado quando do registro do batismo de seu filho para Giobatta, ou seja “Gio” de Giovanni e “batta” de Batistta. Não  obtivemos provas se eram ou não casados. Assim como seu pai, foi agricultor e pastor de poucos animais  que criavam basicamente para sustento de suas famílias, encerrando-os na parte inferior de sua casa, como era costume, onde ficavam confinados durante os longos invernos característicos dos Alpes. Estas casas, construídas com a parte inferior de pedra e a superior de madeira dos pinheiros alpinos,  eram denominadas de fienile  porque alí  também estocavam os fenos e as pastagens cultivadas e colhidas nos meses de verão e primavera, para alimentarem os animais confinados durante o inverno. A parte superior do fienili era destinada a residência da família.
Antigo fienile de Selva di Cadore

 Tivemos a oportunidade de visitar e constatar que a casa onde se originou nossa  família está preservada, embora ao longo destes  mais de dois séculos  já tenha sofrido diversas reformas, sendo atualmente ocupada por um dos descendentes que não leva o mesmo sobrenome.
O autor e filho Lucas. Ao fundo a casa originária da
Família Cadorin em  Selva di Cadore - Foto de 1987 

Também não se tem notícia de quantos filhos o casal  Giobatta e Natalia tiveram, sabendo-se tão somente que nasceu-lhes o filho Lorenzo, que foi batizado na Igreja de S. Lorenzo, em Selva di Cadore, que pertencia a Diocese de Beluno-Feltre. A dedução lógica é que seu nome foi escolhido como forma de homenagear o pai de seu pai, conforme era tradição para muitas famílias. 

LORENZO CADORIN - Terceira Geração,  nasceu em 06/06/1816 e casou-se em 24/06/1841 com Giovanna Bez, nascida em 27/09/1820 em Longarone, também Província de Belluno, onde casaram e  passaram a residir. Tiveram quatro filhos: Giovanni Battista nascido em 29/09/1841; Ana Maria  nascida em 10/06/1843; Teresa  nascida 04/09/1845 e Lucia nascida em 20/06/1851, todos nascidos em Longarone. Novamente, mantiveram a tradição de darem ao filho mais velho o nome do avô, motivo pelo qual  foi batizaram seu primogênito com o nome de  Giovanni Battista, mas provavelmente também em homenagem à  sua mãe Giovanna Bez, pois até o duplo “n” foi mantido no nome, conforme constou em seu certificado de batismo.

GIOVANNI BATTISTA CADORIN - Quarta Geração, casou-se com Maria Sacchet em 1869. Ela nasceu em 1849 em Castelavazzo, onde residiram por dois anos. Após mudaram-se para Igne, distrito de Longarone, onde residiu na mesma casa de seu sogro, trabalhando como o mesmo por diversos anos como ferreiro. 
Giovanni Battista Cadorin
Em 1877, dado as precárias condições que a Itália vivia em virtude da longa guerra pela sua unificação, o casal e seus filhos, Giovanni Batista Cadorin Filho (nascido em 25/10/1871), Giovana Cadorin (nascida em 05/09/1873),  Madalena Cadorin (nascida em 30/12/1874) e Lorenzo Cadorin (nascido em 12/10/1876), imigraram para a cidade de Constantina, localizada no norte da Argélia, na África, onde  tiveram mais a filha Tereza Cadorin (nascida em 19/05/1878). Em Constantina adquiriu uma propriedade que foi atacada por nativos que o feriram com uma flecha em uma das pernas, ferimento este que o deixou  claudicante  pelo resto de sua vida.  Algum tempo após faleceu seu  filho Lorenzo. Estes fatos motivaram imigrarem novamente, desta vez para o  Brasil, onde chegaram em dezembro de 1882.  Desembarcaram no Rio de Janeiro, pegando outro navio menor  que os trouxe à Laguna/SC e dali seguiram com barco menor navegando pelo rio Tubarão até o Poço Grande do Rio Tubarão, hoje cidade de Tubarão, de onde rumaram para Urussanga por precário caminho em meio a floresta, conduzindo seus pertences em carroças e mulas fretadas. Passaram pela Colonia Azambuja, hoje cidade de Azambuja e finalmente chegaram à Urussanga em dezembro de 1882.
Maria Sacchet Cadorin
Depois de adquirirem um lote rural, fixaram residência e construíram uma  ferraria movida com água de um córrego em Rio Salto, a poucos quilômetros do Centro de Urussanga. Após dois meses de sua chegada, sua  esposa teve outro filho, que batizaram com o nome de Lorenzo Cadorin, em homenagem ao ancestral e ao filho que havia falecido na África. Além de Lorenzo, em Urussanga  nasceram mais dois filhos: Riccieri  (nascido em 07/10/1885) e Domenica (nascida em 15/02/1888).   Em 07/08/1909, aos 68 anos de idade, Giovanni Battista Cadorin faleceu em Urussanga.


 Seu filho mais velho, GIOVANNI BATTISTA CADORIN FILHO - Quinta Geração, casou-se em Urussanga com Degnamerita Mazzorana em 18/08/1894.  Mudou-se para o interior da cidade de Turvo/SC,  onde nasceram seus filhos. Tendo enviuvado,  casou-se novamente  com Lucia Polli.  Nos dois casamentos teve dezessete filhos. Faleceu em 1923. Foram seus filhos: Constantino, Madalena, Mabile, Maria, Veronica, Daniel, Lucia, Sexto, Setimo, Degnamerita, Domingos, Primo, Segundo, Ana, Rodolfo, Egiglio e Cecília.  

Já o filho RICCIERI CADORIN - Quinta Geração, casou-se com Rosina Crema em Urussanga em 1906. O casal  teve quatro  filhas mulheres, nascidas em Urussanga: Idalina que casou-se com Pedro Elias;   Jandira  que não se casou;  Maria que casou-se com Pedro Echamendi e  Doménica, casada com  Giovanni Tezza.  Riccieri, deixou sua esposa e filhas e partiu de Urussanga para local desconhecido no Rio Grande do Sul, onde,  segundo informações não confirmadas, teria sido assassinado.  

O filho LORENZO CADORIN- Quinta Geração, foi o único dos filhos homens do imigrante Giovanni Batista Cadorin que nasceu, casou-se, residiu e faleceu em Urussanga.
Carolina Maffioletti e Lorenzo Cadorin

nasceu em Rio Salto, interior de Urussanga, em 11/02/1883, dois meses após a chegada da família ao Brasil. Casou-se em 23/06/1906 com Carolina Maffioletti, filha de  Pedro e  Rosa Maffioletti, naturais de Bérgamo, Itália.
Carolina nasceu em  12/07/1888 em Bérgamo, Itália, e faleceu em  20/09/1943 em Urussanga/SC. Lorenzo casou-se novamente com Eliza Bez Fontana em 08/02/1947, mas deste segundo casamento não teve filhos.  Iniciou sua vida como ferreiro em Rio Salto, mas juntamente com seu pai mudou-se para o Centro de Urussanga onde em frente a atual Praça Anita Garibaldi construiu uma ferraria movida pela  água do Rio Urussanga.  Posteriormente, em 1918, mudou-se para a rua que atualmente leva o nome de Américo Cadorin, ao lado da Igreja Matriz de Urussanga.
Carros de bois  trazem uva em bigunços
para vinificação. Foto da Vinícola Cadorin - 1955
Junto a ferraria que instalou nesta rua, também construiu  uma cantina de vinhos, ainda existente, onde passou a produzir os “VINHOS LORENZO”, mais tarde sucedido por “VINHOS CADORIN”, que inicialmente eram embalados em barris de  cem litros e remetidos de trem para as principais cidades do Brasil. Posteriormente passou a comercializar seus vinhos em garrafões e em garrafas. Além de vinhos, também produzia vermutes, licores, biter e vinagres. Sua ferraria produzia ferramentas em geral, principalmente pás, picaretas e enxadas que eram utilizadas pelas mineradoras na extração do carvão mineral das diversas minas da região de Urussanga e Criciúma. 
Alguns rótulos dos diversos  produtos
da Vinícola Cadorin 
Com 19 anos de idade  ficou cego, mas curou-se depois de um tratamento feito por um médico na cidade de Lages, onde foi a cavalo. Além de ferreiro e vinicultor, exerceu diversas atividades junto a Comunidade, sendo, inclusive, Delegado de Polícia. Lorenzo faleceu em 07/06/1968, às 17:50 hs. vítima de neoplasia maligna no intestino grosso,  que o havia submetido a uma colostomia poucos anos antes.
Foto recente da Vinícola Cadorin
De seu primeiro casamento nasceram oito filhos:  Elena, nascida em 23/08/1907; Américo, nascido em 14/05/1908; Rosa, nascida em 16/12/1909; Maria, nascida em 12/10/1911; Madalena, nascida em 11/06/1914; Albina, nascida em 22/12/1915; Iolanda, nascida em 09/04/1924 e Orlando nascido em 01/02/1916.   
ELENA - Sexta Geração,  casou-se com João Damiani, tendo três filhos: Moacir Damiani que nasceu em 28/11/1929 e casou-se com Maria Saccon Damiani em 16/05/1954; Maria de Lourdes Damiani, nascida em 18/08/1939 e Maria Damiani Alves Batista, nascida em 02/08/1936 que casou-se com Dario Alves Batista em 25/11/1961;

ROSA - Sexta Geração, casou-se com Alberto Nazari em Orleãs, onde foi residir, tendo como filhos Nordia Nazari Verani Cascaes, que casou-se com Ulysses Verani  Cascaes e Nadir Nazari Pinto, casada com Edgar Pinto.

MARIA - Sexta Geração, casou-se com João Betiol e foi residir/ em Ermo/SC, onde nasceram os filhos Demir Bettiol, Valdir de Luca, Altair Maria Bettiol e Valdenice Bettiol.

MADALENA- Sexta Geração,  casou-se José Raimundo de Oliveira e foi residir em Itajai, onde nasceram os filhos Moacir Inácio de Oliveira e Roberto de Oliveira. 

ALBINA - Sexta Geração, casou-se com Djalma Scaravaco, e foi residir em Içara/SC, onde nasceram os filhos Arnaldo Scaravaco, Ana Scaravaco, Arlete Scaravaco, Dalva Scaravaco, Arnoldo Scaravaco, Aurea Celia Scaravaco,  Dalciria Escaravaco, Maria Dalmira Escaravaco e Janio Escaravaco.

IOLANDA - Sexta Geração, casou-se com Airton de Araujo em Urussanga, onde residiram até seus falecimentos. Tiveram apenas um filho: Arilton de Araujo. 

ORLANDO CADORIN - Sexta Geração, casou-se com Ijany Rosso  em Urussanga, onde ficaram residindo e nasceram seus quatro filhos: Orlani Norberto Cadorin (nascido em 21/12/1947), Orladi Cadorin (nascido em 30/06/1951), Orlaci Cadorin (nascida em 1955) e Oderi Cadorin (nascido em 23/04/1963). Trabalhou com seu pai na produção de vinhos e na ferraria. Quando seu pai  já em idade avançada parou de trabalhar,  associou-se com seu irmão Américo na produção de vinhos, que passaram a ser conhecidos pela marca de Vinhos Irmãos Cadorin. 
 Orlando e Ijani Rosso Cadorin 
Posteriormente, quando seu irmão  migrou para Caxias do Sul, assumiu sozinho a administração da cantina, paralisando as atividades vinícolas em 1992. Após esta data, o prédio foi tombado
pelo Patrimônio Histórico do Estado de Santa Catarina, sendo então nele instalado um Museu do Vinho, mas sem nenhum apoio e interesse governamental, o mesmo não sobreviveu, e nos dias atuais resta tão somente o prédio se deteriorando, com suas antigas pipas e tanques de concreto, sem nenhuma atividade. 

AMERICO CADORIN - Sexta Geração, nasceu em Rio Salto, Urussanga e  ainda muito jovem foi  trabalhar na construção e abertura da estrada da Serra da Rocinha, nas proximidades de Turvo/SC. Sob a supervisão de engenheiro,  foi contratado para  construir  em Caxias do Sul um complexo de três barragens com sistemas de abastecimento e saneamento de água, o que fez também nas cidades de Santana do Livramento e Irai, ambas no Rio Grande do Sul. Em Irai casou-se com Adelina Dazzi,  onde nasceram os filhos Adérico Cadorin (11/10/1933), Arcério Cadorin (02/06/1937) e Aldira Cadorin (20/05/1941).
Américo  e Adelina Dazzi Cadorin
Posteriormente, após o falecimento de sua mãe, chamado pelo pai, voltou a residir em Urussanga onde em 03/06/1948 nasceu o filho mais novo Adilcio Cadorin, autor deste texto. Associou-se com seu pai e mais tarde com seu irmão Orlando na produção de vinhos e na produção de ferramentas. Em virtude de ter ficado sem matéria  prima para produção de vinhos, em 1961 mudou-se para S. Marcos/SC, próximo a Caxias do Sul, onde construiu nova cantina de vinhos, que denominou de Vinhos Lorenzo. Em final de 1964 mudou-se para Caxias do Sul, onde veio a falecer  em 12/05/1970, com 62 anos de idade, vítima de tumor cerebral.
Américo Cadorin  Prefeito de Urussanga


Lamentavelmente, faleceram todos os integrantes da Sexta Geração, mas geraram filhos, netos, bisnetos e tataranetos, que atualmente compõem um total de Dez Gerações que temos registrado nos arquivos da genealogia de nossa família. Os descendentes do imigrante Giovanni Battista Cadorin, se dispersaram por diversas cidades brasileiras, com maior concentração nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, do Paraná,  sendo nas cidades do sul catarinense que estão mais concentrados. Seus descendentes exercem hoje as mais  diversas atividades, destacando-se como industriais,  comerciantes, funcionários públicos, professores, músicos, comunicadores, profissionais liberais e políticos, dentre estes destaques para Américo Cadorin, que foi prefeito e Urussanga/SC (1955/1960); Adérico Cadorin que foi vereador em Caxias do Sul/SC (1972/1975); Adilcio Cadorin que foi vereador em  Caxias (1976/1982) e prefeito em Laguna/SC (2001/2004); Orladi Cadorin que foi vereador em Urussanga/SC (1993/1996) e Aldoir Cadorin que foi vereador reeleito em Ermo/SC (2005/2012)  e se reelegeu Prefeito (2012/2020).


*Advogado, membro do IHGSC, natural de Urussanga, residente em Laguna/SC

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

AS GUARDIÃS DE ANITA E AS COMEMORAÇÕES DO 196º ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO DA HEROÍNA



Com sede em Laguna, Santa Catarina no Brasil, a Fundação Anita Garibaldi foi criada em 1998 para promover e preservar a memória, a história e os feitos da Heroína Ana Maria de Jesus Ribeiro, a Anita Garibaldi. Durante estes anos todos, foram muitos os eventos que a entidade efetuou em parceria com o Município de Laguna, com o Estado de Santa Catarina e com o Governo Federal, além de ações e parcerias com diversas instituições similares e governos de dezenas de cidades brasileiras e estrangeiras, como Montevideo (Uruguai), Ravena e Cesenático (Itália). Há cerca de dois anos, por questões administrativas, a direção da FundAnita mudou o seu nome para CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi. Juntamente com esta mudança, e por nossa inspiração, foi criado um departamento denominado de “Guardiãs de Anita”, formado por 17 mulheres lagunenses das mais variadas profissões, sendo todas voluntárias,  com uma diretoria administrativa. O Departamento está composto pelas seguintes guardiãs:Ivete Scopel – Diretora; Vanere Almeida da Rocha Pires – Secretária; Nilceia de Magalhães – Tesoureira; Ana Paula Guimarães; Andréa Noal; Cristina Scopel; Daiane Conde; Eneida Canejo; Luiz Zopellaro; Marilda Mendes, Nora Cavalcanti; Regina Medeiros; Rithan Ahamad; Rose Antunes; Simone Ramos, Adriana Sizino e Maria das Dores Cereja. 
Desde algum tempo sentíamos a necessidade de ampliar o espaço em nossa instituição garibaldina ao público feminino, dando-lhes maior participação ativa nos destinos da entidade, revestindo-a com maior vivacidade, visibilidade, sensibilidade e brilhantismo em todos os eventos. Com as Guardiãs militando ativamente, aumentaremos nossa capacidade e a resistência na luta pela preservação da saga garibaldina e, principalmente, nosso objetivo maior de tutelar e proteger o legado de Anita.
Contando com a efetiva participação das Guardiãs, nos dias 26 e 27 de agosto passado, o CulturAnita promoveu um evento para comemorar os 196º aniversário de nascimento de e reverenciar os 168º aniversário de morte de Anita que, respectivamente, ocorreram em Laguna (Brasil) em 21 de agosto de 1821 e em Ravena (Itália), em 04 de agosto de 1849. Pela manhã do dia 25, junto ao monumento existente no local onde Anita nasceu,  hoje pertencente à cidade de Tubarão, foi prestada uma homenagem por mais de 90 cavaleiros oriundos de diversas cidades do Estado de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que devidamente montados em seus cavalos e caracterizadas com trajes típicos da época prestaram tributo e enalteceram sua memória.Após partiram em uma cavalgada com cerca de 35 km, parando para almoçarem na comunidade de Campos Verdes, antigo povoado da Carniça, onde Anita residiu com sua mãe quando ainda criança. Alí os cavaleiros ouviram palestra sobre as condições de estrema pobreza que viviam Anita, sua mãe e irmãs. Já escurecia quando a centena de cavaleiros cruzou o Rio Tubarão em um ferryboat, no mesmo local onde Giusepe Garibaldi, Anita e cerca de 1400 soldados farroupilhas foram derrotados na batalha contra a Marinha do Império Brasileiro,  que aconteceu em  15 de novembro e que ficou conhecida  com o “Combate Naval de 1839”, decretando o fim da incipiente República Catarinense, que os vereadores de Laguna, apoiados pelas forças de ocupação do Exército Farroupilha e por Garibaldi, haviam proclamado em 29 de julho de 1939. Após a travessia, ao som de marchas e hinos entoadas pela Banda Carlos Gomes, os cavaleiros foram conduzidos ao Monumento à Anita, localizado no Centro Histórico de Laguna, para início da cerimônia de acendimento da Chama Crioula, símbolo tradicional eleito para manter acesa a tradição e o culto à Revolução Farroupilha, à cultura gaúcha e à epopéia garibaldina. Aguardando junto ao Monumento estava reunido grande número de populares, autoridades, convidados escolares. Os cavaleiros foram recepcionados com tiros festivos de canhões e imediatamente iniciou-se a abertura das comemorações lagunense à sua mais ilustre filha, com o Coral Santo Antonio dos Anjos entoando o Hino Nacional, seguindo com a entrada em cena das Guardiãs de Anita, que ingressaram no anfiteatro ao som da trilha Vangelis (Conquest of Paradise), com uma coreografia militarizada, portando os estandartes dos povos e nações pelos quais Anita empunhou armas contra os sistemas tiranos.Além das bandeiras de Laguna, da República Catarinense,  da República Riograndense, da República Uruguaia e da República Romana, também portavam as bandeiras da Itália e de Ravena, dentre outras.Após hastearem as 17 bandeiras,  as Guardiãs, entoaram um jogral, cada qual declamando verso referente as diversas passagens da vida da Heroína.
Com efeitos especiais, acenderam a Chama Crioula e ao som da marcha militarizada de Ben Hur (Theme of Bem Hur), juntamente com efeitos especiais e luzes noturnas, aos pés da estátua de Anita, acenderam suas respectivas tochas e as entregaram aos cavaleiros para as conduzirem às suas cidades de origem. Após o evento, seguiu-se uma janta reunindo cavaleiros, guardiãs e autoridades, num total de 150 pessoas, onde foram prestadas as homenagens, agradecimentos e outorga de diplomas aos participantes pelo CulturAnita e pela Prefeitura Municipal de Laguna. No dia seguinte (27) foi realizada nova cavalgada com algumas Guardiãs cavalgando em companhia dos cavaleiros visitantes, fazendo-os conhecerem as praias de Laguna banhadas pelo Atlântico, nos locais onde Giusepe e Anita, recém enamorados, fizeram longas passeadas e deram início ao seu grande romance épico.

Promovidos pelo CulturAnita, nos anos anteriores já haviam sido realizados eventos nas datas natalícias e de morte de Anita, sendo que em 2016 é que foram inicialmente apresentadas as Guardiãs, porém neste ano de 2017 as comemorações foram implementadas por terem contado com a significativa colaboração da Ordem dos Cavaleiros de Santa Catarina, da Associação Hípica Anita Garibaldi, da Fundação Lagunense de Cultura e grande estímulo do prefeito de Laguna, Sr. Mauro Vargas Candemil.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

ANITA GARIBALDI - A MORTE E SEUS SETE SEPULTAMENTOS



                                                                             


Itália - 2 de julho de 1849.
Sitiados no interior das muralhas de  Roma por um exército de cem mil homens, depois de muitos dias de batalhas e discordando do acordo que devolvia Roma ao Papa e extinguia a incipiente República Romana,   Anita, ao lado de Garibaldi e cerca de 4.700 legionários garibaldinos, iniciaram a histórica “Retirada de Roma”, cuja marcha se tornou célebre na história militar mundial. Na retirada, enfrentaram e combateram três corpos de tropas inimigas fiéis ao Papa: franceses, espanhóis e austríacos.  Ao sair de Roma, Anita apresentou sintomas de impaludismo e febre, mas recusou-se ficar para ser tratada e não deixou de cavalgar ao lado de seu companheiro. Passaram pelas cidades de Tivolo, Monte Retondo, Cesi, Orvieto, Ficulle,  Cetona, Monterchi, Citerna, San Giustino, Monte Luna, Mercatello, Macerata  Feltria, e Carpegna.

Em 31 de julho, em San Marino, o general Garibaldi dissolveu a sua “Legião Italiana”, em respeito ao tradicional direito de asilo oferecido pela milenar República de San Marino. Ali Garibaldi redigiu seu histórico “Manifesto” aos legionários italianos, recusando o salvo conduto que lhe foi ofertado se depusesse sua espada. Após dissolver seu exército, na madrugada do dia primeiro de agosto, empreendeu  uma nova fuga. Partiu de San Marino, com Anita doente e um último grupo de 185 fiéis soldados, divididos em duas colunas dirigidas por guias sanmarinenses. Mesmo bastante debilitada pela febre, Garibaldi não conseguiu convencer Anita para ficar na cidade de S. Marino para tratar-se. Os dois grupos conseguiram filtrarem-se pelo cerco das tropas austríacas, e juntaram-se novamente ao norte do território da República de San Marino. Em 2 de agosto, acompanhado por poucos retirantes,  chegaram a Cesenatico, hoje Porto Garibaldi, às margens do Mar Adriático. Ali  embarcam em vários barcos à vela, chamados “bragozzi”, partindo à noite, com muitas dificuldades, em direção de Veneza.

Anita Garibaldi piorou visivelmente, aumentando a angústia do marido. Enquanto esperou  no cais de Cesenático que a maré permisse a saída dos barcos, bastante debilitada, Anita ditou sua última carta endereçada a sua irmã Felicidade. Quem escreveu foi seu confidente e  companheiro Padre Ugo Bassi: ‘"Cesanatico, 2 de agosto de 1849. Querida irmã:  Estou estendida no chão, exausta, no cais do porto de Cesenatico ...  e quem está lhe escrevendo por mim é o padre Bassi,... Minha barriga parece estar ficando cada vez mais inchada e eu não estou sentindo nenhum movimento. Estou achando que meu filho está morto ... acho mesmo que meu fim está próximo... continuamos a marcha rumo aos Apeninos, num sobe-e-desce de trilhas poeirentas que parecia não ter fim. Eu continuava a me arrastar atrás do cavalo e de vez em quando montava para descansar, apesar da dor na barriga ...  ouvi tiros e vi atrás de nós, no vale, parte da nossa retaguarda se dispersando, tomada de pânico pela aproximação de uma patrulha de austríacos. Não sei como encontrei forças para reagir. Eu me levantei, montei no cavalo e fui a galope na direção dos fugitivos, para incitá-los a reagir. Mas não adiantou. Quase todos aqueles malditos covardes fugiram sem nenhuma vergonha ... Lembro-me das mulheres (de Cesenático), ao meu redor, tentando me convencer a permanecer na cidade até ficar curada. .... E me aterrorizava pensar em ficar sozinha e morrer em terra desconhecida, sem nenhum rosto amigo. Quando o José (Garibaldi) entrou no quarto me dizendo a mesma coisa, comecei a chorar, pedindo que ele não me deixasse, que não me abandonasse ... As mulheres de San Marino devem ter pensado que eu era louca... Agora estou aqui, no fim do caminho ! O que posso lhe dizer? Que faria tudo de novo ?  Acho mesmo que sim !... . Agora sou apenas um peso para todos, fazendo-os correrem o risco de atrasar sua fuga para a salvação ...      Em todos estes anos, eu me entreguei a ele, aos filhos, aos nossos ideais comuns. Agora chegou o momento da necessidade, tenho que me humilhar para pedir ajuda, como uma criança ... Irmã muito querida, queria poder abraçá-la, sentir você perto de mim... mas é tarde demais...”

No dia 3 de manhã as embarcações dos retirantes, já no mar, foram atacadas por navios de guerra austríacos. Garibaldi e alguns dos seus desembarcam na praia de Magnavacca, num istmo entre o Adriático e o Lago Comacchio. Anita, semi-desfalecida,  foi levada nos braços de Garibaldi. 160 de seus homens foram capturados  e muitos fuzilados.   

Prevendo que  aquela orla litorânea logo estaria  repleta de soldados inimigos para os prenderem, Garibaldi ordenou  aos trinta  patriotas que com ele aportaram, que se dispersassem, o que foi feito.  Em Ariano, poucas horas após, foram presos 16 companheiros de Garibaldi, alguns dos quais foram fuzilados uma semana após em Tiepolo. Em Comachio, outros onze garibaldinos foram presos, fuzilados  no dia 8 de agosto  em Bolonha, entre eles o Padre Ugo Bassi.

Reconstrução do Cappano Garibaldi, onde Anita passou sua última noite
Junto a Garibaldi e Anita ficou apenas o major Leggero, que recusou-se a abandoná-los, oferecendo sua mão e braços para ajudar a transportar Anita para local seguro.  Com o auxílio de um  homem da região alcunhado de Baramoro,  que assistiu ao desembarque,  Anita foi transportada através dos altos juncos e  de densa vegetação, sendo conduzida por cerca de mil metros para uma cabana de palha, habitada pela viúva Caterina Cavalieri, de idade avançada, que nada mais pode oferecer  a não ser água para matar a insaciável sede de Anita.   Ali permaneceram cerca de uma hora, pois a qualquer momento podiam ser descobertos pela milícia austríaca que os procurava vasculhando todos os recantos. Enquanto descansavam  o fiel Leggero saiu a procura de algum tipo de ajuda,  encontrando-se com o Coronel Gioachino Bonet,  conhecido de Garibaldi,  natural de Comachio, republicano e adepto garibaldino. Como era fazendeiro na região e tinha sido alertado por um  irmão de que o condottieri passaria pela região em direção a Veneza, ao ouvir os canhoaços dos barcos imaginou o que estava acontecendo, e saiu de sua casa  na tentativa de ajudá-los de alguma forma.  Foi ele o responsável por um espetacular plano de fuga, destinado a retirar Giusepe Garibaldi e Anita daquela  região, infestada por austríacos, à caça  de Garibaldi.

A primeira providência foi remover o casal para outro local, por caminhos não usuais, quase que intransitáveis, mesmo a pé, porém mais seguro. O novo esconderijo ficava distante aproximadamente dois mil metros. Anita não tinha mais forças para caminhar,  motivo pelo  qual   improvisaram uma maca, revezando-se Garibaldi, Leggero e Bonet nas pontas. No caminho encontram outro patriota, chamado Carlon, profundo conhecedor dos tortuosos caminhos entre os canais e pântanos da região. Também os  ajudou no revezamento da maca de Anita. Após o percurso o grupo chegou a casa de Giovanni Feletti, onde permaneceram das 10 horas da manhã até às  11:30 horas de 3 de agosto. Foram atendidos e cuidados pelas mulheres da casa, que desdobraram-se em gentilezas com Anita, dando-lhe  remédios caseiros e  muita atenção. 

AS ULTIMAS HORAS DE VIDA  DE ANITA

Estes foram os últimos momentos de  consciência contínua de Anita. A partir de então, passou a ter ataques e convulsões, alternando entre desfalecimentos e momentos de lucidez.
  
Anita foi instalada deitada em um carro de boi. Bonet foi na frente para fazer os preparativos da chegada. Além de Leggero,  Felippo Patrignani acompanhou o casal. Após duas horas de incessante calor, em uma marcha bastante lenta para ser mais confortável para Anita e por temerem  encontrarem forças inimigas, chegaram à casa da família  Zanetto. 
        
Legerro, Garibaldi e Anita embarcaram em uma canoa, com dois remadores por volta das 20:30 horas e durante quase toda a noite remaram pelos canais e lagoas, em direção a  sua  fuga, agora infletindo em direção sul, com objetivo de confundir e despistar ainda mais os austríacos, que os julgaram percorrendo direção norte. De madrugada, em local previamente determinado por Bonet, receberam mais uma canoa e os remadores foram substituídos por outros descansados, que os aguardavam. Porém, por volta das quatro horas da manhã, os remadores descobriram a identidade dos viajantes  que carregavam, e  amedrontados  pelas ameaças e fuzilamentos sumários que já tinham acontecido com quem colaborou com o casal Garibaldi em fuga, os abandonaram,  a despeito dos apelos que estes formulam. Os deixaram numa cabana rústica, feitas com capins, as margem  de um dos canais por onde navegaram.  Anita foi  acomodada da melhor forma possível no interior da cabana e os dois homens, sem meios e sem saber o que fazer,  quedam-se imóveis, a espera dos acontecimentos. Quatro horas depois, por volta das oito horas da manhã,  foram  socorridos pelos irmãos Michele e Mariano Guidi.    Às 17:30 horas  Anita foi colocada sobre uma charrete, que dirigiu-se para a Feitoria de Mandriole, enquanto outra charrete, que havia-se retardado foi mandada  a cidade de Santo Alberto, ali próximo, para chamar o Dr. Pietro Nannini, que foi conduzido à  Fazenda Guiccioli, sob o pretexto de atender a grave enfermidade da proprietária do estabelecimento para onde Anita foi sendo conduzida.  Nos três quilômetros faltantes, Garibaldi seguiu ao lado da charrete,  a pé, fazendo sombra a Anita com um guarda-chuva, protegendo-a do fustigante sol. Naquele lento trajeto, por terreno que não é estrada de  carruagem,  Anita balbuciou suas últimas palavras à Garibaldi. Falou  sobre os filhos. Disse que não tinha medo, mas que sabia que seu fim estava próximo. Pediu para Garibaldi falar com os filhos, que gostaria de estar com eles, que os amava muito, mas que  prenunciando  a hora derradeira,  escolheu estar perto do seu homem, lutando pela mesma causa. Implorou que a justificasse  perante aos filhos de como era difícil para ela ser  mãe, esposa de um homem  como ele e compelida pelo dever de consciência a ter que empunhar armas pela defesa de seus ideais.


"NÃO, NÃO ELA NÃO ESTÁ MORTA"

Logo em seguida, momentos antes de chegar à Fattoria Guiccioli Anita não mais falava,  já  agonizava  e uma leve espuma verteu de seus lábios, que Garibaldi insistiu em limpar a todo o instante com um lenço que mantinha nas mãos. Quando finalmente chegaram na Fattoria,  já estava  presente o médico Dr. Nannini, que  atendendo as súplicas de Garibaldi (por amor a Deus, salvai-a!), ordenou que fosse transportada para dentro de casa.  Garibaldi,  Leggero, Manetti e Nannini, cada  segurou um dos  cantos do colchão onde está deitada  e a transportaram para o andar superior do casarão da Fattoria, deitando-a em uma cama de ferro de um pequeno quarto.

A resistência de Anita havia atingido os limites humanos e seu combalido corpo não havia resistido a tamanhas provações. Ao ser transportada para o interior da casa , poucos minutos de vida ainda restavam-lhe. O médico, após examiná-la, resignado,  sentenciou  que nada mais podia ser feito,  que sua vida  agonizava, que estava prestes a expirar.

 Eram 19:45 horas  de sábado,  dia 4 de agosto de 1849 quando a brasileira e lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro,  conhecida como Anita Garibaldi, grávida de seis meses, expirou. 

Quando convenceu-se que o manto negro da morte havia se sobreposto às luzes que sua companheira irradiou durante àqueles dez anos de convivência, Garibaldi  não mais conteve o pranto, dobrou-se sobre a moribunda e extravasou tudo o que sentiu naquele doloroso momento. Ajoelhou-se  ao lado da cama,  segurou  com as duas mãos a face de Anita e exclamou:

" - Não, não, ela não está morta! Não é senão um novo ataque.  Muito teve que sofrer, mas ela vai ficar boa ! Não está morta  ! Anita ! É impossível ! Olha para mim Anita !  Fala comigo !   Quanto eu perdi !"

Garibaldi sentiu em sua alma a maior e mais triste de todas as suas derrotas, e culpou-se amargamente  por não tê-la deixado entregue aos cuidados das senhoras de Cetona ou em San Marino. De nada tinha adiantado todo o esforço e o sacrifício da penosa fuga. Tinham restadas infrutíferas as dores e os temores daqueles últimos dias em fuga, que ela  havia imposto a  si  própria e ao  seu companheiro.  A fatalidade e a morte venceram a ambos !

Não foi somente Garibaldi que pranteou tão lastimável e insubstituível perda. Os compatriotas italianos, os liberais uruguaios, os farrapos brasileiros e os republicanos dos dois continentes,  que não puderam prantea-la no derradeiro instante de sua vida,  prantearam-na depois, cujas lágrimas foram convertidas em milhares de placas e monumentos que ergueram-se nos diversos países  do Novo e do Velho Mundo.  
Passados os instante iniciais do trágico acontecimento, o fiel Leggero tenta retirar Garibaldi do local, pois  tinha sido informado que um destacamento austríaco anda pelas proximidades de onde encontram-se.  Garibaldi recusou-se a retirar-se do local, não queria abandonar o corpo inerte de sua amada esposa e companheira de tantas lutas.  Queria dar-lhe um sepultamento digno. Fez com que os presentes e responsáveis pela Fattoria assim prometessem. Mesmo assim, permaneceu ao lado do inerte corpo de Anita, enquanto o Major Leggero a todo instante implorou para retirarem-se do local,  pois a presença  colocava em risco  não apenas a si próprio, mas também a  todos  da Fattoria:
"-Pela Itália, pelos teus filhos, devemos partir ..." -
Uma hora após  a morte de Anita,  derrotado e contrariado, Giuseppe Garibaldi foi retirado do local e conduzido por uma charrete para a localidade de Santo Alberto, dando prosseguimento a Trafila, que o levaria salvo ao exílio na América. Ao sair, porém, prometeu à sua própria consciência que um dia voltaria para buscá-la e dar-lhe um funeral compatível com a grandiosidade de sua coragem e dedicação. Prometeu sepultá-la novamente, ao lado de seu pai, em Nizza, promessa esta que efetivamente cumpriu após dez anos, antes de iniciar a segunda parte da guerra pela unificação da Itália.

Antes de afastar-se do local onde jazia o inerte corpo de sua companheira e amada,  retirou do cadáver os sapatos, o sobre-vestido, um lenço e um anel, mas levou consigo apenas o anel, deixando no quarto mortuário o restante. Anita havia chego em Mandriole já  semi-despida para seu maior conforto. Suas roupas de reserva vinham em uma  bolsa à parte. Tudo foi posteriormente confiscado pelas autoridades.

NO PRIMEIRO SEPULTAMENTO FOI ARRASTADA COM  UMA CORDA AMARRADA AO PESCOÇO

Monumento no local onde Anita foi sepultada pela primeira vez
A promessa feita à Garibaldi, entrementes, não pode ser cumprida. Como justificar aos vizinhos, à polícia e aos austríacos os demorados atos religiosos  sem que a identidade da morta fosse revelada?  Era necessário livrarem-se do corpo, o mais rapidamente possível, pois já tinham feito a parte essencial de suas obrigações cristãs. Agora era necessário resguardarem suas integridades físicas. Assim, tão logo afastou-se Garibaldi,  Stefano Ravaglia ordenou a dois  operários braçais da Fattoria  o  clandestino e rápido enterro de Anita. Com medo e por não terem nenhuma ligação ou relação com a morta, executaram a féretra empreitada sem a mínima consideração, de maneira dantesca e brutal, apavorados por duplo medo: o de contágio, pois ignorava-se a moléstia que matou Anita, e o das patrulhas noturnas do General Gorzkowski.  Transportaram o cadáver, displicentemente jogado sobre um carro de boi de duas rodas, até meio quilometro afastado da  Fattoria. Como o rústico veículo encalhou  na areia, completaram o percurso até o local previsto arrastando a morta pelo chão, por meio de uma corda que lhe amarraram ao pescoço!  No local até hoje conhecido como Landa Pastorara, formado por um areal coberto por  vegetação rasteira, sepultam-na em cova rasa, às pressas e  escondidos pela escuridão da noite.

Poucos dias após o secreto sepultamento, uma mão feminina, já dilacerada por animais, foi  descoberta pela menina Pasqua Dal Pozzo,  aflorando do pasto ressequido. O fato foi  informado aos pais e estes comunicaram à polícia. Rapidamente correu a notícia do achado de cadáver de uma “mulher desconhecida"...



Após a exumação cadavérica, seguiu-se as costumeiras providências oficiais: laudos policiais e do clero. A necropsia revelou a existência de feto de cerca de seis meses, sem possibilidade definir-lhe o sexo, devido ao adiantando estado de putrefação.

A ação dos desalmados coveiros, tinha produzido um ferimento profundo no pescoço de Anita, que confundiu o médico legista durante a autopsia, fazendo-o declarar em seu primeiro laudo, que tinha ocorrido “morte por estrangulamento"

Inicialmente as autoridades locais acreditaram que se tratava de um homicídio por estrangulamento, praticado contra uma mulher grávida, provavelmente da Região, motivo pelo qual foi instaurado um inquérito policial para apurar a responsabilidade criminal. Como a morte de Anita foi conhecida  por diversos operários da Fattoria Guicciolli,  poucos dias após todas sabiam  tratar-se do cadáver da esposa de Giuseppe Garibaldi, o que atraiu a atenção  dos militares austríacos que  buscavam o casal.

Estes rapidamente espalham a notícia de que a marca ao redor do pescoço de Anita havia sido provocado por  Garibaldi, que querendo livrar-se da incômoda presença de sua doente e grávida mulher, a havia enforcado. Para dar maior credibilidade ao boato que visava tão somente denegrir a imagem do condottieri, exibiram o laudo médico que afirmava ter ocorrida a morte   por estrangulamento    

Imediatamente prenderam o feitor Stefano Ravaglia e outras pessoas envolvidas com o triste episódio,  determinadas pelos militares austriacos,  pois tinha havido o descumprimento à ordem que proibia o auxílio e o socorro ao casal Garibaldi. Porém, o inquérito instaurado pela polícia local,   após diversos dias,  esclareceu o acontecido. Foram ouvidos os donos da casa, o médico  e as demais pessoas presentes no momento da morte de Anita, que safaram-se de  condenação sob o argumento de terem praticado um ato humanitário, dando guarida a uma doente, enferma, sem indagarem a identidade da moribunda. Foi um gesto católico, e pela prática desta caridade não poderiam ser condenados. Quanto ao fato de darem proteção a Garibaldi não lhes poderia ser imputada a pena pela desobediência, pois o mesmo demorou-se por pouco mais de uma hora, tendo sido retirado do local  momentos após a morte da companheira.  

Meses após, prevaleceu o bom senso e a justiça: veio a absolvição dos implicados. Não houve crime de estrangulamento. O cadáver de “mulher desconhecida” era o de  Anita Garibaldi. Morreu grávida, de morte natural. Houve apenas ocultamento de cadáver, que naquelas circunstâncias é encarado como sendo por razões  justificáveis, assumidos pelos que humanitariamente acabaram sendo envolvidos pelo trágico acontecimento.

Sobre a doença que deu causa à morte de Anita, muitas dúvidas ainda hoje restam. O Dr. Pietro Nannini,  atestou que a vitimou uma "grave febre perniciosa" e mais adiante  referiu-se a uma "febre terciária simples" . Antes de chegar a Roma, Anita tinha passado por Maremma,  que havia sofrido uma invasão  de anófeles, insetos que transmitem a malária. Naqueles dias, diversos soldados foram vitimados por esta doença. A tuberculose,  lesão pulmonar, congestão intestinal e tifo das montanhas foram outras causas mortis  atribuídas por diversos estudiosos e  pesquisadores. As evidências, entretanto, apontam para o impaludismo.

SEGUNDO SEPULTAMENTO DE ANITA
Cemiterio de Santo Alberto -  Segundo Sepultamento
No dia 11 de agosto, após a autópsia, ainda sendo desconhecida a identidade do  cadáver que já estava em adiantado estado de decomposição, o Juiz encarregado do inquérito, chamou  o padre Burzatti e confiou-lhe o cadáver de Anita. Estava despido e muito mutilado pela ação dos animais,  pelo bisturi da autópsia  e pela decomposição adiantada.  Imediatamente o padre solicitou  autorização ao Bispo para o enterro  dos restos mortais de uma "mulher desconhecida" no cemitério local, localizado nos fundos  da Igreja de Mandriolle. Devidamente autorizado,  foram  realizadas as exéquias e sepultada em cova simples, com uma cruz de madeira, sem nome.


TERCEIRO SEPULTAMENTO DE ANITA
Após ter sido identificado o cadáver e nos anos que se seguiram era grande a peregrinação que a população fazia ao cemitério para reverenciar à memória de Anita. Exaltando-se novamente os ânimos da população contra o Papa, alguns garibaldinos remanescentes, liderados por Francesco Manetti, alguns dos quais tiveram  participação e colaboraram para o êxito da  trafila, seqüestram os restos mortais de Anita,  colocando-os em uma urna, sepultando-a em lugar seguro e escondido.  Eles tinham o receio de que a sepultura fosse violada pelos adversários da unidade italiana,  para serem  dispersados e impedir que seus despojos fossem usados para reacender o sentimento unitário italiano.   

QUARTO SEPULTAMENTO DE ANITA
Algumas semanas após, descoberto o seqüestro indevido, o padre Francesco Burzatti envidou esforços para recuperar os restos mortais, no que  logra êxito, tendo recebido em devolução a féretra caixa, mediante a promessa de  enterrá-la no interior da Igreja, em capela ao lado do altar. A promessa  foi  efetivamente cumprida.


QUINTO SEPULTAMENTO DE ANITA
Em 22 de setembro de 1859,  tão logo voltou de seu longo exílio, Giuseppe Garibaldi, acompanhado pelos filhos Menotti, Riciotti e Teresita, estava em Mandriolle e novamente  desenterrou os restos mortais da Heroína, fazendo-lhe um cortejo fúnebre, com o intuito de conduzi-los para serem sepultos em Nizza, junto a sua mãe, que havia falecido  em 1852. No caminho, uma verdadeira consagração garibaldina em romaria cívica,  passou por diversas cidades, parando para homenagens e exaltações diante de seus restos mortais nas cidades de Ravena, Bolonha, Livorno, Gênova e Nizza. Com este cortejo fúnebre Garibaldi atingiu dois propósitos:  pagou a promessa feita à memória de Anita no dia de seu falecimento, além de ter motivado e exaltado as populações por onde passou a  retomarem e prosseguirem com a  interrompida luta pela unidade italiana.

SEXTO SEPULTAMENTO DE ANITA
A cidade de Nizza e região haviam sido transferidas aos domínios da França, em pagamento dos empréstimos de guerra que este País tinha feito à Itália durante o segundo período da campanha da unificação. Sob o domínio francês, Nizza passou a ser conhecida como Nice, fazendo com que Anita ficasse sepulta em território francês. Em 1931,  por solicitação do Governo de Mussolini,  a França consentiu no traslado  dos restos mortais para Roma, onde Mussolini havia ordenado a construção de um grande monumento em memória de Anita.   Como as obras da Praça Anita Garibaldi, no Gianículo, em Roma,  ainda não estava pronto para recebê-la e receoso de que a autorização para retirada dos restos mortais fosse revogada pela França, Mussolini ordenou que os   restos mortais fossem  sepultados provisoriamente em Gênova, sendo então sepultada mais uma vez junto ao Cemitério  de Staglieno.  

SETIMO SEPULTAMENTO DE ANITA
Finalmente,  em 2 de junho de 1932, estando concluído o monumento erigido em sua memória no Monte Gianículo, o Governo Italiano para lá a transportou, patrocinando e promovendo um gigantesco traslado fúnebre,  transformado em ato cívico dos maiores da história da Jovem Itália. Até o presente momento seus despojos  encontram-se ali depositados.
Monumento à Anita, no Monte Gianicolo, em Roma

No mesmo dia 2 de junho, porém, 50 anos antes, em 1882,  em uma sexta-feira, faleceu José Garibaldi, às 18:22 horas,  na Ilha de Caprera - na Sardenha, Itália, com honras de herói. Ali mesmo foi sepultado!






 
Anita nasceu em 30 de agosto de 1821, na localidade de Morrinhos, então pertencente à cidade de Laguna, no Brasil, e faleceu em 04 de agosto de 1849, na localidade de Mandriole, pertencente a Ravena, na Itália. Em 2002, por terem sido as cidades de nascimento e de falecimento de Ana Maria de Jesus Ribeiro – A Anita Garibaldi, as autoridades de Laguna e de Ravenna celebraram um gemelaggio, considerando-se cidades irmãs.                                                





 
O autor Adilcio Cadorin  é advogado e membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de              Santa Catarina

Fatos, datas, nomes e história compilada da obra do autor ANITA - A GUERREIRA DAS REPUBLICAS – Autor  Adílcio Cadorin  – Edição 1999 - ALESC -  Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina