sexta-feira, 6 de junho de 2014

AS ORIGENS DA SERRA DO RIO DO RASTRO, DAS CIDADES DE LAGES, TUBARÃO E A 9a. CAVALGADA PELO PICADÃO DA SERRA – MAIO/2014




ADILCIO CADORIN*

Quando no final do Século XVII, a procura de prata e ouro  os lagunistas  exploravam  a vasta “Terra de Ninguém”, que compreendia os territórios do atual Rio Grande do Sul, Uruguai  e parte de Santa Catarina,  a grande riqueza que encontraram foram imensos rebanhos de gado selvagem, que haviam se criado e proliferado naturalmente, a partir da sua introdução na Região Missioneira pelo jesuíta espanhol Cristóvão Mendonça Orelhana.

O sebo, o couro e carnes deste gado desencadearam levas de migrantes lagunistas, vicentistas  e imigrantes portugueses  que se fixaram neste imenso território, que se dedicaram ao preamento deste gado orelhano,  conduzindo-os para locais com aguadas e pastagens rodeadas de acidentes naturais, onde deixavam os animais “estarem” para posteriormente serem comercializados ou abatidos.  Logo, os locais onde os animais “estanciavam” deram origem às estâncias de criar, e as estâncias trouxeram mais povoadores, fazendo surgir diversas vilas e cidades que se criaram durante o século XVIII.

Foi  partir de 1767 que a região do “Continente das Lagens” iniciou seu povoamento, dando origem a Vila  de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens, que  foi oficialmente criada em 04 de setembro de 1770 pelo  bandeirante vicentista Correia Pinto.

Instalou-se, assim, este núcleo, como consequência desta corrida povoadora no período que ficou conhecido como a “Era do Couro”, posto este ser o produto mais valioso  extraído deste gado que havia se criado livre e sem dono. No primeiro momento, sua carne salgada foi destinada ao abastecimento das necessidades da força escravagista das fluorescentes capitanias hereditárias e incipientes cidades do Brasil Colônia. Num  segundo momento  seus couros passaram a ser largamente exportados para a Europa.

Lages comunicava-se com a Feira de Sorocaba (SP), na época, maior centro   consumidor de gado, pelo longo e  difícil Caminho de  Tropas, cujo gado e carretas eram tangidas em longas e extenuantes tropeadas. Na volta de  Sorocaba os tropeiros traziam os insumos e mercadorias necessárias e consumidas pelos estancieiros lageanos.

Para diminuir as distâncias, em 1771, Correia Pinto,  o  fundador de Lages, propôs à Câmara de Laguna para que as duas vilas unissem esforços abrindo um caminho, ligando o planalto ao litoral, permitindo que, através do Porto de Laguna,  Lages tivesse ligação marítima com os centros consumidores da Colônia e da Europa.  

Em virtude da demora da Câmara de Laguna  aderir a sua proposta, Correia Pinto  contratou as suas expensas  um  grupo de homens especialmente escolhidos para a abertura do que inicialmente se denominou como   “Caminho do Tubarão”, que na verdade era uma difícil trilha, principalmente no trecho que cruzava a Serra Geral, onde muitas vezes os tropeiros viam despencarem penhasco abaixo o gado e mulas carregadas de mercadorias  que conduziam. Daí  decorreu  a designação pejorativa  utilizada pelos tropeiros que este não era um caminho, mas um “picadão”, o  Picadão da Serra.

A partir de então, por este Picadão, os lageanos iniciaram a utilizar o Porto de Laguna para venderem a courama, os sebos, o charque e num segundo momento, os produtos  derivados, como arreios, queijos, manteigas, pinhas, lãs e diversos outros que produziam em suas estâncias.  Ao retornarem levavam nos seus cargueiros muares tecidos, louças, armas, munições, pólvora, ferramentas, cutelaria, sal, peixes secos, farinhas e toda sorte de mercadorias e produtos que consumiam em sua faina campeira.

O comércio destes produtos era feito com pagamento da moeda circulante, mais ou menos rara na época, o que motivava a prática do escambo, ou seja, a troca de mercadorias que, para facilitar e evitar que os animais cruzassem o Rio Tubarão, os lagunenses vinham com suas embarcações a vela e a remo para o Poço Grande,   local até onde seus barcos podiam navegar.

Ali, na margem do Poço Grande do Rio Tubarão era feita a mercancia e se consolidou  a integração do planalto com o litoral catarinense. Foi assim,  fruto desta integração  dos tropeiros lageanos  com os pescadores e comerciantes de Laguna que nasceu a hoje orgulhosa cidade de Tubarão.      

Posteriormente, este caminho, sendo largamente utilizado, sofreu diversas melhorias,  no seu traçado, com um sistemático alargamento  no decorrer dos tempos, dando origem ao leito da hoje conhecida  e serpenteada estrada  da Serra do Rio do Rastro.

Como forma de reverenciar toda esta epopeia histórica, a Ordem dos Cavaleiros de Santa Catarina promove anualmente uma cavalgada, de Lages a Tubarão,  percurso de aproximadamente 300 km.

Neste ano de 2014, sob o comando do Presidente Jose Sandrini, a Ordem dos Cavaleiros realizou a IX Cavalgada Pelo Picadão da Serra, que duraram oito dias consecutivos, percorrendo em média 35 km por dia a cavalo.

Presente nesta tropeada, tive o prazer de fazer companhia aos cavaleiros e amazonas de diversas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, como Torres,  Santa Maria, Canoas, Lages, Laguna, Urubici, Painel, Tubarão, Garopaba, Penha, Florianópolis, Palhoça, Imaruí, S. Ludgero, Grão Pará, Guabiruba, Brusque e Rio Rufino, todos com suas respectivas  equipes de apoio,  sendo acompanhados pelo cinegrafista Marcos Paixão, que registrou todos os momentos desta aventura para elaboração de  documentário a ser apresentado oportunamente pela TV UNISUL.

Saímos de Lages no dia 17 de maio e além de diversos povoados e distritos,  passamos pelas cidades de Painel, Urupema, Rio Rufino, Urubici, Grão Para, S. Ludgero e chegamos em Tubarão no dia 24. Evitando cavalgar por estradas asfaltadas, andamos por campos abertos, vales, serras e  trilhas. Batendo estribo e interagindo com a flora e fauna silvestre, atravessamos pinheirais, matas nativas, cruzamos banhados, sangas e diversos rios. Ao meio dia parávamos para descanso dos animais, para lancharmos a beira de uma sanga com uma  sombra para uma rápida sesta,  recomeçando a troteada logo após,  até o anoitecer.     

No percurso, fomos acolhidos pelas autoridades e tradicionalistas das cidades onde passamos, recebendo homenagens em reconhecimento a este  resgate da epopéia dos antigos tropeiros que deram vida a maioria das cidades por onde passamos.           
    

                          * Advogado, historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
                      Residente em Laguna – SC