quinta-feira, 28 de novembro de 2019

COMO ERA ANITA GARIBALDI FISICAMENTE ?


                                                                                                                        Adilcio Cadorin* 

Muito se tem escrito e falado sobre  Ana Maria de Jesus Ribeiro, a nossa Heroína Anita Garibaldi. É que sua história foi  extremamente atraente e rica em ações, exemplos e fatos épicos que, ao conhecer, enlevamos nossa condição de humanos que nos faz despertar sentimentos que nos projetam à um plano ligeiramente acima de nosso cotidiano. Trata-se de uma mulher comum, mas potencializada pelas suas crenças, mais decidida, mais rápida e muito mais corajosa. Embora sofresse dos mesmos conflitos internos e das fragilidades dos humanos comuns, logrou supera-los com a força de seus ideais e de suas paixões, numa arena de uma época muito mais difícil e dramática do que a nossa. Em nossas palestras e colóquios, após discorrermos sobre sua vida e história, tornou-se recorrente as pessoas nos indagarem como era sua aparência, sua fisionomia e sua constituição física, já que conhecida sua biografia escrita em diversas línguas, por autores nacionais e estrangeiros, embora ainda existam algumas de suas ações épicas que necessitam de maior aprofundamento investigativo.   

Sua ascendência é conhecida, e seus descendentes formaram inúmeras famílias que se espraiaram por diversos países e continentes, que se orgulham e preservam as glórias que lhes legou sua ancestral. Sua naturalidade e nacionalidade restaram inúmeras vezes questionadas em virtude de que não foi localizado seu certificado de batismo, o que elucidaria o local de seu nascimento. Porém, este vazio de sua biografia foi definitivamente preenchido e elucidado quando recorremos à  Justiça, em 1998, que após sentença em  processo que tramitou por dois anos, pôs fim às dissensões sustentadas, que divergiam sobre o exato local e até o país onde teria nascido.  Embora esta decisão ainda seja criticada por poucos que relutam em admitir a naturalidade lagunense, o fato é que sob o prisma da legalidade, Anita é brasileira, catarinense e natural de Laguna.

Seus feitos marcantes como guerreira sustentada pelos ventos libertários das insurreições republicanas contra as monarquias dos quatros países dos dois continentes  onde lutou, igualmente já foram investigados, confirmados e amplamente noticiados. O mesmo aconteceu com sua fidelidade e dedicação ao homem que amou, nunca o abandonando, mesmo que lhe custasse sua própria vida, como realmente aconteceu. Não é diferente o conhecimento que temos de seu zelo e educação maternal que consagrou aos seus quatro filhos. Até mesmo a compaixão e a assistência que dedicou aos feridos nos confrontos, fossem companheiros ou inimigos, ficaram conhecidos e historicamente comprovados. Também conhecido o fato de que, mesmo tendo saído de Laguna quase analfabeta, em poucos anos aculturou-se e ao falecer escrevia em português e falava fluentemente quatro línguas: português, espanhol, italiano e o dialeto piemontês. Sabe-se, ainda, que era exímia amazona e que faleceu com 28 anos, em avançado estado de gravides de seu quinto filho, vítima de febre tifoide, tendo sido sepultada sete vezes. Portanto está devidamente reconhecido quem foi Anita Garibaldi, o que fez, onde, porque, como, com quem, quando e o que nos legou. 

Existe, porém um relativo vazio a respeito das  compleições e aparência física desta heroica personagem, vácuo este  que tem nos intrigado desde muitos anos: como realmente eram os traços fisionômicos e a aparência física de Anita? 

Vivendo no período anterior a invenção da  fotografia, Anita não teve a ventura de dividir, enquanto viva, a gloria que foi conferida ao seu companheiro Giuseppe Garibaldi - Il Condutiere,  cujas fotos ajudaram a transforma-lo em um mito ainda em vida, graças a mais de uma centena dos seus registros fotográficos que foram preservados. Lamentavelmente, a mesma sorte não teve Anita, pois havia falecido cerca de vinte anos  antes deste invento, já que pereceu durante o primeiro período das guerras pela unificação da Península itálica, que aconteceu somente  num terceiro momento, depois de muitos combates. O longo período e a protuberância de fatos épicos ocorridos no lapso temporal de 23 anos, contados de sua morte (1849) até a unificação italiana (1871), fez com que a importância dos feitos de Anita fossem  esquecidos, resgatados somente muitos anos após.

As únicas descrições de Anita publicadas enquanto ela vivia foram registradas por dois  jornais italianos, quando noticiaram sua chegada à Gênova, em 1848, que logo a denominaram  “La Brunetta di Garibaldi”, ou seja  “A Moreninha do Garibaldi”, revelando-nos ser morena sua epiderme.    

Segundo o filho Ricciotti, este é o
"verdadeiro retrato de minha mãe
". 
Por encomenda do filho Riciotti,  que possuía apenas dois anos de idade quando sua mãe  havia falecido, o uruguaio Caetano Galino, contando com a descrição do filho,   pintou o que seria a verdadeira e única fisionomia de Anita. 

Mas no Museu do Rissorgimento, em Roma, existe outra  pintura, um tanto diferente, feita por  Gerolano Induno, que alguns oficiais garibaldinos contemporâneos de Anita afirmaram ser o mais parecido com seus verdadeiros traços fisionômicos. 
Pintura de Anita por Gerolano Induno
Felizmente estão  guardados alguns relatos dos que com ela conviveram   que descrevem sua aparência   e  compleição física.  Um destes registros está preservado pela Municipalidade de Cetona, Itália. Trata-se de uma  carta escrita por Ettore Maziali e endereçada ao professor Raffaele Beluzzi, de Bolonha, que conheceu a Heroína naquela cidade em 17 de julho de 1849, quando de sua rápida passagem perseguida pelas tropas austríacas. Refere a carta que  a descreveu:

“... Era Bela? Muito ao contrário! De pele muito escura e traços não muito irregulares,: a varíola  tinha marcado seu rosto visivelmente. Malgrado isso, ninguém  podia mira-la senão com  admiração e crescente simpatia”¹.

Outro importante registro foi anotado por Giacomo Lumbroso, em sua obra “Garibaldi”,  onde escreveu:

Não bonita, mas atraente, de estatura média, esbelta e flexível, de olhos e cabelos muito negros, de pele cor de azeitona, Anita personalizava o tipo clássico de crioula; só no físico, entenda-se; pois que toda sua vida, do dia em que se deu à Garibaldi, desmentiu plenamente aquela fama de indolência e de languidez que se atribui por tradição à mulheres nascidas sob o sol dos trópicos”.

Jasper Ridley, em sua obra “Garibaldi”, editada em Londres em 1974, registrou que  um senhor chamado Anacleto Bittencourt, habitante de Laguna na época  dos fatos e que conheceu a Heroína pessoalmente,  narrou que era “...alta, troncuda,  seios protuberantes, rosto oval coberto de sardas, olhos negros e oblíquos e cabelos negros e soltos”

Gustavo Von Hoffstetter, integrante  das tropas de Garibaldi  durante o cerco de Roma,  descreveu Anita como  “uma mulher de vinte e oito anos,  de cor bastante morena,  de linhas interessantes,  delicadíssima de corpo e, ao primeiro olhar,  se distinguia nela uma amazona...”

Depois de sua morte, graças aos registros do inquérito policial que foi instaurado e de seu exame cadavérico,  constatou-se que  possuía  “cerca de um metro e dois terços de altura”, conforme constou no ofício de 12/08/1849 do Delegado Lovatelli de Ravenna, endereçado ao Comissario de Polícia Bologna², estatura confirmada  pelas  medidas tiradas do vestido que ela havia recebido de presente em Cetona, que hoje se encontra no Museu da República de San Marino.  

Além destes, existem outros relatos preservados, todos alinhados e que nos permitem concluir que Anita possuía estatura de aproximadamente de 1,65 metros de altura, olhos grandes, pele morena, cabelos pretos,  lisos, compridos e normalmente presos, sardas no rosto, boca fina e busto avantajado que a obrigava a vestir-se como homem nos momentos de luta.



Os depoimentos existentes, associados às duas pinturas discutidas nos conferem as condições básicas para que possamos constituir seus traços fisionômicos que, embora muito  importantes, não são tão necessários para que reverenciemos sua memória, pois foi por sua forma de agir, pelos  seus pensamentos, suas ações,  sua paixão, sua fidelidade e atos de coragem em defesa dos ideais republicanos pelos quais lutou e imolou sua vida, que amalgamou os títulos de “Mãe da Pátria Italiana”,  “Heroína de Dois Mundos”  e teve seu nome gravado no Panteão dos Heróis Brasileiros. 


1- Cópia desta carta encontra-se no acervo do Prof. Wolfgang Ludowig  Rau, que pertence ao Municipio de Laguna e está exposto junto a UDESC de Laguna;

2- Idem, idem.

*Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

DIA 15 DE NOVEMBRO SINCRONIZOU DUAS REPUBLICAS

ADILCIO CADORIN* 

1839 - EM 15 DE NOVEMBRO A DERROTA DA REPUBLICA CATARINENSE   PROJETOU PARA O MUNDO A REPUBLICANA ANITA GARIBALDI.

Proclamação da Republica Catarinense
Pintura de Claudio Carpes
Embora  as  origens das ideias republicanas sejam anteriores,  foi na Roma Antiga, quando o povo elegeu seu primeiro senado, que surgiram os incipientes mecanismos  que compuseram o sistema republicano de governo, voltado para o bem comum, partindo da  premissa de que o poder emana do povo, ao inverso de outros sistemas que consagram o exercício do poder à hereditariedade ou ao direito divino. Em outras palavras, república foi a descoberta de um sistema de governo que se opunha às monarquias, às oligarquias,  às ditaduras ou a qualquer outra forma que o poder não fosse originado na vontade popular, normalmente exercidas despoticamente. Com o advento da Revolução Francesa, os ideais republicanos de igualdade, de fraternidade e de que o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, expandiu-se pelos continentes, sustentando idealistas e confrontos bélicos que visaram implantar a forma republicana em seus respectivos países. Sete dias após um único barco com quarenta soldados republicanos capitaneado por  Giuseppe Garibaldi ter tomado a cidade portuária de Laguna,
Giuseppe Garibaldi - 1835 
 em 29 de julho de 1839 a Câmara de Vereadores proclamou sua separação do 
Império Brasileiro e a “Independência do Estado Catarinense, Livre, Constitucional e Independente”, adotando o regime republicano, que passou a ser conhecido pela  história   como República Catarinense, tendo sido eleito como presidente  o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro. Quase quatro meses após, no confronto naval para retomada da Laguna, a Marinha brasileira dispôs de 16 navios de guerra e mais 6 de transporte para bloquear a entrada e a saída do Porto de Laguna, impedindo que a jovem República tivesse qualquer atividade econômica através de seu  porto. Enquanto se organizava o governo republicano,  Giuseppe Garibaldi, que havia assumido sua defesa naval, tratou de reconstruir o pequeno Fortim Atalaia,  que existia na entrada da Barra da Laguna, ampliando sua edificação e equipando-o com alguns canhões, que passou a ser conhecido como o Forte do Garibaldi. Durante os preparativos  para prevenir um inevitável ataque imperial,  Garibaldi residia em seu navio Seival, que estava ancorado em frente a pequena vila de pescadores, hoje conhecida como Ponta da Barra, de onde,  por uma luneta, vislumbrou a figura de  jovens mulheres que diariamente subiam uma encosta para buscarem água em uma fonte, tendo uma delas chamado sua atenção.
Padre Vicente - Presidente  da
República Catarinense 
Num determinado dia, afetivamente carente e encorajado, resolveu desembarcar e procurar àquela jovem, mas como ao chegar à praia não a encontrou, aceitou tomar um café na casa de um conhecido que trabalhava na reconstrução do forte.  Coincidentemente, quem lhe serviu o café foi a mesma jovem que havia chamado sua  atenção pela luneta. Imediatamente indagou que era, e ela respondeu chamar-se
Ana Maria de Jesus Ribeiro, mas que era conhecida como “Aninha”, ao que  Garibaldi  respondeu que em sua língua, o diminutivo de Ana, é Anita, e que ele doravante iria assim chama-la. Ao sair da casa, Garibaldi tomou suas mãos e lhe disse: - Tu deves ser minha. Naquele dia, nasceu a Anita Garibaldi.
Depois de proclamada a República,Catarinense, as divergências  ocasionadas  entre o Governo Civil e as forças militares entraram em choque  em virtude de que a tropa  necessitava  ser equipada e alimentada de forma urgente, o que estava sendo suprido através de expropriações não  muito democráticas, contrariando a formação republicana do Padre Presidente e seu gabinete civil, além do que o gabinete e seu presidente não respondiam com agilidade às autorizações  e os meios que os militares necessitavam receber para invadirem as demais cidades catarinenses que ainda estavam sob domínio monárquico.     
Premidos pela falta de víveres e de equipamentos motivados pelo bloqueio naval, com o passar dos dias a Republica Catarinense definhou por falta de atividades econômicas, o que motivou  Garibaldi a equipar três navios para abordar navios mercantes do Império carregados com mercadorias.  Após conseguir enganar as naus imperiais que bloqueavam a saída do Porto, Garibaldi navegou para o norte, onde  após algumas abordagens, apreendeu  três navios e suas cargas. Em sua companhia, estava Anita, que havia se recusado a esperar seu retorno à Laguna. Já retornando, foram surpreendidos por algumas naus imperiais, que  os obrigou a  ancorarem na enseada de Imbituba,  onde, no dia 4 de novembro Anita teve seu Batismo de Fogo,  ao receber um tiro de canhão que matou dois soldados que estavam ao seu lado, tendo-a jogado à distância e a fez desmaiar.  Garibaldi correu para socorre-la, e após recobrar os sentidos,  ordenou  para que  ela se colocasse a salvo e fosse para o porão,  enquanto a batalha acontecia, tendo Anita respondido que iria sim, mas para buscar os covardes que lá se escondem da luta, o que de fato fez, trazendo para cima alguns soldados, que vendo-a  corajosa e valente, dando vozes de comando e de incitação à luta em plena batalha, dobraram suas energias até que o comandante imperial foi atingido e o ataque cessou, permitindo que na calada e na bruma da noite,  os navios  republicanos pudessem saír da Enseada sem serem vistos, regressando à Laguna.  
Anita em seu Batismo de Fogo
Por ora, a República estava salva, mas a reação do Império não tardaria. De fato, no dia 15 de novembro de 1839, a Monarquia acionou sua frota de  vinte e dois navios  e iniciou a maior batalha naval de sua história em
águas nacionais. Esperando serem atacados, Garibaldi havia disposto seis navios em linha, ancorados ao longo do Canal da Barra,  próximos ao Forte que havia construído e mais 1200 atiradores ao longo do lado sul do Canal. Após Garibaldi ter subido uma das montanhas  para do alto observar o movimento das naus imperiais, o ataque foi desfechado,  tendo Anita disparado o primeiro tiro de canhão, já que ninguém ousou desobedecer o comando que proibia de dispararem enquanto  Garibaldi não estivesse presente. Mas distante e impossibilitado de dar início à resistência, por iniciativa própria, Anita deu fogo nos canhões, iniciando a batalha naval que, embora tenha havido  um longo combate com muitos atos de heroísmo e de mortes a queima roupa,  marcou a derrota e o final da República Catarinense, obrigando Garibaldi atear fogo em seus próprios navios e abandonar Laguna, mas não sem antes  Anita  salvar descarregando munições e pólvoras das naus em chamas, transportando-as para terra em uma canoa, fazendo três viagens, atravessando o fogo cruzado. Findava o dia 15 de novembro quando Anita, Garibaldi, oficiais e soldados farroupilhas retiraram-se rumo sul,  deixando para crepitar nas chamas de seus barcos os sonhos republicanos de igualdade e justiça social. Estava encerrada a República Catarinense, apenas  107 dias após ter sido proclamada. Dos diversos movimentos  e conflitos que foram deflagrados em território brasileiro contra a  monarquia portuguesa e depois contra a monarquia brasileira, a República Catarinense foi a  derradeira tentativa, exatamente e coincidentemente 50 anos antes da República Brasileira  ser proclamada. Ironicamente, foram os militares brasileiros que ao longo dos anos, tanto no período do Brasil Colônia como no período do Brasil Imperial, combateram as diversas  insurgências  republicanas, mantendo pelo direito da  força  o regime monárquico, que somente foi  extinto em 15 de novembro de 1889,  quando foi proclamada a República Brasileira pelos militares,  então liderados pelo  Marechal Deodoro da
Fonseca.

 1889 -    15 DE NOVEMBRO - A PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA BRASILEIRA 

O ato de proclamação da República  aconteceu onde hoje está localizada a Praça da República, no Rio de Janeiro,
Proclamação da República
que na época era a capital do Império do Brasil, quando   Deodoro da Fonseca, liderando um grupo de oficiais,  depôs o imperador D. Pedro II, e assumiu o poder no País e estabeleceu um governo provisório republicano, que se tornaria a Primeira República Brasileira. Portanto, a  República Presidencialista Brasileira foi  instituída através de um golpe de Estado,   que extinguiu o regime monárquico parlamentarista do Império Brasileiro,  obrigando o    Imperador  e a família real se exilarem na Europa.  Dentre outros, três  fatores foram determinantes  para os acontecimentos de 15 de novembro:
a-        Abolição da Escravatura -  Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei  Áurea, libertando os escravos, mas desencadeou um  forte descontentamento nas elites agrárias tradicionais do país, que para compensar os prejuízos com a quase paralisação do trabalho escravo, reivindicavam do Império  indenizações proporcionais ao preço que haviam pago pelos escravos libertados pela Lei.
Lei Áurea, com assinatura da
Princesa Isabel 
Como não foram indenizados, os proprietários dos escravos aderiram ao movimento republicano, que era até então inexpressivo, deixando de darem apoio político ao Partido Liberal, que era a base de sustentação política do regime Imperial. A história registra que os ex-proprietários de escravos aderiram à causa republicana, não por ideal, mas como uma vingança contra a monarquia. Após a assinatura da Lei Áurea, o Barão de Cotegipe  teria dito à Princesa Isabel:
- A senhora acabou de redimir uma raça e perder um trono !
b-       Dependência Religiosa - Alguns anos antes,  os bispos de  Olinda e de Belém do Pará resolveram se indispor contra a submissão da Igreja Católica ao Império, fato que os impedia  de colocarem em prática as ordens do Papa sem a prévia aprovação do Imperador. Os dois bispos havia decidido seguir as orientações do Papa Pio IX  que havia determinado a exclusão dos maçons da igreja. E os maçons eram uma das bases de sustentação da Monarquia. A bula papal não foi ratificada pelo Imperador, tendo sido determinado a prisão dos bispos desobedientes, que algum tempo depois foram perdoados e libertados, mas o fato gerou um forte desgaste político, já que a Igreja Católica era fundamental à sobrevivência do regime monárquico;
c-        Descontentamento do Exército - Os militares do exército estavam descontentes com a proibição, imposta pela monarquia, pela qual os seus oficiais não podiam manifestar-se na imprensa sem uma prévia autorização do Ministro da Guerra. Os oficiais sentiam-se desvalorizados pelo governo civil, com soldos muitos baixos, com promoções muito difíceis de serem obtidas, prevalecendo critérios políticos e não meritórios, sentindo-se desconsiderados, se comparados com a Marinha, que recebia mais recursos e atenções.

Tais fatores catapultaram as ideias republicanas a tal ponto que,  no ano que foi proclamada a República, em 1889, existiam 74 jornais e 237 clubes republicanos em  São Paulo, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, províncias onde estavam concentrados os principais apoios aos ideais republicanos. Políticos como Quintino Bocaiuva, Benjamin Constant, Campos Sales, Prudente de Morais, Júlio de Castilhos, Assis Brasil, entre outros, intensificavam a propaganda republicana. Como referido acima, o  movimento de 15 de novembro de 1889 não foi o primeiro a instituir o regime republicano no Brasil, embora tenha sido o único efetivamente bem-sucedido. Até então, muitas revoltas e  conflitos já haviam eclodido, embora todos tenham sido sufocados pela força das armas da monarquia:  
·                                   Em 1789, a conspiração denominada Inconfidência Mineira não buscava apenas a independência, mas também a proclamação de uma república na Capitania de Minas Gerais, seguida de uma série de reformas políticas, econômicas e sociais, mas delatada a conspiração contra a unidade da Coroa Portuguesa, seu principal líder, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça exposta por longo tempo, enquanto que os demais integrantes da tentativa republicana  foram banidos do Brasil;
·                                   Em 1817, a Revolução Pernambucana  foi o único movimento separatista do período colonial que ultrapassou a fase conspiratória e atingiu o processo revolucionário de tomada do poder, com a constituição de um governo republicano, embora provisório para Pernambuco, que durou 75 dias;  
·                                    Em 1824, Pernambuco, a Baia e outras províncias do Nordeste brasileiro criaram o movimento independentista conhecido como Confederação do Equador, igualmente republicano, considerado a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I, que contou com a marcante liderança  do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo – o Frei Caneca, que ao final foi executado;  
·                                   Em 20 de setembro de1835,  após tentarem mudar  sem êxito o Presidente da Província Riograndense, que lhes havia sido imposto pela Regência de D. Pedro II, os riograndenses, liderados pelo Coronel do Exército Imperial,  Bento Gonçalves da Silva e outros oficiais,
General Bento Gonçalves da Silva
 proclamaram a constituição da República Rio-Grandense, separada do Império, sendo considerado o maior conflito republicano enfrentado pela Monarquia, pois durou cerca de dez anos, sendo encerrado com a assinatura do Tratado do Poncho Verde, que anistiou e reincorporou todos os oficiais revoltosos nas fileiras do exército imperial;  
·                                   Em 6 de novembro de 1837 aconteceu a Sabinada, revolta separatista  que durou  cerca de um ano na Bahia, e que tinha como líderes o médico e jornalista Francisco Sabino e o advogado João Carneiro da Silva, que pretendiam implantar a República Baiense, com duração  até que o Imperador Dom Pedro II alcançasse a maioridade.
·                          Em 1839, no dia 29 de julho  foi proclamada a República Catarinense que, como vimos acima, teve curta duração, sendo extinta em 15 de novembro de 1839, após os republicanos terem sido derrotados em Laguna, na maior batalha naval que a Marinha Brasileira participou  em águas territoriais nacionais. Foi o último evento armado que antecedeu a proclamação da República Brasileira, em cuja batalha se destacou  e projetou ao Mundo a emblemática figura da lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro, depois conhecida como Anita Garibaldi, a Heroína dos Dois Mundos, a Mãe da Pátria Italiana.

Se o sistema republicano  é o mais justo porque liberta das tiranias e deve ser exercido pelo povo e para o povo,  associado ao fato de que Anita Garibaldi é a única mulher que se tem notícia histórica de ter lutado pela instituição de quatro republicas: a República  Catarinense, a República Riograndense, a República Uruguaia e a República Romana, neste 15 de novembro de 2019, quando comemoramos o 130º aniversário de instituição da República Brasileira e pranteamos o 180º aniversário da derrocada da República Catarinense, é nosso dever reverenciar -la como A Guerreira das Repúblicas e da Liberdade.
As diversas imagens
de Anita Garibaldi 

                                                                      
                                  *Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi. 


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O BATISMO DE FOGO DE ANITA GARIBALDI NA BATALHA NAVAL DE 4 DE NOVEMBRO DE 1839 NA ENSEADA DE IMBITUBA*



                                              
ADILCIO CADORIN **

Em julho de 1839, após Giuseppe Garibaldi e os revolucionários farroupilhas tomarem a cidade de Laguna,  a Câmara de Vereadores proclamou a independência da República Catarinense, elegendo seu presidente e nomeando seus ministros. Mas a reação da   monarquia não demoraria a chegar. Logo o Porto de Laguna sofreu o bloqueio naval,  com diversos navios de guerra ancorados na Ilha dos Lobos, impedindo a entrada e a saída de qualquer navio, paralisando as atividades comerciais, obrigando os republicanos  idealizarem uma forma  de romper o bloqueio, o que foi feito por Garibaldi, então nomeado como comandante da marinha republicana. Estrategista e astucioso,  despachou, então,  um pequeno e veloz barco, que por ser menor e mais leve, seria difícil ser alcançado pelos navios inimigos, que ao sair da Barra, rumou para o sul, mesmo avistada pelos navios imperiais,  que  levantaram âncora e passaram a persegui-lo. Ao verificarem que havia dado certa a estratégia, no escurecer três navios republicanos singraram a Barra e alcançaram mar aberto. Eram o Caçapava, o Rio Pardo e o Seival, comandos, respectivamente por Johan Griggs,  Valerigini e  Garibaldi. Durante boa parte da noite rumaram em direção leste e depois rumaram para o norte, em direção ao Porto de Santos. Navegaram por dois dias, sem admoestação monárquica. Anita viveu dias de intensas novidades, pois nunca tinha estado a bordo de um navio, ainda mais em um navio   equipado com canhões e  com soldados, que batiam-se pela causa  republicana. Sentiu-se profundamente feliz, pois doravante teria a oportunidade de defender os mesmo ideais e estava em companhia de valentes e corajosos marinheiros, que lutavam sem saber se receberiam ou não algum soldo.  Tinham consciência de que enfrentariam um adversário bem mais treinado e equipado, com embarcações maiores. Durante estes dias, Garibaldi os preparou para os combates e as abordagens a outros navios que deveriam enfrentar. Para Anita, aquilo era um mundo novo, totalmente diferente de sua monótona e simplória vida de aldeã. Tudo era novidade. Nada escapou de sua aguçada curiosidade. A cada detalhe, a cada  item que observava e que lhe era ensinado, seguiam-se intermináveis sequências de perguntas. Estava ávida de conhecimentos. Desejou saber e apreender tudo rapidamente. Quis fazer o que os marinheiros também faziam, para doar-se integralmente à causa, da qual, dali em diante, foi fiel soldada e estava começando a viver verdadeiramente: consciente, lutaria porque tinha um ideal; feliz,  porque havia encontrado o amor e a paixão de um homem,  a quem poderia doar-se integralmente. Durante os treinamentos, voluntariamente, assumiu a condição de marinheira, submetendo-se às ordens de comando, ora jogando-se ao chão do convés, ora atirando, ora carregando canhões, ora simulando lutas corpo-a-corpo, com   pistolas e armas brancas. Com mosquetão praticou tiro ao alvo em objetos que boiavam, e logo estava atirando nos pássaros que voando, acompanhavam a  embarcação.  Ali naqueles dias  que antecederam a batalha naval na Baia de Imbituba,  morreu definitivamente Aninha, a desprotegida e mal amada idealista, rompendo definitivamente os grilhões da submissão e da contemplação. Uma nova mulher nasceu naqueles dias, que embalada pela auto confiança que àquele cenário e vivência lhe inspirou, a transmudou  em mulher que realizou seus sonhos: Aninha agora era Anita, a guerreira republicana !  Sentindo-se insultados por serem vítimas de tão ingênua armadilha, a monarquia   remeteu urgente avisos às autoridades dos portos  de São Francisco,  Paranaguá, Santos e Rio de Janeiro, para que estivessem preparados, posto que haviam saído do Porto de Laguna os navios corsários. Todos os navios ancorados nestes portos foram revistados ao mesmo tempo que  vasculharam o litoral do Rio de janeiro até Laguna.  Navegando longe da costa,  a pequena flotilha republicana, na altura de Santos, atacou e aprisionou um navio com bandeira brasileira, abarrotada de mercadorias destinadas aos portos do sul. Ao aproximarem-se da costa, foram avistados pelo barco imperial Regeneração, que a diversos dias os procurava. Houve troca de tiros de canhões, mas a distância impediu atingirem os alvos.   Este navio possuía um forte aparato bélico, composto por  vinte grandes canhões, enquanto as naus  republicanas possuíam apenas  cinco pequenos canhões,  de calibre e alcance inferior.  Era imperioso, portanto, não  ficar ao alcance dos canhões,  e como eram menos velozes, Garibaldi  tratou de aproximar-se mais ainda da perigosa costa, plena de  baixios e pedras, que não permitiam a aproximação do Regeneração.  Estava criando uma nova armadilha, esperando que o Regeneração encalhasse, tornando-se  presa fácil, o que, entretanto, não aconteceu.  Após anoitecer, durante toda a noite  mantiveram-se  as posições e logo que  clareou o dia, iniciaram-se os canhonaços,  prolongando-se  durante o dia, até que súbita mudança de vento obrigou os republicanos a  afastarem-se da costa,  sob pena de serem empurrados pelo vento em direção às rochas do litoral. Mas este mesmo vento avariou o velame do Regeneração, obrigando-o a retirar-se para reparos e buscar reforços. Então Garibaldi e Anita rumaram para o sul, encontrando as sumacas Bizarra e Elvira,  carregadas com arroz destinado ao Rio de Janeiro, que rapidamente foram abordadas e expropriadas suas cargas. Garibaldi sabia da importância de abastecer Laguna, como forma de  manter a confiança popular e reanimar o então decadente comércio portuário da jovem República.    Um pouco antes de chegarem em Paranaguá, avistaram o barco mercante Formiga, e o abordaram,  apreendendo as mercadorias que transportava. Necessitando abastecer sua tripulação com víveres,  tentaram atracar no Porto de Paranaguá, tendo para tanto içado em seu mastro uma bandeira do Imperio Brasileiro, mas a simulação foi descoberta e comandante da guarnição militar  disparou um tiro contra a flotilha republicana. Temendo o que poderia acontecer, os republicanos recusaram o combate e prosseguiram rumo ao sul.  Nas proximidades da Ilha de Santa Catarina, foram interceptados pelo brique Andorinha, um dos melhores e mais bem equipado navio do Império,  um verdadeiro navio de guerra,  como Garibaldi diria mais tarde em suas memórias. Com uma flotilha de cinco embarcações, a intenção era  permitir que as mercadorias que havia apreendido chegassem ao porto de Laguna.  Tentando protege-las,  Garibaldi ordenou e Anita repassou as ordens para que as  embarcações prosseguirem rumo ao sul, enquanto sob seu comando seu barco se lançou contra àquela fortaleza flutuante, disparando  sua bateria de pequenos canhões e com seus homens abrindo fuzilaria individual, mesmo sabendo que sua ação mais parecia um suicídio para proteger as outras embarcações. Houve um combate a distância,  mas as embarcações não foram atingidas porque o mar estava bastante agitado e não permitia a pontaria. Apenas os tiros de fuzis atingiram alguns marinheiros, de lado a lado. Das três embarcações mercantes apreendidas, apenas uma conseguiu fazer-se salva, rumando em direção sul e duas foram interceptadas.  O Seival e o Rio Pardo,  mantiveram-se  disparando contra o Andorinha e após algumas horas de refrega, o Seival foi seriamente atingido no casco e o Rio Pardo no seu velame, o que os fez navegarem com dificuldade. Mas,  com a aproximação da noite,  recrudesceu a desproporcional contenda, cessaram  os tiros de canhão  e  conseguiram navegar rumo ao sul, com a intenção  de alcançarem Laguna. Com a mudança do vento, que passou a vir do sul, tornou-se impraticável  adentrar a  perigosa Barra de Laguna.  Garibaldi decidiu, então, atracar na  enseada onde mais tarde  foi  construído o atual Porto de Imbituba, cuja natureza havia construído um abrigo  natural, com formação côncava, com a extremidade sul avançando ao mar, fechando a enseada em forma de ferradura. Na ponta sul desta baia existia uma elevação com altura aproximada de vinte metros.   Garibaldi sabia que  era necessário preparar-se para o combate que ali aconteceria e  seria ferrenho. Quando constatou que o Andorinha não lhe havia dado perseguição durante a noite, compreendeu que o mesmo tinha ido em busca de reforços.  Ao chegarem na enseada de Imbituba, no  amanhecer do dia 3 de novembro, lá encontraram o navio de Inácio Bilbáo, que também os esperava porque não pudera entrar em Laguna. Imediatamente Garibaldi ordenou que  o Seival adentrasse o máximo possível na enseada e dele fosse retirado um dos canhões e conduzido ao cume da elevação. Para  esta operação, além de seus marujos,  contou com a colaboração de um destacamento  de duzentos homens, do Coronel Teixeira Nunes, que estavam acampados nas proximidades. Para atingir as naus republicanas, os imperiais deveriam entrar na enseada e ao entrarem seriam alvos fáceis daquela bateria disfarçada por detrás de uma improvisada parede de pedras. Entregou o comando da artilharia de terra ao oficial republicano Manoel Rodrigues.  Esta bateria e os barcos de Garibaldi foram colocados de forma que os navios inimigos, ao entrarem na enseada, ficassem no meio de um fogo cruzado.  A operação consumiu todo o dia, sem que fossem admoestados. As contendas tinham produzido algumas baixas e entre os republicanos haviam diversos feridos, que por ordem de Garibaldi,  foram desembarcados e juntamente com os gêneros apreendidos durante o corso, que foram colocados em carroças e transportados até Laguna pelos soldados de Teixeira Nunes. Durante estes dias, Anita que em nenhum momento deixou de estar ao lado de Garibaldi, de tudo tinha participado, mesmo nos momentos em que pareceu  eminente a derrota e a morte, mantendo alta a confiança na vitória final. Durante as refregas não houve o que não fizesse: carregou e disparou mosquetões e  canhões; incitou à luta e não deixou o desânimo permear a coragem dos mais fracos. Nas pausas, a ferocidade da guerreira cedeu espaço à humanidade da  emergente enfermeira, consolando e cuidando dos dilacerados feridos que padeciam. E quando a noite chegou, a guerreira republicana esqueceu suas armas, transfigurou-se em sublimidade e dissimulou a degradação da guerra com a linguagem de seu fascinante  amor.    Garibaldi, antevendo um confronto  desvantajoso e temendo pela segurança e integridade de Anita, encareceu  para que desembarcasse, acompanhando os feridos à Laguna, ou então que se pusesse a salvo, em terra firme, de onde poderia participar e assistir o desenlace da contenda.  Em vão os argumentos.  Respondeu que ficaria ali mesmo e que  haveria de correr os mesmos riscos,  como qualquer um dos homens e que para ela não fosse destinada atenção ou proteção especial. Queria ficar,  para ser mais um a ajudar no combate.  E  não para ser protegida.  De nada adiantaram os argumentos.  Resoluta, Anita permaneceu a bordo. A tensão reinante nos navios republicanos e na artilharia em terra era grande. Sabiam que a luta seria  desigual, mas não estavam dispostos a  renderem-se ou a abandonar os navios e  rumarem à Laguna por terra. Estavam em guerra contra o Império, e para tanto a causa exigia fidelidade, ação e coragem, mesmo que ao preço de uma derrota. Não lutavam à soldo, mas pelo ideal de uma causa nobre, a  independência e o direito de autodeterminação de um povo.  Garibaldi contava com sua habilidade e mais uma vez sua estrela não o abandonaria.  Ao clarear a manhã de 4 de agosto,  os três maiores navios da armada imperial, o Bela Americana, o Patagônia  e o Andorinha  compareceram na embocadura da enseada e  imediatamente,  abriram fogo.  Os dois primeiros atacaram e dispararam contra o Rio Pardo, o mais bem equipado dos republicanos,  onde encontrava-se Anita e Garibaldi. O Andorinha concentrou seus tiros contra a artilharia que estava sobre a elevação de terra. Mas o alvo dos imperiais era o Rio Pardo, pois ali concentrava-se o grosso da resistência republicana e ali estava Anita, postada com fuzil, na primeira linha dos atiradores. Enquanto as naus imperiais mantiveram-se em movimento, fazendo manobras, o Rio Pardo ficou fundeado,  sem poder mover-se.
Barco Rio Pardo sendo atacado pelos navios imperiais na
Enseada de Imbituba -  Pintura de Willy Zumblick 
Alvo parado, logo começaram surtir os efeitos do poder de fogo inimigo, cujos canhões o atingiram inúmeras vezes. No tombadilho do Rio Pardo surgiram os primeiros cadáveres, despedaçados pela potência das baterias inimigas. Mas o ânimo estava alto, e a marujada republicana não se acovardou, fazendo a luta prosseguir durante horas, continuadamente,  sem  qualquer trégua, de lado a lado. Garibaldi  registrou para a posteridade que à medida que as horas foram passando, aumentou a violência imperial e a frequência de seus canhonaços, que a cada manobra aproximavam-se mais, permitindo que o combate  fosse  feito na pontaria das carabinas, homem a homem. Anita,  entre uma descarga e outra,  repassou as ordens,   disposta a não ceder. "Nós esperamos que nos abordassem ... Estávamos pronto para tudo, menos para ceder", escreveu em suas Memórias.  Com muitos mortos dentre os republicanos, com o Rio Pardo bastante avariado em seu velame e casco, no meio da tarde, após toda manhã de contínuo combate sem que a Marinha Imperial recuasse, alguns soldados começaram a pressentir que a resistência era inútil, e o ânimo começou a declinar. Era eminente a abordagem. Garibaldi os conclamou a não desistirem, e deu o exemplo indo para o parapeito, ficando de frente para as balas inimigas,  expondo-se pessoalmente. Anita o acompanhou e de fuzil em punho, gritou  palavras de ordem, chamando os exaustos marujos,  que começaram a fraquejar. Vendo-a assim exposta,  Garibaldi, foi  tomado de  orgulho pela demonstração de coragem de sua companheira, mas temendo  pela sua integridade, ordenou-lhe pôr-se a salvo, proteger-se,  sair do tombadilho. Anita ouviu, mas não lhe obedeceu e permaneceu no palco da luta. Entre um tiro e outro, ergueu seu mosquetão e conclamou seus companheiros à luta. De repente, um tiro de canhão do inimigo fez em estilhaço a amurada, arremessando Anita e os dois marinheiros à distância, fazendo Garibaldi precipitar-se para o lugar em que a companheira jazia estirada, sem sentidos,  coberta de sangue. Acudiram também os dois marinheiros, mas foi inútil o socorro, pois ambos estavam mortos, horrivelmente mutilados. Anita, porém, passados alguns instantes,  voltou a si. Disse que não estava ferida. 0 sangue que manchou  seu  rosto, as mãos e os braços. era sangue dos marinheiros que morreram ao seu lado. E quando Garibaldi de novo lhe ordenou para  que descesse para se proteger no porão do navio,  ela respondeu :
- Sim. vou descer ao porão, mas para enxotar os covardes que lá se foram esconder. Com passo firme. saiu do convés e momentos depois voltou afrontando as balas e trazendo consigo três marinheiros que, apavorados e vencidos pelo cansaço, haviam desertado à luta. Nos demais combatentes,  que  viram  tão decidido ato de coragem mesmo após  ter sido atingida por uma bala de canhão, o ânimo retornou. 
Batismo de fogo de Anita em Imbituba
O exemplo  nobre, o heroico gesto de uma mulher,  despertou-lhes novamente a coragem. Readquiriram o ânimo,  empunharam suas armas  e voltaram a guerrear com tamanha força de vontade e disposição, que os imperiais, que preparavam a abordagem,  retrocederam.  O dia findava quando, para surpresa dos republicanos, os imperiais começaram a retirarem-se e  distanciando-se.  A reação de Anita havia despertado tamanha disposição que  nos últimos momentos os republicanos  conseguiram provocar uma séria avaria no casco da nau Bela Americana e um tiro havia ferido mortalmente seu oficial comandante, o que a obrigava retirar-se do combate e ir buscar mais reforço. Pretendiam  trazer mais navios e tropas de desembarque. Os outros dois barcos, embora em condições de continuarem a pugna por estarem bem armados, não quiseram continuar e  também retiraram-se da enseada, lançando âncora bem distante, em mar aberto.   O combate naval de Imbituba, o batismo de fogo de Anita, onde revelou-se sua coragem,  havia  findado, com muitas mortes e sérias avarias para ambos os lados. Porém, pela desproporcionalidade das forças, a  vitória foi dos republicanos. A trégua serviu para desembarcarem e ali mesmo, sepultarem os  mortos, enquanto  Anita   socorreu e deu atendimento aos feridos, que  foram desembarcados e transportados à Laguna por terra. Sentindo a oportunidade para evadir-se antes que chegassem mais reforços, Garibaldi agiu rapidamente. Necessitando ludibriar a vigilância das naus imperiais e sair da enseada com seus navios para navegar até o Porto de Laguna, ordenou que em terra fossem acessas três grandes fogueiras, cujos clarões foram interpretados pelos imperiais como se os republicanos tivessem fugido por terra, abandonado os navios e neles ateado fogo. Ao invés, com luzes apagadas e protegidos pela bruma da escura noite, e navegando em silêncio mas com extrema dificuldade, Garibaldi conduziu as três naus republicanas em direção à Laguna, onde entraram  na manhã de cinco de novembro, bastante avariados. Informado pela Bela Americana a respeito do insucesso, Mariath, o comandante da Marinha Imperial em Santa Catarina,  embarcou tropa de desembarque em mais três navios que estavam de prontidão: o Astréa, o Eolo e o Caliope, e partiu em pessoa para comandar a operação que pretendia aniquilar a frota naval republicana, mas ao chegar foi surpreendido com a  enseada vazia, sentindo-se, mais uma vez, ludibriado pela inteligência republicana.    Estropiados e cansados, mas altivos e com a consciência  do dever cumprido, em Laguna Garibaldi e Anita foram  aclamados pelos seus feitos, admirando-se a população e os oficiais  que os aguardavam. Contou Garibaldi que, nos dias que se seguiram ao seu retorno, todos admiravam-se como puderam ter escapado de um inimigo tantas vezes mais poderoso.  A  República Catarinense sobreviveu a este confronto, mas poucos dias após, nova e mais forte reação aconteceria sepultando o ideal republicano em Santa Catarina, mas a épica batalha naval de 4 de novembro de 1839 ocorrida  na Enseada de Imbituba entrou para os anais da história  por dois  grandes motivos, que merecem serem lembrados neste artigo: foi a segunda batalha em importância que a marinha brasileira participou em águas territoriais nacionais, perdendo apenas para a que aconteceu alguns dias após, no dia 15 de novembro, na Barra da Laguna e, principalmente, porque foi nesta data e momento que a Heroína revelou sua grande coragem e teve sua iniciação guerreira em defesa da causa republicana, motivo pelo qual este confronto passou aos anais da história internacional  como sendo o “Batismo de Fogo de Anita Garibaldi”.

*Texto adaptado do livro “Anita – A Guerreira das Repúblicas”, do mesmo autor deste artigo.     


**Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi. 


quinta-feira, 26 de setembro de 2019

REVOLUÇÃO FARROUPILHA – A REPUBLICA RIOGRANDENSE, A REPUBLICA CATARINENSE E A PARTICIPAÇÃO DE LAGUNENSES NO CONFLITO


Adilcio Cadorin*
                       

Resultado de imagem para revolução farroupilha

A Revolução Farroupilha foi um acontecimento épico e bélico desencadeado por importantes segmentos econômicos e sociais da Região Sul,  contrários ao governo imperial brasileiro, que foi deflagrada em 20 de setembro de 1835 em Porto Alegre, que expandiu-se para toda a então Província de  São Pedro do Rio Grande do Sul e para grande parte da Província de Santa Catarina.
Foi o mais longo conflito armado ocorrido no Brasil, que durou dez anos, até  01 de março de 1845, quando foi assinado o Tratado do Poncho Verde, sem vencedores e nem vencidos.

O descontentamento pela falta de maior autonomia administrativa e a contínua imposição de nomes para ocuparem o cargo de presidente da Província nomeados pela Monarquia à revelia dos partidos políticos, das autoridades militares  e dos  produtores, motivou  a revolta, cujo objetivo inicial era depor e substituir o modelo de indicação do nome do Presidente, que normalmente  governava com mão de ferro e com ações que favoreciam exclusivamente aos  interesses monárquicos, sem nenhuma sensibilidade com as necessidades sulistas.
Resultado de imagem para revolução farroupilha


Aliado a este fator, o excesso de tributação incidente sobre a produção pecuária, principalmente sobre o couro e o charque, foram os fatores determinantes para a eclosão do conflito. 

No dia 20 de setembro, comandados por Bento Gonçalves, os farroupilhas dominaram e tomaram Porto Alegre, obrigando a tropa imperial e o Presidente da Província - Antonio Rodrigues  Fernandes Braga a retirarem-se de Porto Alegre. Em seu lugar indicaram como Presidente Marciano Pereira Ribeiro. Na sequência Bento Gonçalves remeteu ao Regente do Império um documento solicitando que o ato de rebeldia fosse compreendido como resposta às injustiças que o Poder Central cometia com o Rio Grande,  ou então “com a espada na mão saberemos morrer com honra ou viver com liberdade...”  e que  “... é obra difícil senão impossível, escravizar o Rio Grande ...  e  de sua resposta depende o sossego do Brasil ... e dela  também poderá resultar uma luta sangrenta, a ruína de uma província ou a formação de um novo Estado dentro do Brasil”. 

No entanto, a Regência Monárquica ignorou a postulação e manteve o nome de Antonio Braga como Presidente, mandando navios e  reforços militares para combater a insubordinação, fato que obrigou os farroupilhas a proclamarem  a  República Riograndense em 11 de setembro de 1836, após seguidas vitórias em diversos combates. Embora Bento Gonçalves, líder dos farrapos, tenha sido preso no combate da Ilha de Fanfa, o fato não impediu que, uma vez proclamada a República Riograndense, fosse convocada uma Assembleia Constituinte, que aconteceu na cidade de Piratini, quando Bento Gonçalves  foi eleito seu Presidente.
Bento Gonçalves da Silva - Presidente da República Riograndense
Um ano após, tendo logrado fugir da prisão, assumiu de fato suas funções de Presidente, dando continuidade ao movimento seccionista. A Monarquia concentrou sua resistência a partir da  cidade de Rio Grande, único porto que existia na Província, e que não pode ser conquistado pelo farroupilhas, o que os impediu de  terem contato comercial e de  receberem apoio material da comunidade internacional.

Como a Jovem República constatou que sua existência dependia de acesso a  um porto que lhes dessem saída para o mar, idealizaram tomar o Porto da cidade de Laguna e ali proclamar uma segunda república, com dois objetivos: expandir a revolta e assim enfraquecer os esforços bélicos da Monarquia, e disporem de um porto para apoio logístico e comércio exterior.  

Por ser cidade portuária de onde partiram as primeiras famílias para a ocupação portuguesa do território do Rio Grande do Sul, Laguna exercia importante influência no desenvolvimento econômico sulista, pois na Região Sul existiam apenas dois portos, e Laguna possuía um deles. E por ali escoavam a produção do charque, couros e outros produtos primários, que sofriam a mesma excessiva tributação, gerando igual sentimento de insatisfação que permeava dentre os produtores, comerciantes, religiosos e muitos oficiais militares acantonados em Lages, em São José e em Laguna, fazendo coro com a elite riograndense insatisfeita.

Em virtude  destes liames que unia riograndenses e catarinenses, logo após a eclosão da Revolução Farroupilha, a cidade de Laguna passou a produzir e a enviar pólvora para os farrapos, fato que em julho de 1836 obrigou o Ministro da Justiça do Império a exigir  do Presidente da Província de Santa Catarina  providências  enérgicas para coibir a produção e  embarques clandestinos de pólvora. Antes, ainda em Laguna, no mês de março de 1836, alguns oficiais e diversos soldados imperiais foram presos por terem se recusado a integrarem um contingente que deveria combater os farroupilhas na divisa com a Província do Rio Grande do Sul. As prisões aumentaram a insubordinação e o povo foi às ruas, exigindo a deposição da autoridade monárquica, que era representada pelo Coronel Silva França. O clima de inconformidade e de conspiração em Laguna foi de tamanha envergadura que Silva França teve que abandonar a cidade e informou justificando aos seus superiores que convulsionado  estava o distrito de Laguna  pois a maioria da população comunga das mesmas ideias que agitam os filhos do Rio Grande...”

No ano seguinte, um piquete farroupilha, liderados pelo Coronel Filipe de Souza Leão, alcunhado de “Coronel Capote”, desceu dos Campos de Cima da Serra, invadiu Araranguá onde engrossou suas fileiras e  praticamente sem resistência, afugentou a Guarda Imperial, acampando  com sua tropa no Camacho e depois na Carniça (hoje Campos Verdes), de onde controlou toda a margem direita do Rio Tubarão, até o campo da Passagem da Barra. A seu comando vieram unir-se voluntariamente um considerável grupo de civis lagunenses liderados por Marcelino Soares da Silva, que comungavam das ideias republicanas. Limitados pelo número de soldados e impossibilitados de transporem o Rio Tubarão para tomarem Laguna, que possuía um grande contingente militar, permaneceram acampados aguardando os reforços para a execução do plano engendrado pelo alto comando farroupilha para invadir Laguna, que seria executado por duas frentes:  o General Davi Canabarro comandando cerca de 1200 homens marcharia por terra, partindo de Viamão, enquanto que Giuseppe Garibaldi atacaria por mar com os dois únicos e pequenos barcos da Marinha da República Riograndense: o Farroupilha e o Seival.     
Barco Seival 
Seival em 1900, consumido por incêndio
Singrando pela Lagoa dos Patos, mas impedido de sair ao mar pelo bloqueio imperial do Porto de Rio Grande, Garibaldi transportou seus dois lanchões  por terra, colocados sobre dois carretões com rodas de  mais de três metros de diâmetro, tracionados por 200 bois, que percorreram cerca de 90 quilômetros por terra, das nascentes do Rio Capivari até a Lagoa de Tramandaí, por cuja barra  saiu para mar e embicou rumo à Laguna.  No entanto, uma forte borrasca afundou o lanchão Farroupilha na foz do Rio Urussanga, salvando-se Garibaldi, mas perecendo diversos compatriotas italianos que também lutavam pela República Riograndense.

Junto à Barra do Camacho, Garibaldi encontrou o Seival que havia superado a tempestade. Para burlar o bloqueio da entrada da Barra que dava acesso ao porto de Laguna, onde a Marinha Imperial mantinha cinco barcos equipados com canhões, Garibaldi introduziu o Seival no Canal da Barra do Camacho e navegou pelo complexo de lagos até atingir o Rio Tubarão, por onde conseguiu atacar pela retaguarda  quatro navios imperiais, que surpreendidos e assustados foram facilmente derrotados, sendo  apreendidos os navios Lagunense, Itaparica, e Santana.

Na mesma tarde de 22 de julho de 1839,  com 40 homens Giuseppe  Garibaldi  dirigiu-se para o Cais do Porto e com um último combate, assenhorou-se da cidade de Laguna, onde horas após chegaram  o batalhão dos Lanceiros Negros comandados pelo Coronel Teixeira Nunes e mais tarde a tropa  farroupilha comandada por  Davi Canabarro.

Como comandante das forças de ocupação, Canabarro enviou à Câmara de Vereadores  um documento  sugerindo a proclamação de uma república independente e a secessão do Império Brasileiro, no que foi aceito por votação unanime ocorrida na sessão do dia 29 de julho.
 General Davi Canabarro

 A histórica sessão foi presidida por Vicente Francisco de Oliveira e dela participaram  os vereadores  Domingos Custódio de Souza,  Antonio José de Freitas,  José Pereira Carpes,  Floriano José de Andrade e Emanuel da Silva Leal, que proclamaram a independência do Estado Catarinense Livre, Constitucional  e Independente, adotando o sistema republicano, que passou a ser conhecida como República Catarinense. Até que fosse eleita uma Assembleia Constituinte que dotasse a República Catarinense com uma Constituição, em 7 de agosto foi eleito provisoriamente o comandante da unidade militar imperial de S. José, Coronel Joaquim Xavier das Neves como seu Presidente e o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro como Vice-Presidente,  republicano e parlamentarista convicto.
Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro -
Presidente da Republica  Catarinense

Como o Coronel Joaquim estava sendo coagido e pressionado pelo Presidente da  Província de Santa Catarina para não assumir o posto de Presidente da República Catarinense, assumiu o Vice- Presidente, que imediatamente tomou diversas providencias para a formação da Republica, convocando eleições  que em 10 de agosto elegeu por voto direto da população o Corpo Governativo da República, que  ficou composto por  Antonio Jose Machado (123 votos), Vicente Francisco de Oliveira (110 votos), Joaquim José da Costa (104 votos), João Antonio de Oliveira Tavares (91 votos), Padre Vicente  Ferreira dos Santos Cordeiro (82 votos),  Antonio de Souza Medeiros (80 votos) e Padre João Jacinto Joaquim (74 votos). Foram criados apenas dois ministérios: dos Negócios da Fazenda, Interior e Justiça, para o qual foi  nomeado João Antonio de Oliveira Tavares e  o Ministério da Guerra, Marinha e Exterior, sendo indicado como titular Antonio Claudino de Souza Medeiros.

Em virtude da formação democrática do Presidente Padre Vicente,  que conflitava com os procedimentos ditados pelas urgências militares comandadas por Canabarro, surgiram  atritos do Comando Militar com o Governo Civil, fator preponderante que retardou diversas operações militares e desencadeou as consequências que culminaram com a extinção da novel República Catarinense no mesmo ano de 1839, em 15 de novembro, quando foram derrotados pela Marinha Imperial na maior batalha naval acontecida em águas territoriais brasileiras.    

Embora tenha sucumbida a República Catarinense e os farroupilhas tenham se retirado de Laguna, contrariando a vontade de Canabarro, o Coronel Teixeira Nunes, juntamente com Giuseppe e Anita Garibaldi, permaneceram em território catarinense, subiram a Serra Geral e junto ao Rio Pelotas, no local conhecido como Registro do  Passo de Santa Vitória, em 14 de dezembro de 1839, com apenas  quinhentos farrapos derrotaram dois mil imperiais, tomando a cidade de Lages, mas foram derrotados em 12 de janeiro 1840 no Capão da Mortandade, em Curitibanos.  

A partir de então a Revolução Farroupilha cingiu-se ao território Riograndense e em 1842, o Governo Imperial nomeou Luiz Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, para comandar as ações com objetivo de finalizar o conflito separatista.

Depois de diversos confrontos  onde se alternaram vitórias e derrotas,  foi negociado um acordo de paz, e em 01 de março de 1845  foi proclamada a pacificação com base nas condições estabelecidas pelo Tratado do Ponche Verde, que anistiou e incorporou ao Exército Nacional todos os oficiais revoltosos, sem perda de suas patentes, tendo o Império assumido todas as dívidas contraídas pelos republicanos, além de terem reconhecido o direito das lideranças sulistas indicarem o presidente da  Província.

Embora a Revolução Farroupilha seja conhecida como ocorrida no Rio Grande do Sul, não há como negar que sem a participação de Santa Catarina, a  Revolução  não teria alcançado a marca da revolta de maior  duração acontecida no Brasil.

Não foi somente o território catarinense e o Porto de Laguna que serviram como expansão para sustentação dos confrontos e o enfraquecimento das forças imperiais que deram sobrevida e longevidade à Revolução Farroupilha. Houve também a decisiva participação de vultos lagunenses, que não apenas emprestaram suas inteligências e vidas nos confrontos, mas que também exerceram funções importantes em outras frentes, sustentando a república ideologicamente, seja nos parlamentos, nas igrejas, nas organizações civis e nos combates.

Além dos citados acima, centenas de lagunenses que a história insiste em mantê-los anônimos,  imolaram suas vidas em prol da causa republicana.    

Um destes ícones lagunenses foi o padre João Antonio de Santa Bárbara, nascido em Laguna, cujo nome original era João Inácio Pereira, ideólogo republicano com formação liberal e deputado constituinte da República Riograndense, eleito com 2841 votos,  que em 1821 já havia sido eleito deputado junto às Cortes de Lisboa.
Padre João Inácio Pereira, depois
 Rev. João Antonio de Santa Barbara -
Deputado Farroupilha 
Logo que eclodiu a revolta, postou-se ao lado dos farroupilhas. Era excelente tribuno, tanto em seus discursos políticos quanto em suas prédicas religiosas, em cujas oratórias externava conhecimentos doutrinários e filosóficos que davam sustentação às suas pregações em prol do regime republicano. Ao ser eleito, trabalhou ostensivamente até 1837, quando foi elaborada a Constituição da República Riograndense, tendo participado da sua promulgação. Depois da Revolução Farroupilha ter sido pacificada, foi reeleito mais duas vezes e exerceu a função de deputado provincial no Rio Grande do Sul até 1857. Mercê de sua notoriedade como professor doutrinário, teve a honra de ter o Imperador D. Pedro II como um de seus ouvintes em aula que ministrava.  Sua eloquência sensibilizou o Imperador, que em 2 de dezembro de 1845 lhe outorgou a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Cristo.

Jerônimo Francisco Coelho -
 Lagunense e Ministro da Guerra
Outro expoente lagunense que teve atuação decisiva na pacificação da Revolução, foi Francisco Jerônimo Coelho, que exercia o cargo de Ministro da Guerra do Império. A história registra que o Duque de Caxias teria sido o pacificador, mas esqueceram-se de registrar que Caxias era subordinado e obedecia ordens e orientações diretamente de Jerônimo Coelho, de quem partiram as ordens e as condições  para que a paz fosse selada com dignidade,  como a que escreveu em 18 de dezembro de 1842: “ ... o General em Chefe (Caxias) é autorizado a conceder ampla anistia a todos os comprometidos na luta da rebelião ... e aquelas praças poderão se retirar para suas casas e as que voluntariamente desejarem ingressarem no Exército poderão ser admitidas ... o General em Chefe é autorizado a dispender da quantia de 300 contos de reis para pagamento de despesa gerais ... e os oficiais anistiados serão restituídos ao gozo de seus direitos militares inerentes a seus postos...” 

No entanto, o maior vulto feminino que emergiu nesta epopeica revolução, foi sem dúvida alguma a da lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro – a Anita Garibaldi, que mesmo enfrentando duros combates e as barreiras do preconceito, sua coragem serviu de exemplo nas encarniçadas lutas, motivada por sua lealdade à causa republicana, sem jamais descuidar-se  do amor e da fidelidade dedicada ao seu homem e da  maternidade que devotou a seus filhos. Se colacionada com as maiores expressões da Revolução, sejam farrapos ou imperais, a nível internacional, constata-se que nenhum deles alçou a incrível proeza de ser considerada heroína em dois continentes e mãe de uma pátria do outro lado do Oceano, muito distante da sua.  
Lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro
ou  Anita Garibaldi 
Combatente dos regimes despóticos, precursora do movimento republicano,  emancipacionista, indulgente com seus inimigos feridos, defensora das igualdades femininas e senhora de uma forte personalidade, erigiu um legado colossal, que pode ser mensurado pelo fato de que seus restos mortais peregrinaram em sete sepultamentos, e a simples citação de seu nome,  mesmo após sua morte, foi suficiente para despertar o ardor revolucionário que motivou a formação dos  batalhões de combatentes que libertaram a Península Itálica dos   invasores que impediam sua unificação.        



Monumento à Anita, em Roma, onde estão sepultados seus restos mortais

      
* Advogado, fundador e diretor do Instituto Cultural Anita Garibaldi. Membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina