quarta-feira, 19 de julho de 2017

VIAGEM E HISTÓRIA DE CUSCO, MACHU PICHU E A CONQUISTA DO IMPÉRIO INCA



A VIAGEM

Desde muitos anos, quando tomei conhecimento da Civilização Inca, que construiu um grande império na Cordilheira dos Andes, que compreendeu quase toda costa oeste da América do Sul, projetei um dia viajar e conhecer in loco sua fantástica história, cultura, arquitetura, meios e técnicas de produção, estruturas administrativas e sociais, dentre outros aspectos.

Muitas vezes me perguntei, depois de saber através de leituras que o incas não conheciam a roda, como este império pre-colombiano conseguiu locomover-se e transportar suas imensas riquezas entre suas cidades através de seus mais de dez mil quilômetros de caminhos e estradas, muitos dos quais pavimentados e que interligavam as diversas regiões de onde hoje estão localizados o Perú, o Equador,  a Colômbia, a Bolívia, o Chile e o norte da Argentina ?

A curiosidade aumentava cada vez que descobria uma nova característica desta sociedade andina, como, por exemplo, o fato de não possuírem nenhum tipo de escrita e que, portanto, não documentavam suas comunicações e nem registravam suas leis,  ordens e regras para manterem a organização  administrativa e política. Como faziam para manter a ordem e desenvolver  mais de uma centena de cidades, muitas com ruas pavimentadas e edifícios com até quatro andares,  que ergueram nos locais mais altos da Cordilheira do Andes, todas interligadas por um complexo viário,  hoje conhecido como Caminhos dos  Incas.   

Assim, surgindo a oportunidade, no início de junho/2017, embarquei para Cusco, antiga capital e local de nascimento desta civilização, numa jornada que durou dez dias e que me oportunizou, in loco, caminhar, sentir e vivenciar alguns destes locais sagrados, hoje tombados como Patrimônio da Humanidade.

Acompanhado por minha companheira Ivete e mais o casal amigo Marilda  Mendes  e Jorge Laranjeira, aterrissamos em Lima, capital do Peru, antiga Ciudad de Los Reis,  que foi fundada em 1534 por Francisco Pizaro, um espanhol analfabeto e filho ilegítimo de nobre espanhol,  que, em 1532, após fundar no Panamá a Compañia  Del Levante, tendo por sócio Diogo del Almagro, também analfabeto e filho ilegítimo de outro nobre espanhol, financiou uma expedição, cujos integrantes seriam remunerados, através de um contrato de risco, que dividiria os saques que amealhassem. Nesta aventura embarcaram 168 homens, sendo 62 a cavalo e  106 a pé. Seu objetivo principal: descobrir e explorar as terras meridionais a oeste do Novo Mundo, que por direito outorgado pelo  Papa e depois confirmada pelo Tratado de Tordesilha, pertenciam ao Rei da Espanha.

Francisco Pizarro

Foi com punhado de espanhóis, atraídos pela cobiça  aos butins das conquistas, que Francisco Pizzaro descobriu e conquistou o Império Inca. Equipados com armaduras, quatro canhões, lanças, espadas e bacamartes, no primeiro embate derrotaram um exército de aproximadamente 80 mil íncas, que estavam armados apenas com pedras, lanças e tacapes, mas que se aterrorizaram diante dos cavalos que até então desconheciam.

CUSCO

De Lima embarcamos para Cusco, num voo de apenas uma hora. Depois de nos acomodarmos em um hotel relativamente confortável e localizado em uma estreita via, no alto de uma ladeira. Fomos recebidos com a oferta de chá com folhas secas de coca, receita popular para aliviar a sensação de fadiga ocasionada pela falta de oxigênio provocado pelos 3500 metros de altitude, fato que não afeta os nativos daquelas  alturas  porque  possuem aproximadamente dois litros a mais de sangue dos  habitantes do nível do mar, fazendo com que seus batimentos cardíacos sejam mais lentos, mas com sangue suficiente para manter oxigenadas suas células.
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Localizada ao Sul de Lima, Capital do Peru,  no vale do rio Huatanay,  seu nome original era Qosqo, que no idioma oficial dos incas, o quechua, significava "umbigo", pelo fato de ter sido a capital e o centro geográfico do Império Inca. Dali começavam os caminhos de uma vasta rede de estradas com aproximadamente 10 mil quilômetros, ligando as diversas cidades que pertenciam ao seu domínio, que até hoje são conhecidos como Caminhos dos Incas. Digno de ser lembrado que como não conheciam a roda,  este caminho eram usado apenas pelos caminhantes, lhamas e alpacas que eram utilizadas para o transporte das mercadorias em seus lombos.  

Considerado pelos incas como a "morada dos deuses", Cusco exerce um grande fascínio.A lenda andina conta  que foi fundada por Manco Capac e Mama Ocllo, filhos do Deus do Sol, que deixaram o Lago Titicaca com a missão de encontrar um lugar que deveria ser  o centro de um grande reino, o que teria ocorrido por volta do século XIII.


A cidade possui cerca de 500 mil habitantes. É a capital do Departamiento de Cusco  (equivalente a um estado brasileiro). Possui uma vasta rede hoteleira e tem no turismo sua quase exclusiva fonte  de renda, gerando milhares de empregos que atendem uma horda diária de turistas oriundos de todas as nações, principalmente de europeus e americanos. Foi tombada e reconhecida pela ONU como Patrimônio Mundial da Humanidade. E com razão o tombamento, pois ao sairmos do hotel nos deparamos com diferentes tipos de construções, diversas vezes centenárias, com acentuadas características das edificações que também se encontram nas antigas cidades espanholas, sendo a maioria de pedras com madeira, outras de tijolos e ainda outras de adobe revestido.

Descemos a ladeira de Santana,  que nos conduziu à Plaza de Las Armas, no centro da cidade, onde também encontramos  intactas diversas construções que foram edificadas pelos conquistadores espanhóis sobre onde antes estavam construídas as vivendas e templos  dos incas, cujos vestígios podem ser vistos somente nas poucas pesquisas arqueológicas que fazem.

  
Nesta praça, chamou nossa atenção a Igreja, um monumento e o Mosteiro de S. Francisco,  que embora ainda  esteja em atividade, a parte mais antiga está aberta à visitação, mediante o pagamento de dez soles, moeda peruana, cujo valor unitário  correspondia a um real e dez centavos. Em seu sub solo, está localizada uma catacumba, onde podem ser vistos os ossos de dezenas de frades franciscanos, alguns considerados mártires, vitimados pelas reações incas contrárias ao longo período de evangelização católica forçada.
      

Digno de ser visitado e admirado é o monumento a   Pachacútec, no centro da Plaza de Las Armas,  considerado o fundador do Império Inca (veja sua história abaixo).


Durante as noites e em quase todos os finais de semanas, as praças que estão localizadas no Centro, apresentam eventos culturais, cívicos ou populares, como, por exemplo as feiras de produtos típicos, sejam de gastronomia, artesanato ou de indumentária andina.   

GASTRONOMIA

Rodeada por antigas construções que abrigam dezenas de lojas que vendem coloridos tecidos, confecções típicas dos povos andinos e uma infinidade de artesanato andino, a Plaza de Las Armas é também local para saborear as típicas refeições nos restaurantes que ficam nos balcões acima das lojas de artesania, cujos pratos quase sempre agregam as tradicionais papas (batatas), preparadas e temperadas de formas bastante diversas, enriquecidos pela enorme quantidade de ervas e sementes com que temperam, e pelo fato de que existem  cerca de dois mil e trezentos tipos diferentes de papas nos Andes. A quinoa é presença constante nos cardápios, sempre como acompanhamento do prato principal, substituindo o arroz, que também é consumido, mas em pequena escala.  Porém, o mais típico e tradicional dos pratos incas é o cui, equivalente ao nosso preá, que é assado inteiro, desde a cabeça até as unhas, mas  servido frio, que o torna gorduroso e não muito apetitoso. Outro destaque são os pratos a base de carne de alpaca, elaborados de diversas formas e que apresentam  um baixíssimo índice de gordura, seguida da carne de cordeiro e relegando a um terceiro plano a bovina.


Merece realce o emprego constante do choclo ou maís, nome que dão ao milho, que é muito utilizado em seus pratos e também para produzir uma de suas bebidas típicas, a chicha morada. É elaborada com milho de grãos  roxo e torrado, muito duro para mastigar e por esse motivo é cozido em água para fazer a chicha morada. O resultado é uma bebida doce e refrescante, com especiarias sutis, além do cravo e canela, lembrando o gosto de abacaxi. Servem gelado.

A diversidade de espécies e
qualidades de milho impressiona. São cerca de setecentos tipos de milhos, variando a coloração de seus  grãos, alguns brancos, outros amarelos, vermelhos, roxos, pretos e marrons, diferenciados também pela forma e tamanho de seus grãos e de suas espigas.   
No entanto, é o  pisco sour a bebida mais tradicional e consumida em todo Perú.  É um destilado da uva, tipo grappa italiana, que é produzido especialmente na cidade de Pisco, de onde deriva seu nome. Pode ser encontrado em qualquer canto do país e trata-se de uma mescla de pisco com suco de limão, clara de ovo e xarope de açúcar, misturado com gelo e umas gotinhas de bitter, formando uma combinação amarga e ao mesmo tempo doce. É a grande especialidade dos barmens andinos. Está para os peruanos o que a cerveja é para os brasileiros.

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Para confeccionar o chá, basta colocar as folhas em água fervendo, aguardar uns instantes e tomar. Nos mercados populares e na feira livre que encontramos em uma das praças de Cusco, a maioria das barracas vendiam folhas de coca desidratadas para serem mascadas, e também folhas já maceradas, formando uma farinha de cor verde, para adicionar ao café e nos sucos, largamente utilizada pelas padarias e confeitarias no fabrico de pães, bolos e tortas. 


Na maioria dos lugares em que estivemos, fomos recepcionados com ofertas de chás de coca, tanto em Cusco, como em Puno e no Lago Titicaca. Trata-se de uma necessária opção para uma caminhada nas suas altas colinas ou após terminar um passeio pelas ruas das cidades, pois a sensação é relaxante e ao mesmo tempo revigorante.

Por último, registro que, embora seja proibido em muitos países, as folhas e o chá de coca são liberados no Peru. É muito comum encontrar, balas, sobremesas, sorvetes e chicletes elaborados a partir das folhas de coca.

Dado a sua diversidade e qualidade gastronômica, os restaurantes peruanos oferecem múltiplos e distintos pratos típicos, sempre a base de produtos regionais, variando conforme a geografia e altitude, o que nos obriga a reconhecer que a cozinha peruana é realmente uma das mais privilegiadas.  Sem dúvida nenhuma, sua rica gastronomia dá azo ao adágio que cultivam e os garçons repetem a todo instante: “panza llena, corazon contento”.   

CAVALGANDO ATÉ UM PUEBLO INCA

Em nosso segundo dia em Cusco contratamos uma cavalgada de algumas horas, partindo de um sítio, cerca de trinta quilômetros do centro. Devidamente montados em cavalos extremamente dóceis e mansos, seguimos em direção a Suspijo, pequeno e antigo pueblo inca, hoje apenas recinto arqueológico, acessível apenas caminhando ou a cavalo, e que foi abandonado pelos Incas quando em 1536 o Imperador Manco Inca resolveu romper a paz que haviam celebrado com os espanhóis, e construir a cidade de  Vilcabamba, de onde manteriam a guerrilha contra os espanhóis até 1572.

Suspijo é um conjunto de edificações contíguas, edificadas com pedras, com  escadarias, e tradicionalmente com telhados armados com madeira roliça e cobertura de capim.  A exemplo de dezenas de outros antigos povoados incas, estas ruínas aguardam recursos para serem escavadas, pesquisadas e restauradas.   




Na canhada das montanhas em que estávamos durante a cavalgada, encontramos muitas ovelhas, zeladas pelos atentos olhos de um pastor com seus cães, trajes e típico comportamento, pois apoiado em seu cajado, pacientemente aguardava a lenta mobilidade de seu rebanho. Adiante avistamos e fotografamos rebanhos de lhamas e de alpacas, estas muito mais dóceis e menos arredias que as ovelhas, permitindo a proximidade e até posando para selfies.     

No mesmo dia, retornando à Cusco, encontramos uma livraria (muito raras), onde buscamos literatura para aprofundar um pouco mais o conhecimento sobre  os usos, costumes, tradições e outros aspectos dos antigos incas, que os guias turísticos abordavam superficialmente e até divergiam em algumas informações. A livraria  nos permitiu penetrar um pouco mais na história do povo que formou o  grande Império Inca. 

PUNO E O LAGO TITICACA

Em um dos dias de nossa viagem contratamos um guia com seu taxi para conhecermos a cidade de  Puno e o Lago Titicaca, a 350 km de Cusco.

Talvez pelo fato de existirem em grande quantidade e ser uma atividade sem muita regulamentação, os taxis são muito baratos, se comparados com os preços brasileiros, pois uma corrida de cerca de dez quilômetros, do aeroporto até o centro de Cusco custa apenas dez soles, e ainda pode ser negociado o preço, porque não possuem taxímetro e nem tarifa controlada pelos órgãos públicos.   

Os peruanos utilizam como transporte urbano o mesmo veiculo que a população da Índia utiliza, que lá são conhecidos como tuc-tuc e aqui como toritos. Embora muito comum em todas as cidades peruanas, não os encontramos em Cusco, talvez pela excessiva quantidade de ladeiras que a cidade possui, já que  os toritos o tem potencia suficiente para subi-las


Partimos às três horas de madrugada e chegamos em Puno às oito horas. Durante a viagem o motorista/guia respondeu a todas nossas indagações, demonstrando largo conhecimento da história inca e do Peru. 


Com ruas íngremes que descem até a borda do lago,  Puno foi fundada pós Império Inca.  Também tem no turismo sua principal fonte de renda, cuja maior atração é o Lago Titicaca ou Titiqaqa (na língua quéchua falada pelos incas), além de diversas ruínas  de antigos povoados incas que circundam o Lago.  A região já era habitada por povos anteriores aos incas, os pucaras, que depois foram conquistados e integrados à civilização inca. Os espanhóis utilizaram o lugar como acampamento para suas tropas, dando origem ao nome de Puno, posto que significa “lugar de acampar ou dormir”. A cidade só veio a ser fundada em 1668. Embora não tenhamos tido tempo para visitar, soubemos que possui um animado mercado público, onde é possível comprar artigos de artesanato e roupas de lã a preços bastante interessantes, geralmente melhores do que em Cusco.

Alias, devo referir que em todos as cidades e locais onde nos ofereceram produtos e nas lojas que entramos, ficamos surpresos com os preços convidativos das coloridas mantas, palas, gorros, toalhas, cobertas, blusas, meias, jaquetas e tudo o mais que deriva da lã das alpacas, das lhanas e das ovelhas. 

Segundo a lenda andina, foi nas águas do Titicaca que nasceu a civilização inca. O "Deus Sol" teria instruído seus filhos Manco Capac e Mama Ocllo para procurarem um local ideal para seu povo, que o encontraram onde hoje está Cusco, conforme narrado acima. Foi em uma de suas ilhas, a Isla del Sol, que teria sido o ponto de partida para os incas iniciarem o domínio dos demais povos andinos.

Diversos sítios arqueológicos podem ser visitados ao longo das margens do Titicaca, que tem como principais habitantes os uros, descendentes dos incas. Eles vivem, em geral, da pesca e do turismo.

Somente agora o patrimônio arqueológico de Puno e do Titicaca está começando a ser desvendado, conforme comprovam as ruínas do templo encontrado há poucos anos, localizado a vinte metros abaixo da superfície do Lago Titicaca e 3810 metros acima do nível do mar. Este templo submerso possui duzentos metros de cumprimento por cinquenta de largura. Teria sido construído pela  Civilização Tiwanaku, que dominou a região do lago por mais de um milênio e desapareceu de repente, por causas desconhecidas, por volta do século XI.

Segundo o arqueólogo Eduardo Pareja, da Direção Nacional de Arqueologia da Bolívia, os tiwanacotas criaram o primeiro Estado organizado do continente americano e cultivavam um profundo respeito pela natureza, embora praticassem  sacrifícios humanos macabros, mas que estavam relacionados com a batata, sua cultura básica de subsistência. “Eles cortavam e enterravam a cabeça das vítimas, como se as plantassem no solo. Era um símbolo de renascimento e de fertilidade.

É desconhecida a origem e o real significado do nome Titicaca, embora existam diversas  e desencontradas  explicações. Eric Von Daniken, em sua obra Eram Os Deuses Astronautas levanta a hipotse de que o nome  Titicaca teria sido formado bem antes da civilização inca,  após um grande bombardeamento aéreo de naves extraterrestes, cujas bombas foram identificados pelos nativos como titicas e cacacas, nomes os nativos da época davam aos estrumes das suas aves. Sobre  o centro do  Titicaca  passa a linha imaginária que divide a Bolívia e o Peru.


Conhecendo estes curiosos aspectos do Titicaca,  deixamos o centro de Puno e fomos ao cais para embarcar  num catamarã que nos levou para conhecer  uma comunidade  do povo  urus, que ainda habitam em ilhas flutuantes e artificiais, criadas a partir de raízes de totora, nome que dão ao junco, muito abundante na região lacustre. Depois de navegar por cerca de uma hora por canais abertos em meio ao grande juncal, o catamarã aportou em um rústico e modesto controle operado por três indivíduos da comunidade indígena, onde solicitamos permissão ao seu chefe para entrarmos em seu domínio lacustre e nos indicar em qual das ilhas poderíamos aportar e visitar sua gente e seu habitat.


No total são noventa e cinco diminutas ilhas artificiais pertencentes aos urus, todas formadas com torrões de juncos, com sua superfície revestida com diversas camadas do mesmo  junco.  Cada uma destas ilhas possui pouco mais de cem metros quadrados e é habitada por grupo de até sete famílias, que elegem um prefeito e estes se submetem a autoridade de um presidente do arquipélogo. Quando há necessidade, o  presidente autoriza a formação de uma nova ilha, desde que a mesma seja habitada por pelo menos três novas famílias.


Ao descermos do barco, fomos saudados com rituais musicais entoados por mulheres  com suas vistosas e coloridas roupas típicas. Na sequência fomos recebidos pelo prefeito que nos explicou todo o procedimento manual para construir uma nova ilha artificial, finalizando com uma exposição  e insistente pedidos para que comprássemos  seus artesanatos, sua principal fonte de renda.


A tarde embarcamos de volta  e então começamos a descer o altiplano de Puno, com mais de 4500 metros de altitude, em direção a Cusco, oportunizando-nos  visualizar as belezas que nos era ofertada pela estrada que serpenteava as íngremes e nevadas montanhas da majestosa Cordilheira dos Andes. Cruzamos por pequenas comunidades e  pudemos observar vastos campos  com uma vegetação rasteira muito pobre, que não permite o pastoreio em larga escala, já que o solo tem origem vulcânica e possui poucos nutrientes. Este fato, associado ao intenso frio noturno e constantes ventos que  varrem o altiplano, limitam a lotação dos campos com bovinos, sendo bem mais comum avistar  rebanhos de ovelhas, lhamas e alpacas.

De retorno e após degustar uma sopa de abóbora, nos recolhemos para  no dia seguinte conhecermos Machu Pichu,  que fica cerca de 180 quilômetros de Cusco.     

MACHU PICHU

Quando o imperador inca resolveu romper a paz que lhe havia sido imposta pelos conquistadores espanhóis, evadiu-se de Cusco e ordenou a construção de uma nova cidade, onde reuniu e organizou um  novo exército capaz de voltar a fazer guerra aos espanhóis. Para tanto escolheu um local do lado leste dos Andes, de difícil acesso para os espanhóis. Fundou, então, Vilcabamba, a cidade que passou ser a capital do que restava do Império Inca. Neste local, os incas nunca  permitiram a entrada de europeus, nem mesmo dos religiosos católicos.

Em 1536, liderados pelo Imperador Manco Inca, os incas desencadearam a partir de Vilcabamba,  uma guerra de guerrilhas contra os acampamentos e  fortificações espanholas, até que  finalmente, em 1572, os espanhóis superaram as aprumadas barreiras geográficas, romperam as muralhas e derrotaram o exército de Tupac Amaru – o último imperador inca, conquistando e saqueando os imensos tesouros de  Vilcabamba.  Foi esta a última batalha que marcou a consolidação do domínio dos espanhóis e a completa aniquilação do Império Inca.

 Tupac Amuru, seus filhos,  esposa, generais e nobres de sua corte  foram presos e levados para Cusco, onde foram torturados e executados, sendo que o Imperador  teve seus quatro membros amarrados e atrelados a quatro cavalos, que partiram em quatro direções diferentes, esquartejando-o publicamente, no mesmo local hoje está alçada  uma grande estátua em sua homenagem.

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A partir de então nos séculos seguintes, Vilcabamba, ficou abandonada e esquecida, mas manteve-se viva a centenária história de que foi a Cidade Sagrada dos Incas, onde nenhum branco havia penetrado e onde havia sido construído o derradeira palácio do último imperador.

Durante longo período estes fatos despertaram a curiosidade de historiadores, sociólogos, arqueólogos e caçadores de tesouros, em busca de fama  se lograssem encontrar as ruínas de Vilcabamba.

Em 1911, o americano Hiram Binghan, atraído pelos mistérios que cercavam Vilcabamba, organizou uma expedição para descobrir suas ruínas. Partiu de Cusco com uma equipe e com provisões, embrenhou-se nas matas e vales da Cordilheira e em 24 de julho, com o auxílio de um menino de apenas 10 anos, filho de um camponês,  Binghan  encontrou  o que julgou ser as ruínas de Vilcabamba. Nos anos seguintes organizou diversas expedições e conseguiu recursos para limpar e recuperar o máximo das ruínas que estavam cobertas por densa vegetação.  No entanto, somente em 1957, um ano após a morte do explorador, é que as ruínas de Vilcabamba foram encontradas, por outro explorador,  em  local distante.  O que Binghan havia descoberto eram as ruínas de Machu Pichu, que os incas também consideravam como cidade sagrada, onde habitavam as Virgens do Deus Sol, cujo acesso era permitido somente aos sacerdotes, à nobreza, aos chefes militares e ao imperador.  

Tínhamos duas opções de partir de Cusco para chegar a Machu Pichu: a primeira alternativa seria de trem, cuja ferrovia com aproximadamente 160 km corre paralela ao rio Vilcanota, que  serpenteia paredões de granitos maciços com até 800 metros de altura e cujo leito ferroviário passa pela Hidroelétrica e termina junto a cidade de Aguas Calientes, e dali tomar uma van para subir os últimos 20 km numa serpenteada rodovia que sobe cerca de 500 metros e  que termina nos portais de Machu Pichu.  A segunda alternativa era tomar um micro ônibus com grupo de turistas e seguir por cerca de 140 km por uma estrada asfaltada, e mais cerca de 40 km de uma estrada precária, sem asfalto, extremamente estreita, que provoca um elevado consumo de adrenalina, posto que seu leito estreito foi escavado nas rochas verticais, à centenas de metros de altura, de onde se avista bem abaixo o rio  Vilcanota. Esta rodovia termina na Hidroelétrica e dali, como Aguas Calientes não tem acesso rodoviário, segue-se de trem (único meio de transporte) até Aguas Calientes, ou pode-se ir a pé, caminhando ao lado da ferrovia, distante 15 km, e depois dali subir até Machu Pichu com uma van.

Também por ser muito mais barato, o optamos por queimar adrenalina. E como queimamos. O trecho inicial asfaltado de 140 km oportunizou-nos paisagens espetaculares pelo subir e descer  das diversas montanhas da Cordilheira. Algumas com seus picos cobertos de neve.

Já o trajeto final  de 40 km foi percorrido em uma precária, estreita e íngreme estrada,  literalmente encravada nas encostas verticais das montanhas. A velocidade não podia passar de 30 km/h e cada vez que nosso micro-ônibus encontrava uma outra van em direção contrária, tinha que parar  rente aos penhascos para que o outro veículo passasse pelo lado, já que não tem como dois veículos cruzarem estando os dois em movimento. Um deve aproximar-se dos penhascos e estacionar, enquanto o outro cruza lentamente.

Sem mais adrenalina para queimar e suor frio para derramar, chegamos na estação ferroviária de Hidroelétrica por volta das 15 horas e depois de alguma espera,  embarcamos num vagão de trem com janelas de vidro no teto, portanto panorâmico, que enquanto serpenteava pelo profundo vale, permitia que olhássemos para o alto dos megalíticos atopetados.

Chegamos em Aguas Calientes  por volta  das 17 horas. Como as vans que conduzem o grande número de turistas até Machu Pichu só operam durante o dia,  passamos a noite em um modesto hotel com quarto simples. Pródiga em restaurantes que oferecem as mais variadas opções gastronômicas, Aguas Calientes é uma pequena cidade, muito organizada, totalmente estruturada para os turistas, a quem oferecem uma infinidade de agências onde se pode contratar viagens, passeios, caminhadas e outras atividades de entretenimento das mais variadas, desde turismo cultural e contemplativo até os esportes mais radicais, estes favorecidos pela espetacular geográfica andina. 

Na manhã seguinte, tínhamos opção de subir os 400 metros de altura até Machu Pichu pelas escadarias, com cerca de 1200 degraus, ou ascender com as vans que ziguezagueiam a cada cinquenta metros, montanha acima. Sessentões, sem muito fôlego provocado pela escassez de oxigênio das alturas,  optamos pelas vans.



Antes de clarear o dia, com temperatura inferior a 10ºC entramos na fila para apanhar uma das vans que, em contínuo vai-e-vem, conduzem o máximo de seis mil visitantes diários à Machu Pichu.  Cerca de quarenta minutos  após, estávamos diante do portal que dá acesso a Machu Pichu. No portal de suas ruínas contratamos um dos muitos guias credenciados mediante o pagamento de trinta solis por cada uma das pessoas que compunha o grupo formado no momento e que nos acompanhou  pelas ruelas e inclinadas escadarias que compõem Machu Pichu. Nos explicou que durante as escavações arqueológicas, foram encontradas 173 esqueletos humanos, dos quais  80% eram de mulheres e somente 20% de homens, o que é justificado pelo fato de que Machu Piuchu era uma cidade habitada quase que exclusivamente por mulheres, as  Virgens do  Sol, encarregadas de adorarem Inti, o Deus Sol. Eram mantidas por um seleto grupo de famílias incas, que zelavam por sua segurança, produziam alimentos e administravam a cidade.


Segundo estudos arqueológicos, no período áureo, Machu Pichu possuía cerca de cinco mil habitantes, que residiam em pouco mais de duzentas moradias.
 
Nos andenes, nomes que dão aos terraços construídos em forma de longos, altos e largos degraus, os incas cultivavam o necessário para sua subsistência, adaptando as diversas espécies de produtos agrícolas de acordo com a temperatura e a humidade de cada degrau dos terraços, já que diferiam um do outro.


Em meio as diversas construções de pedra edificadas em diferentes níveis e planos, visitamos um relógio solar esculpido em pedra e devidamente preservado. Bem próximo, em outra edificação de pedra, há uma edícula onde mediam e identificavam as estações do ano, através de orifícios em suas paredes por onde penetram os raios solares, demonstrando conhecerem os solstícios de inverno e de verão, marcando o início e o final dos períodos de plantações e das colheitas.

Surpreende a exatidão dos cortes e os encaixes da pedras que utilizaram para edificar as centenas de construções de Machu Pichu. O guia nos explicou que os cortes das pedras eram feitos usando pedaços de hematita, mineral por nós popularmente conhecido como “pedra-ferro” e que a utilizamos como matéria prima na fundição e fabrico do ferro e do aço. Como possui uma densidade mineral muito alta, além de pesada é muito dura, tornando-se propícia para servir como ferramenta para entalhar as pedras de menos densidade e, portanto, mais fáceis de serem trabalhadas. Cortavam os blocos de granito utilizando-se do sistema de expansão da matéria, ou seja, onde pretendiam cortar a pedra, faziam diversos furos lineares e após introduziam cunhas de madeira dura, porém seca. Logo a seguir despejavam agua e as diversas cunhas de madeira se expandiam forçando o rompimento da pedra.    

       
Outro aspecto que chama a atenção do visitante detalhista, são os diversos estilos de edificações, tanto das casas como dos templos de Machu Pichu, que segundo narrado pelo guia, a arquitetura diferia segundo a utilidade e por quem seria utilizado a moradia ou templo.  Porém, observando mais atentamente, nota-se mais diferenças nos detalhes das mesmas, mais exatamente na forma dos cortes e nos encaixes das pedras, posto que em algumas edificações foram unidas com perfeição, sem nenhuma fresta em seus encaixes e  ângulos, enquanto outras construções foram unidas com barro que tapam gretas bem maiores, acomodando seixos com cortes  irregulares, que não se encaixavam perfeitamente.  

Com muitos desníveis que exigem razoável preparo físico para subir e descer as longas escadarias, Machu Pichu ainda preserva o antigo acesso pela sua parte superior, onde se chegava pelo Caminho do Inca, sendo que em seu final há edificação que servia como porta de acesso a cidade, que permanecia fechada e controlada por guardas, já que por ser sagrada, as castas menos privilegiadas da população não tinham acesso à cidade.
 
Visitamos ainda os locais que serviram como depósito de alimentos, para produção de bens, altares onde sacrificavam lhamas e alpacas, que abatidos os queimavam sobre um leito de folhas secas de coca e de milho, tudo em homenagem ao Deus Sol (Inti). Também visitamos as praças onde eram celebradas o início e a colheita das plantações, além de outros locais que aguçaram nossa curiosidade, como, por exemplo, a sala das meditações, cujas paredes possuem fendas quadradas escavadas nas rochas e que por serem de minerais propícios à propagação do som, ouviam o eco das entonações que faziam com as cabeças embocadas nas aberturas das fendas. Era uma forma de pedirem graças, meditarem e entrarem em harmonia com os deuses que adoravam. Muito supersticiosos, adoravam locais e objetos estranhos porque os imaginavam habitados por forças sobrenaturais. 
      
Os grandes deuses dos incas eram as forças da natureza, principalmente o Sol (Inti) e a Lua (Mama Kilya), esta encarregada de regular os ciclos mestruais das mulheres incas. Tinham na Mãe Terra (Pacha Mama), a deusa que cuidava das coisas visíveis. Pachacamac  era o deus responsável pelo crescimento de todas as coisas, pai dos cereais, dos animais, dos pássaros e dos seres humanos. A Deusa da Chuva (Apu Llapu) era a divindade agrícola, evocada nas épocas de plantios e de colheitas e principalmente durante os períodos de secas que, se perdurassem, lhe ofertavam sacrifícios humanos, precedidos de grandes peregrinações aos templos localizados em lugares mais altos, próximos ao Sol. Sobre todos estes deuses reinava absoluto o Velho Homem dos Céus (Viracocha), o criador, senhor e mestre do mundo, o pai de todos os demais deuses, a quem creditavam a administração do destino de cada inca e dos planos invisíveis.

Eram cerca de 12 horas, com temperatura bastante elevada, quando demos por encerrada nossa visitação à Machu Pichu. Enquanto aguardávamos a van que nos levaria montanha abaixo até Aguas Calientes, lanchamos bananas sentados em um parapeito no lado externo da cidade sagrada e observamos que turistas, principalmente jovens, ainda concluíam o acesso vindo de Aguas Calientes a pé,  pelas longas escadarias, cansados, com jaquetas na cintura e, literalmente, de língua de fora.

Retornamos a Aguas Calientes, às 15 horas. Tomamos o trem até  a Hidroelétrica, e de lá embarcamos  em outra van que nos levou de volta a Cusco.  Neste retorno, nova dose de adrenalina, pois preterimos a serenidade e o conforto dos vagões de trem pela mesma estrada por onde chegamos no dia anterior, desta vez com maiores sobressaltos, pois pelas janelas abertas entrava muita poeira porque a van estava com seu ar condicionado pifado. E o pior é que o motorista pilotava naquela vereda como se estivesse num poeirento rali. E com apenas uma mão, ao mesmo tempo que digitava e falava no celular. Eram 21 horas quando chegamos a Cusco, com a temperatura agora bastante baixa.

Dia seguinte, optamos por embarcar com um grupo de turistas em um micro ônibus para conhecer o Circuito do Vale Sagrado, região distante cerca de duas horas de Cusco. Iniciamos parando em um singelo e rudimentar povoado formado por casas construídas com adobe, onde algumas mulheres descendentes dos incas e devidamente caracterizadas com seus chapéus e coloridas  roupas nos receberam entoando suas típicas canções. Depois nos fizeram demonstrações de como seus ancestrais produziam os fios da lã de alpaca, o processo de coloração e sua tecelagem utilizando plantas e minerais da região andina. De forma rudimentar, tinham exposto razoável quantidade de produtos agrícolas, destacando-se espigas de milhos das mais variadas cores e tamanhos, batatas e uma pequena criação doméstica  de cuis.

Embarcando novamente, ainda no Vale Sagrado, fomos visitar Moray, um sítio arqueológico constituído de hipnotizantes ruínas de terraços circulares que diminuem a medida que seus círculos se aprofundam, formando um imenso cone que vai estreitando a medida que se aprofunda terra-a-dentro. Para quem observa do alto, dá a impressão de que se trata de um anfiteatro, como muitos acreditavam. No entanto, foi utilizada pelo Império Inca como uma espécie de estação experimental, onde eram feitas experiências para aclimatação de culturas de outras regiões, como a coca, por exemplo, que originariamente foi trazida da Região Amazônica e aclimatada nos Andes. Os degraus dos terraços possuem pouco mais de um metro de altura e cinco de largura, com cumprimento em forma de circunferência que diminuem a medida que descem os degraus. Moray era uma espécie de laboratório agrícola para determinar em que altitude, temperatura e umidade os grãos cultivados teriam melhor desenvolvimento e produtividade. Em cada degrau destes círculos, diferentes culturas era testadas. Depois de aprovadas e aclimatadas, suas sementes e mudas eram distribuídas aos mais diversos produtores do império. A diferença de temperatura entre os degraus do topo e o do fundo deste imenso laboratório passa de 15°C. 

 

Nossa próxima parada foi para conhecer a produção do decantado sal andino, extraído unicamente  nas  Salineras de Maras, um espetáculo impressionante para quem vislumbra o conjunto de salineiras do alto da montanha que lhe dá acesso. Indescritível visão!  


Conforme nos explicado, há milhões de anos a região era banhada por um oceano muito salgado, mas com o movimento sísmico que ergueu a Cordilheira dos Andes, o mar recuou quilômetros. No entanto, no interior de uma das montanhas, formou-se um grande lago subterrâneo e muito salgado, de onde passou a escoar um minúsculo córrego montanha abaixo, cuja água contém muito sal, de excelente qualidade.

O processo para retirada do sal é simples: a medida que o córrego desce, inunda pequenos tanques  de aproximadamente 150 metros quadrados cada, com uma profundidade de meio metro. Quando está cheio, desviam o córrego para o tanque seguinte. Estando cheio, o sol faz sua parte, evaporando a água em aproximadamente 30 dias, deixando no leito do tanque três camadas de sal mineralizado, sendo que a camada superficial é a flor do sal, que tem muitas propriedades medicinais e é o mais procurado e mais caro; a segunda camada é do sal rosa, que também possui propriedades terapêuticas e é utilizado principalmente na cozinha. A terceira camada é formada por um sal impuro, utilizado para fins industriais e agrícolas.     

Finalmente, em nosso derradeiro dia de estada nos Andes, resolvemos circular  pelas largas calçadas de Cusco, conhecendo mais feiras, artesanatos e descobrindo locais da antiga capital do Império Inca.  


O IMPERIO INCA

Localizada em um vale, rodeada por montanhas que chegam a 3500 metros de altura, a cidade de Cusco foi o núcleo da expansão e a capital do Império  Inca. Na fase anterior a formação de seu império, os incas eram uma etnia relativamente pequena e estavam limitados ao Pueblo de Cosco e arredores, enquanto que nos Andes haviam diversos outros povos.  Num determinado momento, o povo chanca, rivais que possuíam um bem organizado exército, portanto mais poderosos que os incipientes incas, começaram a avançar  em direção a Cusco e para não ser derrotado e morto, o chefe inca evadiu-se. No entanto, seu filho Cusi Yupanqui, resolveu resistir e fez alianças com tribos vizinhas e em vez de esperar para ser atacado, atacou de surpresa o exército chanca, derrotando-o. Fortalecida sua liderança dentre os incas e tribos vizinhas, declarou-se rei e destronou seu próprio pai. Adotou, então, o nome de Pachacútec , que significa “o agitador da terra”, pois imediatamente após a vitória doou as terras conquistadas aos aliados, exigindo em troca o cultivo  das mesmas para produção de alimentos em larga escala, de onde se originou seu novo nome. Na sequência, deu início a expansão de seus domínios, subjugando e anexando dezenas de outros pueblos.  Para integra-los ao seu mando Pachacútec removeu os habitantes das cidades dominadas anteriormente para as cidades dominadas posteriormente, incorporando ao seu exército grande parcela de seus habitantes. Em poucos anos formou o maior exército de índios da América, chegando a aproximadamente 200 mil homens, com os quais montou uma estrutura administrativa que mantinha a unidade das regiões conquistadas e incorporadas. Inicialmente dividiu seu território em duas metades:  Hurin e Hanan, “para cima e para baixo” de Cusco.  Em seguida, para expandir-se ainda mais, essas duas metades foram subdivididos em quatro regiões, conhecidas como Chinchaysuyo, Antisuyo, Collasuyo e Contisuyo. Por este motivo denominaram seu império de Thuantinsuyo, ou seja “as quatro partes unidas”. 

É considerado o ano 1438 como a data aproximada da coroação de Pachacútec e os quase 100 anos que se passaram a partir de então até a chegada dos espanhóis, foram  o período da grande expansão Inca, que segundo os estudiosos, foi fundamentado  por um elevado desenvolvimento econômico e cultural, além da criação de uma infraestrutura administrativa que repartia o comando das cidades, construia habitações para a população, produzia e armazenava  mantimentos, mesmo sem terem uma moeda. Usavam o escambo como instrumento para fazerem circular seus bens. O sal  era o bem maior e chegou a ser utilizado como moeda, enquanto que o ouro, a prata e o cobre, tão cobiçados pelos espanhóis, eram considerados apenas como instrumentos de adorno dos templos, das casas e das pessoais, sem muito valor.

Nos conta Roseli Von Sass¹ que no quinto ano de vida, as crianças incas recebiam um nome que era gravado numa plaqueta redonda de ouro que representava o sol, a qual era pendurada numa fita em torno do pescoço, da qual nunca se separava. Era a prova de pertencerem  a  Inti, o Deus Sol.

Em sua lingua não possuiam expressão correspondente a morte, já que a conceituavam como “a grande viagem”  e uma vez que  viviam sem culpas, não temiam e ansiavam para embarcar na grande viagem. O nascimento era conhecido como “a vinda”.

Sua organização política estava sedimentada em um sistema de castas, que era dominado por uma elite, com uma economia distributiva, ou seja,  a população podia possuir alguma terra, mas a quase totalidade da sua produção era controlada pelo estado, que por sua vez, distribuia as riquezas produzidas segundo as necessidades de sua elite e necessidades da população. Praticamente toda  terra pertencia ao estado, que destinava parte aos religiosos e às comunidades. Cada chefe de família tinha obrigação de dedicar tres meses de trabalho por ano ao Imperador, que assim dispunha de uma enorme  quantidade de mão de obra que era utilizada para construir prédios para as administrações, templos religiosos, abrir e pavimentar caminhos, cultivar plantações, criarem animais, tecerem, fabricarem armas,  garimparem e a servirem exercito.

Embora não possuíssem escrita,  os seus imperadores dispunham de um número de sábios a seu serviços, que dentre outras funções, eram chamados para pressagiarem as mais importantes decisões do imperador e também para transmitirem aos jovens imperadores os conhecimentos, as leis divinas e a história de seu povo. Para estas funções, os sábios liam os quipos, que consistiam em barbantes coloridos com uma infinidade de minuciosos nós  que registravam dados numéricos e recordatórios.

Após a conquista pelos espanhóis, a arte de ler os quipos se perdeu  e a historia dos incas foi-se esvanecendo a cada geração.  

Ao receber esta informação, lembrei-me  que Louis Paulwes e Jaques Bergier,  em sua obra²narram que “os quipos são barbantes com nós muito complicados e encontram-se entre os incas  e os pré-incas. Tratar-se-ia de uma forma de escrita e teriam servido para exprimir idéias abstratas, sendo que um dos melhores especialistas dos quipos, Nordenskiold, vê neles cálculos matemáticos, horóscopos e métodos de prever o futuro”    

Em virtude dos incas não terem adotado nenhum tipo de escrita, até o presente momento não foram suficientemente esclarecidos todos os aspectos do cotidiano anterior a conquista dos espanhóis, pois de acordo com as mais variadas fontes que alimentaram a tradição oral, os cronistas espanhóis imediatamente posteriores a época  de sua conquista conseguiram escrever mais de cincoenta crônicas, mas com  variantes, dependendo da fonte e dos locais que as embasaram.

Uma das mais fidedignas crônicas posteriores é um relato de um mestiço inca/espanhol conhecido como Garcilaso de La Vega³, escrita na Espanha e publicada cerca de cincoenta anos após o mesmo ter deixado o Peru.

Outra de grande importância  foi escrita por Felipe  Poma de Ayala4, um inca de família nobre, nascido logo após domínio espanhol,  que viveu o apocalipse do Império Inca e passou grande parte de sua vida percorrendo os confins dos povoados incas com seus manuscritos embaixo do braço, anotando grande parte de tudo que ouvia dos remanescentes. Seu manuscrito possuía mais de mil páginas, acompanhado de quatrocentas ilustrações feitas a mão. Além de relatos das crenças e costumes, era uma denúncia contra as crueldades e os abusos praticados pelos espanhóis contra os incas após a conquista. Ayala esperava que um dia chegasse às mãos do Rei Espanha. Quando tinha 80 anos,  o entregou em confiança a um capitão de um barco espanhol para que o fizesse chegar às mãos do seu Rei, o que jamais aconteceu. Em 1908 o manuscrito foi encontrado em uma biblioteca  de Copenhaguem...  
           
A CONQUISTA DO IMPERIO INCA

Depois de ancorar na costa oeste do Peru,  Pizarro e seus homens  entraram terra a dentro, rumo oeste-leste. Quando chegou ao conhecimento de Ahtualpa, o Imperador Inca, que um grupo de  homens barbudos, com armaduras e montados em monstros estavam e seus domínios, e em pequenos combates já haviam matado alguns chefes incas, convocou um exercito de  80 mil incas e  foi ao encontro  dos invasores. Os espanhóis entrincheiraram-se em Cajamarca. Cidade inca que havia sido evacuada  em virtude de uma peste que tinha ocorrido ano antes. Era toda murada com apenas dois portões, uma ampla praça e ao seu redor possuía diversas construções e templos.

Movido por sua supremacia militar e curiosidade, Ahtualpa resolveu aceitar o convite de Pizzaro para parlamentar e entrou na cidadela acompanhado de centenas de incas de sua guarda pessoal, enquanto os demais guerreiros  cercaram toda a cidade. Após ouvir de um irmão de Pizarro os motivos da presença dos estrangeiros, os espanhóis decidiram mostrar a Ahtualpa   o que eram capazes de fazer com os cavalos e suas utilidades durante as guerras. Então um espanhol, montado a cavalo, com armadura e elmo baixado, afastou-se da guarda do Imperador e depois de fazer o cavalo relinchar diversas vezes e dar passos vistosos, virou-se e investiu velozmente e frontalmente contra a mesma guarda,  freando o cavalo bruscamente a pouco mais de dois metros. Assustados e apavorados, os integrantes da guarda tropeçaram, cairam e fugiram, posto que nunca haviam visto um animal de tamanha estatura, agilidade e ferocidade. Passado o susto,  marcaram então para o dia seguinte  novo encontro, porém antes de se retirar, Ahtualpa  deu ordem a seus generais para  que todos quatrocentos membros do batalhão de sua guarda fossem executados por mostrarem medo diante dos forasteiros, infringindo as normas de disciplina  do incas. A ordem foi cumprida alí mesmo, no momento seguinte. 

No encontro do dia seguinte, quando  Ahtualpa e seu séquito de guerreiros voltaram   à praça, antes que Pizarro saísse do prédio onde estava, o padre Valverde  apresentou-se diante da comitiva imperial e leu uma proclamação que, em nome de Deus, do Rei da Espanha e do Papa, exigiam submissão, obediência e reconhecimento de que a Igreja Católica era “a Senhora e Superiora do Universo e do Mundo”.  Ao final da leitura, que era traduzida por interprete, ameaçou que se não se submetessem, “com a ajuda de Deus nós entratremos poderosamente contra  voces e faremos guerra por todas as partes e lugares que pudermos .. e tomaremos vossas pessoas, esposas e filhos e os faremos escravos ... e os venderemos... e também tomaremos seus bens ...  lhes faremos todos os males e danos  que pudermos ... e que estas mortes e danos serão por suas culpas”5

Após a leitura, o padre dirigiu-se até Athualpa para entregar-lhe um exemplar da bíblia, mas foi barrado. Mesmo assim a biblia lhe foi entregue por um dos seus generais e após tentar abri-la sem conseguir, Atualpa, arremessou-a ao chão, o que fez o padre Valverde ficar possesso e a vociferar ameaçadoramente. Nesse momento, os espanhóis que estavam encastelados  em algumas das edificações, abriram as portas e  deram diversas descargas de canhões e bacamartes contra as hordas incas, provocando muitas mortes,  pânico e confusão, enquanto  um pequeno grupo de espanhóis  rompia a golpes de espadas a guarda do Imperador Athualpa, até aprisiona-lo e leva-lo para o interior do prédio onde estavam abrigados. Imagem relacionada

Encarcerado,  Athualpa foi obrigado a ordenar que seus soldados recuassem e voltassem às cidades de origem. A seguir  os espanhóis exigiram  que lhes fossem entregues  grandes quantidades de ouro e de prata, com  a promessa  de libertar o Imperador, o que não aconteceu, mesmo após o pagamento do resgate. Como partilha deste primeiro butin,  Pizzaro amaelhou  cerca de vinte mil quilos de ouro, representados por estatuetas, pratos, taças, adornos e outros objetos considerados sagrados pelos incas e um volume  muito maior de prata, também em objetos trabalhados e ricamente ornados.

Já em Cusco, fundido o ouro e a prata, Pizarro mandou distribuir o percentual que tocava aos seus homens, recebendo  cada um 40 quilos de ouro e 80  quilos de prata.    

Pizarro conduziu Athualpa como seu prisioneiro até Cusco, adonando-se da cidade com nova promessa de libertar o Imperador. Poucos meses após, em 26 de junho de 1533, sob a acusação de que o Imperador havia ordenado secretamente um ataque maciço à Cusco para expulsa-los, os espanhóis executaram Athualpa  e colocaram no trono seu irmão mais novo e rival, que já lutava para destronar Athualpa antes dos espanhóis chegarem. Coroado novo imperador, adotou o nome de Manco Inca.

No entanto, em 1536,  cansado das promessas não cumpridas de que os espanhóis iriam embora  após o pagamento de cada uma das exigências de novos resgates de ouro e de prata e das atrocidades que faziam contra seu povo, Manco Inca evadiu-se e ordenou o sitiamento de Cusco, que embora realizado por um exército de 200 mil incas,  não logrou expulsar os espanhóis.

Retirou-se então para para fundar uma nova capital de seu império, que denominou de Vilcabamba, de onde passou a resistir  contra a ocupação espanhola. 

 O último episódio desta luta foi a execução trágica do jovem imperador Tupac Amaru, o último dos filhos de Manco Inca, conforme já narrado.  

Com os incas completamente dominados, os espanhóis impuseram sua religião  e  transformaram templos e palácios incas em mansões e igrejas coloniais. Cusco  foi  gradativamente se transformando em um símbolo da miscigenação arquitetônica, cultural e social.

 Em 1650 Cusco e áreas vizinhas foram palco de um grande terremoto que pos por terras as poucas edificações originariamente incas que ainda não haviuam sido  demolidas e modificadas pelos espanhóis.  Na reconstrução predominou os estilos da arquitetura espanhola, fazendo surgir uma nova missigenada cultura.

Posteriormente, Cusco foi palco de vários movimentos de resistência andinos, como o de 1780, que foi liderado por José Gabriel Condorcanqui,  o Tupac Amuru II, que se rebelou contra as reformas que as autoridades espanholas tentaram implementar e que penalizavam ainda mais a população andina.     

Quando José de San Martin declarou a independência do Perú, em abril de 1822, foi criado o Departamiento de Cusco. Mas foi somente em 1825, que os andino, liderados por Simon Bolivar, obtiveram a completa independência, desligando-se definitivamente  da  Coroa Espanhola.

Cusco é hoje conhecida como a Capital Arqueológica da América, sendo um  dos mais importantes centros de turismo na América do Sul. É uma cidade cosmopolita com muita história, com modernos serviços turísticos, noites agitadas  com   restaurantes, bares e discotecas  onde transitam pessoas de todas as nacionalidades, recebidos que são  pelos amáveis e gentis descendentes do grandioso Império  Inca.


¹ - A Verdade Sobre os Incas – Editora Ordem do Graal – 1990 – 5ª. Edição
² - O Despertar dos Mágicos – Editora  Difel – 1980 - 16ª Edição
3 - Los Últimos Dias de Los Incas – Kim Macquarie – Editora Inkaterra – Lima- Pe
4 – Idem
5 - Idem

6 - Idem
7- Idem

7 comentários:

Gina Cadorin disse...

Rodeados de magia. Essa é a sensação que transmite este texto. Maravilhoso!

Simone disse...

Parabéns pelo belo texto sobre este magnífico sítio, cultura e civilização!Abraço!

Anônimo disse...

Ótima matéria pai. Parabens pelos detalhes. Agora prepara a da India. Lucas

ADILCIO CADORIN disse...

Peço desculpas aos que escreveram comentário a respeito da matéria e não conseguira postar. É que, involuntariamente, não havia configurado para permitir comentários. Fiquem a vontade. Grato. Adilcio Cadorin

Ivete Scopel disse...

Gostei muito da viagem, porém gostei muito mais agora com esta matéria tão ilustrativa.

Lagunabike disse...

Viajar e conhecer outras culturas e história nos prepara para um melhor conhecimento da vida. E viajar com alguém tão faminto por história como você deve ser ainda mais fascinante.

Lagunabike disse...

Viajar e conhecer outras culturas e história nos prepara para um melhor conhecimento da vida. E viajar com alguém tão faminto por história como você deve ser ainda mais fascinante.