quarta-feira, 20 de agosto de 2014

NAO ROUBEM NOSSA CULTURA




                                                                                     ADILCIO CADORlN*

Para sobreviverem, as culturas sociais se baseiam essencialmente na liberdade do indivíduo, na sua responsabilidade pela história da humanidade e no respeito à pessoa humana, devendo enfrentar  qualquer tipo de determinismo histórico, social, ou fatalístico. São estes os elementos básicos que  garantem a essência e a continuidade cultural de cada povo.

O indivíduo existe porque projeta a própria existência em projeto pessoal, que não pode, de modo algum, ser condicionado por regras de uma organização distante da  sociedade e das instituições  em que vive.  

Na imperante cultura centralizadora, vigora um gênero de determinismo para quem o partido, a classe social, o regime unitarista e o sistema representam as tendências inegáveis de uma história a quem o indivíduo não pode sobrepor-se, ou virá a ser esmagado, achatado.

A burocracia política e as instituições que governam o Estado, se arrogam no direito de exercerem todos os poderes sobre as pessoas, sobre bens produzidos ou herdados,  sobre a cultura do indivíduo, dele mesmo emanada por tradição ancestral, seja do grupo social ou do povo a quem pertence.

Por esta "casta de sacerdotes", também os povos, com suas culturas e línguas diversas, com suas variadas tradições cívicas, morais e religiosas, são tratados com a mesma medida com que tratam os indivíduos: não tem a saber direitos se não servirem ao projeto político do unitarismo  centralista.

A ditadura de uma só língua, o achatamento das expressões, pronúncias, dialetos e das correntes culturais diversas, é efeito da cultura dominante a partir da escola, com um corpo de professores burocratas, recrutados por àqueles que ensinam um gênero de "legião estrangeira" da cultura pronta a reprimir qualquer afirmação de liberdade e de autonomia.

Todavia, não podendo proceder por via da "aldeia global", que empurra ao engano universal da globalização todos os empreendedores, os poetas e os artistas, o centralismo  brasileiro inventa e importa, através dos meios de comunicação por ele alimentado, costumes novos, alienígenas. Mesmo assim, não conseguindo suprimir totalmente as expressões das nossas já existentes culturas e liberdades regionais que emanam do nosso apego telúrico, constroem guetos para perseguir e ofuscar cada afirmação regional original, através da chamada "cultura nacional", cuja maior expressão está estratificada no futebol, nas  novelas e nos programas de alienação coletiva, destinadas ao "povinho" e a todos aqueles  que consideram de  "ignorantes" demais  para fazer parte da restrita cúpula dominante, e para que, inconscientemente  esqueçam e sepultem definitivamente os seus costumes e tradições originais.

Quantos de nós ainda conseguimos resistir cultuando nossas origens, costumes e línguas açorianas, africanas, indígenas, asiáticas ou européias?  

Os patrocinadores do latrocínio de nossos valores ignoram os sotaques e expressões  nortistas, sulistas,  o "portunhol" e diversas outras expressões lingüísticas,  nativas e regionais; as lendas do saci-perere, do negrinho-do-pastoreio, de iemanjá, os folclores do  boi-de-mamão, do bumba-meu-boi; desdenham as sagas populares, as danças típicas regionais (sulistas, amazônicas ou nordestinas};  fingem desconhecer nossas artes plásticas, que dizem ser pobre e sufocam nossa diversidade religiosa. Com a peneira da cultura única,   escondem o sol de nossas diferentes culturas que, por não terem espaço ficam oprimidas e se esvaem no tempo, não permitindo ao cidadão os meios para identificar-se dentre a diversificada e rica cultura regional destes muitos brasis.

Não podendo recorrer a supressão física da cultura da massa excluída, a cultura pregada pelo centralismo brasileiro amealha, englobando-a em si, qualquer corrente boa para contrastar o pensamento político do verdadeiro federalismo, das autonomias regionais. Imposta pelos ladinos do sistema, é falsamente aberta: trata-se de uma desordem cultural, um "pastel" amalgamado por quem sabe, mas finge que não sabe, das muitas diferenças de nossas diversas etnias, culturas, tradições e costumes, renegando a vigência do principio de respeito à diversidade cultural prevista no verdadeiro federalismo.

Para o centralismo brasileiro, muito parecido com o russo, é direito do povo mais forte impor sua cultura amicamente os mais fracos, fazendo a exaltação de uma nação armada que oprime as outras. A diferença é que na Rússia o centralismo oprime com armas e aqui as armas são as redes nacionais de comunicação de massa, o Congresso Nacional e os mais de cento e cincoenta ministérios, departamentos, estatais, órgãos do executivo e todos os demais instrumentos do centralismo que praticam o clientelismo, a despeito de terem sua voracidade tributária alimentada com nosso esforço produtivo. Não satisfeitos, intrometem-se em nosso dia-a-dia  com descargas diarréticas de legislações que somente cerceiam nossas vocações e nos oprimem, alheias  às diferenças regionais, renegando a natureza do constitucional regime federalista.

Por essas pessoas tudo é homologado e em troca de favores econômicos, mudam a Constituição segundo suas conveniências e impedem as autonomias regionais, essência do autêntico federalismo. Impõem à sociedade amoldar-se às leis unitaristas, ao invés das leis emanarem dos costumes sociais regionais.

Quanto muito, julgam que todas as nossas diferenças podem produzir uma única  cultura, onde o indivíduo, a pessoa,  sua cultura, suas tradições, seus costumes, suas vocações produtivas, o seu modo de viver,  são sistematicamente desprezados e dispensados, sem jamais serem expostos e considerados.

 Para eles os valores regionais não existem, ou se consideram  sua existência, nos sufocam  com a imposição massificada das culturas enlatadas e alienígenas,  cometendo verdadeiro roubo dos valores em que se funda o verdadeiro federalismo: os usos, os costumes e a cultura de nossas regiões.  


                     *Advogado e membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de SC

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente artigo sobre o verdeiro federalismo. Dr. Adilcio Cadorin espelhou com maestria o conceito universal do direito a autodeterminação dos povos segundo usus, costumes, crença, valores morais, vocação e potencialidades regionais.Deveria ser matéria da capa ou editorial dos maiores jornais do Brasil para esclarecer o que é realmente uma República Federativa. No que consiste o federalismo verdadeiro.Recomendo. Boa leitura!

Simone disse...

Patabéns pelo belo texto sobre este magnífico sitio, cultura e civilização.
O livro, e filme Minhas Vidas da Shirley Mclane (baseado em fatos reais da Shirley) mostra sua passagem significativa por este local instigante! Abraço!

Jorge Geisel disse...

A viagem descritiva de Cadorin aos históricos domínios incas, é peça literária digna de ser lida e meditada.
O Bog, por inteiro, é notável!
Jorge E. M. Geisel