ADILCIO CADORlN*
Para sobreviverem,
as culturas sociais se baseiam essencialmente na
liberdade do indivíduo, na sua responsabilidade pela história da humanidade e no
respeito à pessoa humana, devendo enfrentar qualquer tipo de determinismo histórico,
social, ou fatalístico. São estes os elementos básicos que garantem a essência e a continuidade cultural de
cada povo.
O indivíduo existe porque projeta
a própria existência em projeto pessoal, que não pode, de modo algum, ser
condicionado por regras de uma organização distante da sociedade e das instituições em que vive.
Na imperante cultura
centralizadora, vigora um gênero de determinismo para quem o partido, a classe
social, o regime unitarista e o sistema representam as tendências inegáveis de
uma história a quem o indivíduo não pode sobrepor-se, ou virá a ser esmagado,
achatado.
A burocracia política e as
instituições que governam o Estado, se arrogam no direito de exercerem todos os
poderes sobre as pessoas, sobre bens produzidos ou herdados, sobre a cultura do indivíduo, dele mesmo
emanada por tradição ancestral, seja do grupo social ou do povo a quem
pertence.
Por esta "casta de
sacerdotes", também os povos, com suas culturas e línguas diversas,
com suas variadas tradições cívicas, morais e religiosas, são tratados com a
mesma medida com que tratam os indivíduos: não tem a saber direitos se não
servirem ao projeto político do unitarismo centralista.
A ditadura de uma só língua, o
achatamento das expressões, pronúncias, dialetos e das correntes culturais
diversas, é efeito da cultura dominante a partir da escola, com um corpo de
professores burocratas, recrutados por àqueles que ensinam um gênero de "legião
estrangeira" da cultura pronta a reprimir qualquer afirmação de liberdade
e de autonomia.
Todavia, não podendo proceder por
via da "aldeia global", que empurra ao engano universal da
globalização todos os empreendedores, os poetas e os artistas, o centralismo brasileiro inventa e importa, através dos
meios de comunicação por ele alimentado, costumes novos, alienígenas. Mesmo
assim, não conseguindo suprimir totalmente as expressões das nossas já
existentes culturas e liberdades regionais que emanam do nosso apego telúrico, constroem
guetos para perseguir e ofuscar cada afirmação regional original, através da
chamada "cultura nacional", cuja maior expressão está estratificada no
futebol, nas novelas e nos programas de
alienação coletiva, destinadas ao "povinho" e a todos aqueles que consideram de
"ignorantes" demais para fazer parte da restrita cúpula dominante, e para
que, inconscientemente esqueçam e
sepultem definitivamente os seus costumes e tradições originais.
Quantos de nós ainda conseguimos
resistir cultuando nossas origens, costumes e línguas açorianas, africanas,
indígenas, asiáticas ou européias?
Os patrocinadores do latrocínio
de nossos valores ignoram os sotaques e expressões nortistas, sulistas, o "portunhol" e diversas outras
expressões lingüísticas, nativas e
regionais; as lendas do saci-perere, do negrinho-do-pastoreio, de iemanjá, os
folclores do boi-de-mamão, do
bumba-meu-boi; desdenham as sagas populares, as danças típicas regionais
(sulistas, amazônicas ou nordestinas}; fingem
desconhecer nossas artes plásticas, que dizem ser pobre e sufocam nossa
diversidade religiosa. Com a peneira da cultura única, escondem o sol de nossas diferentes culturas
que, por não terem espaço ficam oprimidas e se esvaem no tempo, não permitindo ao cidadão os meios
para identificar-se dentre a diversificada e rica cultura regional destes
muitos brasis.
Não podendo recorrer a supressão
física da cultura da massa excluída, a cultura pregada pelo centralismo brasileiro
amealha, englobando-a em si, qualquer corrente boa para contrastar o pensamento
político do verdadeiro federalismo, das autonomias regionais. Imposta
pelos ladinos do sistema, é falsamente aberta: trata-se de uma desordem cultural,
um "pastel" amalgamado por quem sabe, mas finge que não sabe, das
muitas diferenças de nossas diversas etnias, culturas, tradições e costumes,
renegando a vigência do principio de respeito à diversidade cultural prevista
no verdadeiro federalismo.
Para o centralismo brasileiro, muito
parecido com o russo, é direito do povo mais forte impor sua cultura amicamente os mais fracos, fazendo a exaltação de uma nação armada que
oprime as outras. A diferença é que na Rússia o centralismo oprime com armas e
aqui as armas são as redes nacionais de comunicação de massa, o Congresso Nacional
e os mais de cento e cincoenta ministérios, departamentos, estatais, órgãos do executivo
e todos os demais instrumentos do centralismo que praticam o clientelismo, a
despeito de terem sua voracidade tributária alimentada com nosso esforço produtivo.
Não satisfeitos, intrometem-se em nosso dia-a-dia com descargas diarréticas de legislações que
somente cerceiam nossas vocações e nos oprimem, alheias às diferenças regionais, renegando a natureza
do constitucional regime federalista.
Por essas pessoas tudo é
homologado e em troca de favores econômicos, mudam a Constituição segundo suas
conveniências e impedem as autonomias regionais, essência do autêntico
federalismo. Impõem à sociedade amoldar-se às leis unitaristas, ao invés das
leis emanarem dos costumes sociais regionais.
Quanto muito, julgam que todas as
nossas diferenças podem produzir uma única
cultura, onde o indivíduo, a pessoa,
sua cultura, suas tradições, seus costumes, suas vocações produtivas, o
seu modo de viver, são sistematicamente
desprezados e dispensados, sem jamais serem expostos e considerados.
Para eles os valores regionais não existem, ou
se consideram sua existência, nos
sufocam com a imposição massificada das culturas
enlatadas e alienígenas, cometendo
verdadeiro roubo dos valores em que se funda o verdadeiro federalismo: os usos,
os costumes e a cultura de nossas regiões.
*Advogado e membro do
IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de SC
3 comentários:
Excelente artigo sobre o verdeiro federalismo. Dr. Adilcio Cadorin espelhou com maestria o conceito universal do direito a autodeterminação dos povos segundo usus, costumes, crença, valores morais, vocação e potencialidades regionais.Deveria ser matéria da capa ou editorial dos maiores jornais do Brasil para esclarecer o que é realmente uma República Federativa. No que consiste o federalismo verdadeiro.Recomendo. Boa leitura!
Patabéns pelo belo texto sobre este magnífico sitio, cultura e civilização.
O livro, e filme Minhas Vidas da Shirley Mclane (baseado em fatos reais da Shirley) mostra sua passagem significativa por este local instigante! Abraço!
A viagem descritiva de Cadorin aos históricos domínios incas, é peça literária digna de ser lida e meditada.
O Bog, por inteiro, é notável!
Jorge E. M. Geisel
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