sexta-feira, 25 de abril de 2014

CAVALGADA AO LOCAL DA BATALHA DO PASSO DE SANTA VITORIA

CAVALGADA AO PASSO DE SANTA VITORIA, ONDE TEXEIRA NUNES, GARIBALDI, ANITA E MAIS 500 FARROUPILHAS DERROTARAM 2000 IMPERIAIS NA BATALHA DE 14 DE DEZEMBRO DE 1839* 



ADILCIO CADORIN **


 Durante quatro dias, de 18 a 21 de abril deste 2014, participamos de mais uma cavalgada de resgate histórico e cultural, com o propósito de relembrar e reverenciar a memória dos que escreveram nossa história, neste caso, os combatentes do episódio da Revolução Farroupilha que aconteceu e ficou conhecido como Batalha do Passo de Santa Vitória, local ermo, fundo de campo com precário e quase inexistente acesso rodoviário, distante 50 km de Bom Jesus (RS) e 90 km de Lages (SC). Nossa comitiva foi composta por seis companheiros montados a cavalo: Juca Avelino e Margarete Viezzer, de Lageado (RS); Jorge Laranjeira, de Santa Maria (RS); Marilda Mendes, Ivete Scopel e eu, de Laguna (SC). No último dia contamos com o casal vaqueano Gledson Ramos e sua companheira Marli, que nos guiaram campo a dentro até cruzarmos o Rio Cerquinhas e depois o Rio dos Touros, para então chegarmos até o quase inacessível Passo de Santa Vitória, no Rio Pelotas. Dirigindo os veículos de apoio que ficaram nos aguardando nas fazendas, os companheiros Vitor Hugo Viezzer, de Caxias do Sul (RS) e Ceneu Ramos, de Bom Jesus (RS). Na páscoa de 2012 já havíamos iniciado esta cavalgada, que, lamentavelmente, foi interrompida por não ter condições de cruzar os rios em virtude do excesso de chuvas. Desembarcamos nossos cavalos na Fazenda Rincão dos Touros, no interior de Bom Jesus, de propriedade de Enedir Cruz de Oliveira. Dali para frente, por cincoenta quilômetros, seguimos montados, passando pela Fazenda Casa Velha de Luiz Kramer, Fazenda do Cílio de Cláudio Borges, fazendo alto na Fazenda Guarda Nova, de propriedade da Sra. Marli e na Fazenda Passo de Santa Vitória, de propriedade de Geraldo Zamban, onde fomos recebidos com um assado de javali preparado por Jéferson Camargo. Além do prazer de cavalgarmos pelas belas paisagens dos campos dobrados, pinheirais e canhadas serranas, motivou-nos para esta cavalgada o sentimento de resgate, para homenagearmos a já apagada memória dos desbravadores deste antigo e pioneiro Caminho de Tropas, hoje abandonado, como se nunca tivesse existido. Adentrarmos no ambiente exato onde ocorreu a épica batalha da Revolução Farroupilha e experimentamos as dificuldades de locomoção sentidas pelos pioneiros do antanho. Cavalgando e cruzando nos acidentes geográficos, entendemos o porque das táticas de ataque e defesa usadas por ambos lados na épica contenda. Viajando mentalmente no tempo, pudemos sentir e imaginar o fragor da fuzilaria e o tropel das cargas de cavalaria que ali aconteceu, no mesmo chão de pedras e barro que estávamos pisando, onde imperiais e republicanos escreveram com seu sangue a epopeia da Batalha do Passo de Santa Vitória. Necessitando ser aberto um caminho para conduzir à Feira de Sorocaba o imenso rebanho bovino orelhano que no alvorecer do século XVII os lagunistas haviam pioneiramente encontrado nas pradarias do Rio Grande, a Coroa Portuguesa ordenou ao oficial Francisco de Sousa e Faria para abrir um caminho de Viamão (RS) a Sorocaba (SP), o que foi iniciado em 1729, já que até então o gado era conduzido tangido ate Laguna(SC), onde era charqueado e neste porto embarcado em navios para S. Vicente(SP), Rio de Janeiro (RJ) e Recife(PE), única forma que existia para abastecer a força do trabalho escravo nos canaviais e nas minas recém descobertas. Este caminho, após subir os Aparados da Serra Geral, atingiu o Planalto Serrano na região de Vacaria (RS) e dali seguiu rumo norte, cruzando o Rio Pelotas no local que denominaram Passo de Santa Vitória. Posteriormente, em 1738, Cristóvão Pereira de Abreu, o mais importante dos tropeiros de nossa história, melhorou e conseguiu diminuir o trajeto, não se tendo notícias se este Passo já havia sido utilizado por Francisco de Souza e Faria ou se foi ele, Cristovão, quem o utilizou pela vez primeira. Mas, seguramente, este era o único caminho por terra que ligava a jovem Província do Rio Grande, criada em 1750, com o restando do Brasil Colônia. Em virtude da grande riqueza (gado, mulas, cavalos, sebo, sal, fazendas, utensílios, etc) que transitavam por esse Passo, o Governo Imperial ali estabeleceu um posto fiscal para cobrança de impostos e uma guarda militar. Antes do final de 1839, durante a Revolução Farroupilha, o Planalto Serrano, que havia estado em poder dos republicanos farroupilhas, tinha voltado às mãos dos imperiais, que na região era comandada pelo fazendeiro Cândido Alano, que havia sido incorporado com sua tropa ao exercito imperial por ser combativo defensor da unidade e domínio imperial. Anteriormente havia sofrido muitas derrotas, mas, como era um influente fazendeiro, a conhecia a região e seus ocupantes muito bem, sabendo onde buscar refúgio e reforços para reagir a cada revés. Graças ao seu persistente comando, havia granjeado a confiança e admiração do brigadeiro Francisco Xavier da Cunha, que comandava a Divisão São Paulo, formada em Rio Negro (PR), com dois mil homens, que estava deslocando-se para a Região Serrana, portando ordens expressas do Ministro da Guerra para expulsar os republicanos definitivamente de Lages. Xavier da Cunha tinha absoluto controle. Espalhou proclamas para atemorizar e ao mesmo tempo provocar deserções nos inimigos. A alguns soldados republicanos que capturou dirigiu habilidosa conversa, para convencê-los a servirem de espias em prol do Império. Por ser vaidoso, ufanava-se publicamente desta sua capacidade verbal para este tipo de tarefa. Já no Planalto Serrano, bem após a subida da Serra do Faxinal, onde o Rio dos Touros desagua no Rio Pelotas, cujo leito ainda hoje divide nossos estados, então províncias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, existia um posto fiscal, onde o Império cobrava os tributos sobre as tropas que vinham da Província do Rio Grande e subiam a Serra para atingir a Feira de Sorocaba. No local existiam duas estruturas do Império: uma no Passo de Santa Vitória sobre a margem esquerda do Rio Pelotas, onde ficava sediado um destacamento militar. A outra estava distante cerca de três quilômetros, ao sul e acima do Passo, onde haviam diversos currais, sendo um bem maior, todos cercados com taipas (cerca de pedras), que serviam para, tributar, contar e apartar as tropas bovinas, cavalares e muares que ali cruzavam rumo norte, pois os impostos podiam ser pagos com animais e mercadorias. Ao oeste desta mangueira, hoje propriedade particular e sede da Fazenda da Guarda, existia uma restinga quase que impenetrável, secundada por uma mata inacessível às tropas militares, cortada apenas por um estreito e íngreme caminho por onde passavam as tropas rumo norte, para atingirem o Passo de Santa Vitória, único local possível, na época, para cruzar o Rio Pelotas em direção a Santa Catarina.
Os cabecilhas revolucionários Serafim Muniz, Antônio Inácio e outros líderes farroupilhas, após terem sido derrotados em Lages, para aquelas paragens haviam-se dirigido com seus homens, estacionando ao sul da Fazenda da Guarda. Recém-chegados ao Planalto Serrano, Teixeira Nunes, Anita e Garibaldi, que de marinheiro em Laguna passou a ser cavaleiro, haviam recebido informações sobre o vaidoso brigadeiro, e prepararam um plano: ordenaram que um dos mais espertos soldados se deixasse apreender pelos homens do brigadeiro, e o informasse que cerca de duzentos maltrapilhos soldados republicanos, sem armas e famintos, expulsos de Laguna, tinham subido a Serra e estavam aproximando-se da Fazenda da Guarda. O brigadeiro Francisco Xavier da Cunha engoliu a isca e para lá se dirigiu, com seus dois mil homens, com a certeza de dizimar os revoltosos remanescentes, que já haviam sido derrotados em Lages e em Laguna. Queria aproveitar o momento da desmoralização que o inimigo suportava, que, depauperado, continuava a fugir. Assim que exterminasse este derradeiro foco de resistência republicana, os campos de cima da serra estariam livres da "hidra infernal da anarquia", conforme proclamou em seus editais. Após, poderia então, cumprir a segunda parte da missão que lhe foi confiada pelo Ministro da Justiça, ou seja, dirigir-se a Porto Alegre para ajudar levantar o bloqueio que o exército da República Riograndense mantinha nos arredores daquela cidade. Logo que os imperiais atravessaram o Rio Pelotas e fizeram alto na Fazenda da Guarda, Teixeira Nunes ordenou a Antônio Inácio de Oliveira para que, com seus cavalarianos, atraísse uma parte do exército imperial, enquanto seus lanceiros negros atraíam para outro ponto a outra parte do exército do brigadeiro. Com esta estratégia militar conseguiu dividir a tropa legalista, graças as habilidades guerrilheiras da cavalaria farroupilha. A fração comandada pelo brigadeiro refugiou-se dentro do grande curral cercado por taipas. Quando a primeira carga do ataque farroupilha chegou a distancia conveniente, largaram o tropel, carregando carregou a toda velocidade. Protegidos pelo cercado de pedras, os legalistas resistiram à carga. Na resistência imperial destacaram-se as figuras de Valentiano Jose de Lima e de seus voluntários vindos do Campo dos Tenentes; dos Julios vindos de Vacaria e Bento Cordeiro Rodrigues e outros valentes desta coluna que deram combate aos farroupilhas. Após quase uma hora, os farrapos desfecharam a segunda carga de cavalaria, secundado de uma terceira, esta da infantaria comandada por Garibaldi, tendo Anita ao seu lado. Após estes ataques que enfraqueceram os imperiais, os farroupilhas pularam as taipas do curral para o enfrentamento corpo-a-corpo, com punhais, adagas e tiros de pistola a queima-roupa, além das lanças manuseadas pelas mãos dos reluzentes lanceiros negros de Teixeira Nunes. Ao cabo de alguns instantes, desprezadas as armas de fogo, lutou-se de tal forma que mal se distinguiam os companheiros dos inimigos, onde o desvario da morte apoderava-se daqueles homens, que pareciam feras ensandecidas pelo cheiro do sangue. E assim continuou o entrevero até que o brigadeiro Cunha foi ferido com um tiro em uma das coxas, motivando sua retirada do combate. Protegido por alguns dos seus, iniciou sua fuga rumo ao Passo, no que foi secundado por Alano e seus homens, também fugando para os lados do Campo dos Touros.
Divididos e sem comando, uma parte dos soldados imperiais debandou em direção a restinga e a mata, serra abaixo, buscando fuga na travessia do Rio Pelotas a nado, enquanto boa parte da tropa encurralada na mangueira de taipas cercada pelo farroupilhas, não teve alternativa que não fosse manter a luta, solução que apenas prolongou por fração de hora seus tristes fins. Anita queria lutar ao lado dos lanceiros farroupilhas, lutar de igual para igual, como uma amazona intrépida que era, com espada na mão. Impedida, não pediu licença e nem exitou para, montada, lançar-se a carga junto da infantaria, afrontando com sua já característica coragem, os tiros que partiam do entrincheirado inimigo. Após o combate, Anita ficou com a incumbência de auxiliar os que já vinha tratando durante toda a viagem. Porém, novos combates, novos feridos. Anita resignou-se a ser enfermeira. Garibaldi era um guerreiro naval, e este foi o seu primeiro combate em terra firme, no lombo de um cavalo, que aprendeu a cavalgar tendo por mestre sua incomparabille Anita. Em suas cartas Anita noticiou que foi ela, em Laguna, quem lhe deu as principais noções sobre como cavalgar: " Querida irmã: .... 0 único combate que realmente exigiu empenho aconteceu perto de Santa Vitória. ... pela primeira vez eu o via em ação a cavalo. ... Felizmente, ele aproveitou bem as minhas aulas de equitação. Eu não conseguia tirar os olhos de cima dele, cheia de admiração pelo modo como conseguia prever os movimentos dos adversários. Era tão bom nisso que conseguia mandar os seus homens para os lugares certos, surpreendendo a todos com a rapidez de suas ações e indo de um lugar para outro com muita velocidade, deslocando-se sem parar, como um perfeito guerrilheiro..." Naquele histórico dia 14 de dezembro de 1839, quinhentos soldados republicanos, entre eles Anita, Garibaldi, Teixeira Nunes e Luigi Rosseti derrotaram dois mil soldados imperiais. Mais uma vez, as vantagens das armas e o número de soldados, foram sobrepujados pela força da determinação dos ideais republicanos.
Quatro dias após, em 18 de dezembro, Garibaldi, Anita e Teixeira Nunes, com seus farrapos, entraram triunfalmente em Lages e ali reinstalaram os comandos militares e o governo da República Catarinense, até que novo combate próximo Curitibanos resultou na prisão de Anita, em memorável batalha que ali aconteceu. Por ora fico por aqui, pois este episódio ainda deverá motivar uma nova cavalgada para observar, testemunhar e render nossas homenagens aos que lutaram e tombaram na Batalha do Capão da Mortandade, em Curitibanos.


 * Obras consultadas para esta pesquisa: GARIBALDI E A GUERRA DOS FARRAPOS, de Lindolfo Collor e ANITA A GUERREIRA DAS REPUBLICAS, de Adilcio Cadorin .

 ** Advogado, historiador e membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da ORCAV - Ordem dos Cavaleiros de Santa Catarina . 



















9 comentários:

GUILHERME SCHARF NETO disse...

Olá Dr. ADILCIO!
Aceite nosso cumprimentos.
Li,regozijado, o emociante relato da sua recente cavalgada ao Passo de Santa Vitória, como também não conhecia sua obra "Anita, A Guerreira das Repúblicas", que irei "degustá-la".
Igualmente aprecio cavalos e cavalgadas e já finquei, junto com amigos de mesma estirpe, placa no lado catarinense (nas mangueiras), em homenagem ao Passo e sua valiosa história.
Parabéns!
att., nosso abraço,
GUILHERME SCHARF NETO

Macedo Machado e Scharf Neto - Advogados Associados S/C
Av. Hercílio Luz, n. 599, 7º andar, Centro, Florianópolis/SC., (48) 3025-1719, 3025-1303, 3222-1214, 3223-5244.
E.mail: contato@macedomachado.com.br

Tiago Dutra disse...

Muito bom, uma viagem na história ao ler o texto. Parabéns!

rcunha disse...

Uma bela descrição.
O Brigadeiro Francisco Xavier da Cunha , era meu antepassado (Trisavô) , natural de Torres Vedras - Portugal.
Com efeito antes de seu casamento em Porto Alegre (RS) teve um filho que legitimou (era Sargento Mor à data ) no Rio de Janeiro que retornou a Portugal e deu origem ao ramo CUNHA da minha família.
Gostaria de ter algumas fotos do local.Será possível.??
Um bem haja.
Rui Cunha
rcunha4000@gmail.com

franke disse...

Parabéns, Dr. Adilcio Cadorin, um povo sem memória e cultura não tem futuro, lindas imagens e belo texto, um abralo bem xinxado do povo de Seara, cirofranke@yahoo.com.br

ADILCIO CADORIN disse...

Grato Ciro Franke. É muito bom saber que ainda existem pessoas que valorizam e preservam a história e a memória dos feitos de nossos ancestrais. Cadorin

Anônimo disse...

Rui Cunha, desculpe a demora em te responder, mas estou a tua disposição. Podes me dizer especificamente que fotos desejas que remeta e o endereço? Grato por teu esclarecedor comentário que enriqueceu a matéria histórica. Cadorin

rcunha disse...

Bom dia Dr. Candorin.
Muito obrigado por sua atenção.
Gostaria se possível ter a foto do Passo em si e outra do local se ainda existirem alguns vestígios onde se travou a batalha.
Segundo penso foi no registo de cobrança do imposto que fica no lado Rio Grandense ou estarei enganado.
O meu endereço é o rcunha4000@gmail.com
Aproveito para informar que a data certa de nascimento do Brigadeiro Cunha é o dia 3 de Dezembro de 1791 e a sua naturalidade Quinta da Marinha lugar do Varatojo , Município de Torres Vedras (região de Lisboa).
Um Bem Haja por seu contacto.
Atenciosamente
Rui Cunha

Unknown disse...

Que emoção poder entender um pouco da história do sul do Brasil . História cheia de dificuldades mas de honra ,orgulho e glória.Parabéns. Queria eu ter podido acompanhar esse maravilhoso grupo. Conheci a fazend do Cilio em 2010 . Pude fazer uma pequena cavalgada lá. Região maravilhosa. Quanto mais conheço essa região ,mais me encanto. Seu povo , sua geografia e sua história .

rckndr disse...

Que percorsso maravilhoso. Que lindo ler tudo isso. Fiquei com uma vontade danada de fazer igual - estar ali... paisagens lindas.
Muito obrigado por condividir.
Deixei o Brasil à muitos anos - 1986, moro em Roma à 33 anos - e me doí o coração pensar que a minha terra eu não conheço.
Ler e ver as fotos me deu um pouquinho de alegria e alimentou minha curiosidade.
Obrigado.
Andréa