Adilcio Cadorin*
Muito se tem escrito e falado sobre
Ana Maria de Jesus Ribeiro, a nossa Heroína Anita Garibaldi. É que sua
história foi extremamente atraente e
rica em ações, exemplos e fatos épicos que, ao conhecer, enlevamos nossa
condição de humanos que nos faz despertar sentimentos que nos projetam à um
plano ligeiramente acima de nosso cotidiano. Trata-se de uma mulher comum, mas potencializada pelas suas crenças,
mais decidida, mais rápida e muito mais corajosa. Embora sofresse dos mesmos conflitos
internos e das fragilidades dos humanos comuns, logrou supera-los com a força
de seus ideais e de suas paixões, numa arena de uma época muito mais difícil e dramática
do que a nossa. Em
nossas palestras e colóquios, após discorrermos sobre sua vida e história,
tornou-se recorrente as pessoas nos indagarem como era sua aparência, sua
fisionomia e sua constituição física, já que conhecida sua biografia escrita em
diversas línguas, por autores nacionais e estrangeiros, embora ainda existam algumas
de suas ações épicas que necessitam de maior aprofundamento investigativo.
Sua
ascendência é conhecida, e seus descendentes formaram inúmeras famílias que se
espraiaram por diversos países e continentes, que se orgulham e preservam as
glórias que lhes legou sua ancestral. Sua
naturalidade e nacionalidade restaram inúmeras vezes questionadas em virtude de
que não foi localizado seu certificado de batismo, o que elucidaria o local de
seu nascimento. Porém, este vazio de sua biografia foi definitivamente
preenchido e elucidado quando recorremos à Justiça, em 1998, que após sentença em processo que tramitou por dois anos, pôs fim às dissensões sustentadas,
que divergiam sobre o exato local e até o país onde teria nascido. Embora esta decisão ainda seja criticada por poucos que relutam em admitir a naturalidade lagunense, o fato é que sob o prisma da
legalidade, Anita é brasileira, catarinense e natural de Laguna.
Seus
feitos marcantes como guerreira sustentada pelos ventos libertários das
insurreições republicanas contra as monarquias dos quatros países dos dois
continentes onde lutou, igualmente já
foram investigados, confirmados e amplamente noticiados. O mesmo aconteceu com sua fidelidade e
dedicação ao homem que amou, nunca o abandonando, mesmo que lhe custasse sua
própria vida, como realmente aconteceu. Não
é diferente o conhecimento que temos de seu zelo e educação maternal que consagrou
aos seus quatro filhos. Até mesmo a compaixão e a assistência que dedicou aos
feridos nos confrontos, fossem companheiros ou inimigos, ficaram conhecidos e
historicamente comprovados. Também
conhecido o fato de que, mesmo tendo saído de Laguna quase analfabeta, em
poucos anos aculturou-se e ao falecer escrevia em português e falava
fluentemente quatro línguas: português, espanhol, italiano e o dialeto
piemontês. Sabe-se, ainda, que era exímia amazona e que faleceu com 28 anos, em avançado estado de
gravides de seu quinto filho, vítima de febre tifoide, tendo sido sepultada sete vezes. Portanto
está devidamente reconhecido quem foi Anita Garibaldi, o que fez, onde, porque,
como, com quem, quando e o que nos legou.
Existe, porém um relativo vazio a respeito das compleições e aparência física desta heroica personagem, vácuo este que tem nos intrigado desde muitos anos: como realmente eram os traços fisionômicos e a aparência física de Anita?
Existe, porém um relativo vazio a respeito das compleições e aparência física desta heroica personagem, vácuo este que tem nos intrigado desde muitos anos: como realmente eram os traços fisionômicos e a aparência física de Anita?
Vivendo
no período anterior a invenção da
fotografia, Anita não teve a ventura de dividir, enquanto viva, a gloria
que foi conferida ao seu companheiro Giuseppe Garibaldi - Il Condutiere, cujas fotos ajudaram a transforma-lo em um
mito ainda em vida, graças a mais de uma centena dos seus registros
fotográficos que foram preservados. Lamentavelmente,
a mesma sorte não teve Anita, pois havia falecido cerca de vinte anos antes deste invento, já que pereceu durante o
primeiro período das guerras pela unificação da Península itálica, que aconteceu
somente num terceiro momento, depois de
muitos combates. O longo período e a protuberância de fatos épicos ocorridos no lapso temporal de 23 anos, contados de sua morte (1849)
até a unificação italiana (1871), fez com que a importância dos
feitos de Anita fossem esquecidos,
resgatados somente muitos anos após.
As
únicas descrições de Anita publicadas enquanto ela vivia foram registradas por dois
jornais italianos, quando noticiaram sua
chegada à Gênova, em 1848, que logo a denominaram “La Brunetta di Garibaldi”, ou seja “A Moreninha do Garibaldi”, revelando-nos ser morena sua epiderme.
Segundo o filho Ricciotti, este é o "verdadeiro retrato de minha mãe". |
Mas no Museu do Rissorgimento, em Roma, existe outra pintura, um tanto diferente, feita por Gerolano Induno, que alguns oficiais garibaldinos contemporâneos de Anita afirmaram ser o mais parecido com seus verdadeiros traços fisionômicos.
Pintura de Anita por Gerolano Induno |
“...
Era Bela? Muito ao contrário! De pele
muito escura e traços não muito irregulares,: a varíola tinha marcado seu rosto visivelmente.
Malgrado isso, ninguém podia mira-la
senão com admiração e crescente
simpatia”¹.
Outro
importante registro foi anotado por Giacomo Lumbroso, em sua obra “Garibaldi”,
onde escreveu:
“Não bonita, mas atraente, de estatura média,
esbelta e flexível, de olhos e cabelos muito negros, de pele cor de azeitona, Anita
personalizava o tipo clássico de crioula; só no físico, entenda-se; pois que
toda sua vida, do dia em que se deu à Garibaldi, desmentiu plenamente aquela
fama de indolência e de languidez que se atribui por tradição à mulheres nascidas
sob o sol dos trópicos”.
Jasper
Ridley, em sua obra “Garibaldi”, editada em Londres em 1974, registrou que um senhor chamado Anacleto Bittencourt,
habitante de Laguna na época dos fatos e
que conheceu a Heroína pessoalmente,
narrou que era “...alta, troncuda, seios protuberantes, rosto oval coberto de
sardas, olhos negros e oblíquos e cabelos negros e soltos”
Gustavo
Von Hoffstetter, integrante das tropas
de Garibaldi durante o cerco de
Roma, descreveu Anita como “uma
mulher de vinte e oito anos, de cor bastante
morena, de linhas interessantes, delicadíssima de corpo e, ao primeiro
olhar, se distinguia nela uma
amazona...”
Depois
de sua morte, graças aos registros do inquérito policial que foi instaurado e
de seu exame cadavérico, constatou-se
que possuía “cerca
de um metro e dois terços de altura”, conforme constou no ofício de
12/08/1849 do Delegado Lovatelli de Ravenna, endereçado ao Comissario de
Polícia Bologna², estatura confirmada
pelas medidas tiradas do vestido
que ela havia recebido de presente em Cetona, que hoje se encontra no Museu da
República de San Marino.
Além
destes, existem outros relatos preservados, todos alinhados e que nos permitem
concluir que Anita possuía estatura de aproximadamente de 1,65 metros de altura,
olhos grandes, pele morena, cabelos pretos, lisos, compridos e normalmente presos, sardas
no rosto, boca fina e busto avantajado que a obrigava a vestir-se como homem
nos momentos de luta.
Os
depoimentos existentes, associados às duas pinturas discutidas nos conferem as
condições básicas para que possamos constituir seus traços fisionômicos que, embora
muito importantes, não são tão necessários
para que reverenciemos sua memória, pois foi por sua forma de agir, pelos seus pensamentos, suas ações, sua paixão, sua fidelidade e atos de coragem
em defesa dos ideais republicanos pelos quais lutou e imolou sua vida, que
amalgamou os títulos de “Mãe da Pátria Italiana”, “Heroína de Dois Mundos” e teve seu nome gravado no Panteão dos Heróis Brasileiros.
1- Cópia desta carta encontra-se no acervo do Prof. Wolfgang Ludowig Rau, que pertence ao Municipio de Laguna e
está exposto junto a UDESC de Laguna;
2- Idem, idem.
*Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi.
*Advogado, historiador, membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e fundador do CulturAnita - Instituto Cultural Anita Garibaldi.