Adilcio Cadorin*
A Revolução Farroupilha foi um acontecimento épico e bélico desencadeado por importantes segmentos econômicos e sociais da Região Sul, contrários ao governo imperial brasileiro, que foi deflagrada em 20 de setembro de 1835 em Porto Alegre, que expandiu-se para toda a então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e para grande parte da Província de Santa Catarina.
O descontentamento pela falta de maior
autonomia administrativa e a contínua imposição de nomes para ocuparem o cargo
de presidente da Província nomeados pela Monarquia à revelia dos partidos
políticos, das autoridades militares e dos
produtores, motivou a
revolta, cujo objetivo inicial era depor e substituir o modelo de indicação do
nome do Presidente, que normalmente governava com mão de ferro e com ações que
favoreciam exclusivamente aos interesses monárquicos, sem nenhuma
sensibilidade com as necessidades sulistas.
Aliado a este fator, o excesso de
tributação incidente sobre a produção pecuária, principalmente sobre o couro e
o charque, foram os fatores determinantes para a eclosão do conflito.
No dia 20 de setembro, comandados por
Bento Gonçalves, os farroupilhas dominaram e tomaram Porto Alegre, obrigando a
tropa imperial e o Presidente da Província - Antonio Rodrigues Fernandes Braga a retirarem-se de Porto
Alegre. Em seu lugar indicaram como Presidente Marciano Pereira Ribeiro. Na
sequência Bento Gonçalves remeteu ao Regente do Império um documento solicitando
que o ato de rebeldia fosse compreendido como resposta às injustiças que o
Poder Central cometia com o Rio Grande, ou então “com a espada na mão saberemos morrer com honra ou viver com liberdade...” e que
“... é obra difícil senão
impossível, escravizar o Rio Grande ...
e de sua resposta depende o
sossego do Brasil ... e dela também
poderá resultar uma luta sangrenta, a ruína de uma província ou a formação de
um novo Estado dentro do Brasil”.
No entanto, a Regência Monárquica ignorou a postulação e manteve o nome de Antonio Braga como Presidente, mandando navios e reforços militares para combater a insubordinação, fato que obrigou os farroupilhas a proclamarem a República Riograndense em 11 de setembro de 1836, após seguidas vitórias em diversos combates. Embora Bento Gonçalves, líder dos farrapos, tenha sido preso no combate da Ilha de Fanfa, o fato não impediu que, uma vez proclamada a República Riograndense, fosse convocada uma Assembleia Constituinte, que aconteceu na cidade de Piratini, quando Bento Gonçalves foi eleito seu Presidente.
No entanto, a Regência Monárquica ignorou a postulação e manteve o nome de Antonio Braga como Presidente, mandando navios e reforços militares para combater a insubordinação, fato que obrigou os farroupilhas a proclamarem a República Riograndense em 11 de setembro de 1836, após seguidas vitórias em diversos combates. Embora Bento Gonçalves, líder dos farrapos, tenha sido preso no combate da Ilha de Fanfa, o fato não impediu que, uma vez proclamada a República Riograndense, fosse convocada uma Assembleia Constituinte, que aconteceu na cidade de Piratini, quando Bento Gonçalves foi eleito seu Presidente.
Bento Gonçalves da Silva - Presidente da República Riograndense |
Como a Jovem República constatou que
sua existência dependia de acesso a um porto que lhes dessem saída
para o mar, idealizaram tomar o Porto da cidade de Laguna e ali proclamar uma
segunda república, com dois objetivos: expandir a revolta e assim enfraquecer
os esforços bélicos da Monarquia, e disporem de um porto para apoio logístico e
comércio exterior.
Por ser cidade portuária de onde
partiram as primeiras famílias para a ocupação portuguesa do território do Rio
Grande do Sul, Laguna exercia importante influência no desenvolvimento
econômico sulista, pois na Região Sul existiam apenas dois portos, e Laguna possuía
um deles. E por ali escoavam a produção do charque, couros e outros produtos
primários, que sofriam a mesma excessiva tributação, gerando igual sentimento
de insatisfação que permeava dentre os produtores, comerciantes, religiosos e
muitos oficiais militares acantonados em Lages, em São José e em Laguna,
fazendo coro com a elite riograndense insatisfeita.
Em virtude destes liames que unia riograndenses e
catarinenses, logo após a eclosão da Revolução Farroupilha, a cidade de Laguna
passou a produzir e a enviar pólvora para os farrapos, fato que em julho de
1836 obrigou o Ministro da Justiça do Império a exigir do Presidente da Província de Santa
Catarina providências enérgicas para coibir a produção e embarques clandestinos de pólvora. Antes,
ainda em Laguna, no mês de março de 1836, alguns oficiais e diversos soldados
imperiais foram presos por terem se recusado a integrarem um contingente que
deveria combater os farroupilhas na divisa com a Província do Rio Grande do
Sul. As prisões aumentaram a insubordinação e o povo foi às ruas, exigindo a
deposição da autoridade monárquica, que era representada pelo Coronel Silva
França. O clima de inconformidade e de conspiração em Laguna foi de tamanha
envergadura que Silva França teve que abandonar a cidade e informou
justificando aos seus superiores que “convulsionado estava o distrito de
Laguna pois a maioria da população
comunga das mesmas ideias que agitam os filhos do Rio Grande...”
No ano seguinte, um piquete
farroupilha, liderados pelo Coronel Filipe de Souza Leão, alcunhado de “Coronel
Capote”, desceu dos Campos de Cima da Serra, invadiu Araranguá onde
engrossou suas fileiras e praticamente sem
resistência, afugentou a Guarda Imperial, acampando com sua tropa no Camacho e depois na Carniça
(hoje Campos Verdes), de onde controlou toda a margem direita do Rio Tubarão,
até o campo da Passagem da Barra. A seu comando vieram unir-se voluntariamente
um considerável grupo de civis lagunenses liderados por Marcelino Soares da
Silva, que comungavam das ideias republicanas. Limitados pelo número de
soldados e impossibilitados de transporem o Rio Tubarão para tomarem Laguna,
que possuía um grande contingente militar, permaneceram acampados aguardando os
reforços para a execução do plano engendrado pelo alto comando farroupilha para
invadir Laguna, que seria executado por duas frentes: o General Davi Canabarro comandando cerca de
1200 homens marcharia por terra, partindo de Viamão, enquanto que Giuseppe
Garibaldi atacaria por mar com os dois únicos e pequenos barcos da Marinha da
República Riograndense: o Farroupilha e o Seival.
Singrando pela Lagoa dos Patos, mas
impedido de sair ao mar pelo bloqueio imperial do Porto de Rio Grande,
Garibaldi transportou seus dois lanchões
por terra, colocados sobre dois carretões com rodas de mais de três metros de diâmetro, tracionados
por 200 bois, que percorreram cerca de 90 quilômetros por terra, das nascentes
do Rio Capivari até a Lagoa de Tramandaí, por cuja barra saiu para mar e embicou rumo à Laguna. No entanto, uma forte borrasca afundou o
lanchão Farroupilha na foz do Rio Urussanga, salvando-se Garibaldi, mas
perecendo diversos compatriotas italianos que também lutavam pela República
Riograndense.
Barco Seival |
Seival em 1900, consumido por incêndio |
Junto à Barra do Camacho, Garibaldi
encontrou o Seival que havia superado a tempestade. Para burlar o
bloqueio da entrada da Barra que dava acesso ao porto de Laguna, onde a Marinha
Imperial mantinha cinco barcos equipados com canhões, Garibaldi introduziu o
Seival no Canal da Barra do Camacho e navegou pelo complexo de lagos até
atingir o Rio Tubarão, por onde conseguiu atacar pela retaguarda quatro navios imperiais, que surpreendidos e
assustados foram facilmente derrotados, sendo
apreendidos os navios Lagunense, Itaparica, e Santana.
Na mesma tarde de 22 de julho de
1839, com 40 homens Giuseppe Garibaldi
dirigiu-se para o Cais do Porto e com um último combate, assenhorou-se
da cidade de Laguna, onde horas após chegaram
o batalhão dos Lanceiros Negros comandados pelo Coronel Teixeira Nunes e
mais tarde a tropa farroupilha comandada
por Davi Canabarro.
Como comandante das forças de ocupação,
Canabarro enviou à Câmara de Vereadores
um documento sugerindo a
proclamação de uma república independente e a secessão do Império Brasileiro,
no que foi aceito por votação unanime ocorrida na sessão do dia 29 de julho.
A histórica sessão foi presidida por Vicente Francisco de Oliveira e dela participaram os vereadores Domingos Custódio de Souza, Antonio José de Freitas, José Pereira Carpes, Floriano José de Andrade e Emanuel da Silva Leal, que proclamaram a independência do Estado Catarinense Livre, Constitucional e Independente, adotando o sistema republicano, que passou a ser conhecida como República Catarinense. Até que fosse eleita uma Assembleia Constituinte que dotasse a República Catarinense com uma Constituição, em 7 de agosto foi eleito provisoriamente o comandante da unidade militar imperial de S. José, Coronel Joaquim Xavier das Neves como seu Presidente e o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro como Vice-Presidente, republicano e parlamentarista convicto.
General Davi Canabarro |
A histórica sessão foi presidida por Vicente Francisco de Oliveira e dela participaram os vereadores Domingos Custódio de Souza, Antonio José de Freitas, José Pereira Carpes, Floriano José de Andrade e Emanuel da Silva Leal, que proclamaram a independência do Estado Catarinense Livre, Constitucional e Independente, adotando o sistema republicano, que passou a ser conhecida como República Catarinense. Até que fosse eleita uma Assembleia Constituinte que dotasse a República Catarinense com uma Constituição, em 7 de agosto foi eleito provisoriamente o comandante da unidade militar imperial de S. José, Coronel Joaquim Xavier das Neves como seu Presidente e o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro como Vice-Presidente, republicano e parlamentarista convicto.
Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro - Presidente da Republica Catarinense |
Como o Coronel Joaquim estava sendo
coagido e pressionado pelo Presidente da
Província de Santa Catarina para não assumir o posto de Presidente da
República Catarinense, assumiu o Vice- Presidente, que imediatamente tomou diversas
providencias para a formação da Republica, convocando eleições que em 10 de agosto elegeu por voto direto da
população o Corpo Governativo da República, que
ficou composto por Antonio Jose
Machado (123 votos), Vicente Francisco de Oliveira (110 votos), Joaquim José da
Costa (104 votos), João Antonio de Oliveira Tavares (91 votos), Padre
Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro (82
votos), Antonio de Souza Medeiros (80
votos) e Padre João Jacinto Joaquim (74 votos). Foram criados apenas dois
ministérios: dos Negócios da Fazenda, Interior e Justiça, para o qual foi nomeado João Antonio de Oliveira Tavares
e o Ministério da Guerra, Marinha e
Exterior, sendo indicado como titular Antonio Claudino de Souza Medeiros.
Em virtude da formação democrática do
Presidente Padre Vicente, que conflitava
com os procedimentos ditados pelas urgências militares comandadas por
Canabarro, surgiram atritos do Comando
Militar com o Governo Civil, fator preponderante que retardou diversas
operações militares e desencadeou as consequências que culminaram com a
extinção da novel República Catarinense no mesmo ano de 1839, em 15 de
novembro, quando foram derrotados pela Marinha Imperial na maior batalha naval acontecida
em águas territoriais brasileiras.
Embora tenha sucumbida
a República Catarinense e os farroupilhas tenham se retirado de Laguna,
contrariando a vontade de Canabarro, o Coronel Teixeira Nunes, juntamente com
Giuseppe e Anita Garibaldi, permaneceram em território catarinense, subiram a
Serra Geral e junto ao Rio Pelotas, no local conhecido como Registro do Passo de Santa Vitória, em 14 de dezembro de
1839, com apenas quinhentos farrapos
derrotaram dois mil imperiais, tomando a cidade de Lages, mas foram derrotados em
12 de janeiro 1840 no Capão da Mortandade, em Curitibanos.
A partir de então a Revolução
Farroupilha cingiu-se ao território Riograndense e em 1842, o Governo Imperial
nomeou Luiz Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, para comandar as ações
com objetivo de finalizar o conflito separatista.
Depois de diversos confrontos onde se alternaram vitórias e derrotas, foi negociado um acordo de paz, e em 01 de
março de 1845 foi proclamada a
pacificação com base nas condições estabelecidas pelo Tratado do Ponche Verde,
que anistiou e incorporou ao Exército Nacional todos os oficiais revoltosos,
sem perda de suas patentes, tendo o Império assumido todas as dívidas
contraídas pelos republicanos, além de terem reconhecido o direito das
lideranças sulistas indicarem o presidente da
Província.
Embora a Revolução Farroupilha seja
conhecida como ocorrida no Rio Grande do Sul, não há como negar que sem a
participação de Santa Catarina, a
Revolução não teria alcançado a
marca da revolta de maior duração
acontecida no Brasil.
Não foi somente o território
catarinense e o Porto de Laguna que serviram como expansão para sustentação dos
confrontos e o enfraquecimento das forças imperiais que deram sobrevida e
longevidade à Revolução Farroupilha. Houve também a decisiva participação de vultos
lagunenses, que não apenas emprestaram suas inteligências e vidas nos
confrontos, mas que também exerceram funções importantes em outras frentes,
sustentando a república ideologicamente, seja nos parlamentos, nas igrejas, nas
organizações civis e nos combates.
Além dos citados acima, centenas de
lagunenses que a história insiste em mantê-los anônimos, imolaram suas vidas em prol da causa
republicana.
Um destes ícones lagunenses foi o padre
João Antonio de Santa Bárbara, nascido em Laguna, cujo nome original era João
Inácio Pereira, ideólogo republicano com formação liberal e deputado
constituinte da República Riograndense, eleito com 2841 votos, que em 1821 já havia sido eleito deputado
junto às Cortes de Lisboa.
Logo que eclodiu a revolta, postou-se ao lado dos
farroupilhas. Era excelente tribuno, tanto em seus discursos políticos quanto
em suas prédicas religiosas, em cujas oratórias externava conhecimentos
doutrinários e filosóficos que davam sustentação às suas pregações em prol do regime
republicano. Ao ser eleito, trabalhou ostensivamente até 1837, quando foi elaborada
a Constituição da República Riograndense, tendo participado da sua promulgação.
Depois da Revolução Farroupilha ter sido pacificada, foi reeleito mais duas
vezes e exerceu a função de deputado provincial no Rio Grande do Sul até 1857. Mercê
de sua notoriedade como professor doutrinário, teve a honra de ter o Imperador
D. Pedro II como um de seus ouvintes em aula que ministrava. Sua eloquência sensibilizou o Imperador, que
em 2 de dezembro de 1845 lhe outorgou a insígnia de Cavaleiro da Ordem de
Cristo.
Padre João Inácio Pereira, depois Rev. João Antonio de Santa Barbara - Deputado Farroupilha |
Jerônimo Francisco Coelho - Lagunense e Ministro da Guerra |
No entanto, o maior vulto feminino que
emergiu nesta epopeica revolução, foi sem dúvida alguma a da lagunense Ana
Maria de Jesus Ribeiro – a Anita Garibaldi, que mesmo enfrentando duros
combates e as barreiras do preconceito, sua coragem serviu de exemplo nas
encarniçadas lutas, motivada por sua lealdade à causa republicana, sem jamais descuidar-se do amor e da fidelidade dedicada ao seu homem
e da maternidade que devotou a seus
filhos. Se colacionada com as maiores expressões da Revolução, sejam farrapos
ou imperais, a nível internacional, constata-se que nenhum deles alçou a
incrível proeza de ser considerada heroína em dois continentes e mãe de uma
pátria do outro lado do Oceano, muito distante da sua.
Combatente dos regimes despóticos,
precursora do movimento republicano,
emancipacionista, indulgente com seus inimigos feridos, defensora das
igualdades femininas e senhora de uma forte personalidade, erigiu um legado colossal,
que pode ser mensurado pelo fato de que seus restos mortais peregrinaram em
sete sepultamentos, e a simples citação de seu nome, mesmo após sua morte, foi suficiente para
despertar o ardor revolucionário que motivou a formação dos batalhões de combatentes que libertaram a
Península Itálica dos invasores que
impediam sua unificação.
Lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro ou Anita Garibaldi |
Monumento à Anita, em Roma, onde estão sepultados seus restos mortais |
* Advogado, fundador e diretor do
Instituto Cultural Anita Garibaldi. Membro do IHGSC - Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina