A VIAGEM
Desde muitos anos, quando tomei
conhecimento da Civilização Inca, que construiu um grande império na
Cordilheira dos Andes, que compreendeu quase toda costa oeste da América do
Sul, projetei um dia viajar e conhecer in loco sua fantástica história,
cultura, arquitetura, meios e técnicas de produção, estruturas administrativas
e sociais, dentre outros aspectos.
Muitas vezes me perguntei, depois
de saber através de leituras que o incas não conheciam a roda, como este
império pre-colombiano conseguiu locomover-se e transportar suas imensas
riquezas entre suas cidades através de seus mais de dez mil quilômetros de
caminhos e estradas, muitos dos quais pavimentados e que interligavam as
diversas regiões de onde hoje estão localizados o Perú, o Equador, a Colômbia, a Bolívia, o Chile e o norte da
Argentina ?
A curiosidade aumentava cada vez
que descobria uma nova característica desta sociedade andina, como, por
exemplo, o fato de não possuírem nenhum tipo de escrita e que, portanto, não
documentavam suas comunicações e nem registravam suas leis, ordens e regras para manterem a
organização administrativa e
política. Como faziam para manter a ordem e desenvolver mais de uma centena de cidades, muitas com ruas pavimentadas e edifícios
com até quatro andares, que ergueram nos
locais mais altos da Cordilheira do Andes, todas interligadas por um complexo
viário, hoje conhecido como Caminhos
dos Incas.
Assim, surgindo a oportunidade,
no início de junho/2017, embarquei para Cusco, antiga capital e local de
nascimento desta civilização, numa jornada que durou dez dias e que me
oportunizou, in loco, caminhar, sentir e vivenciar alguns destes locais
sagrados, hoje tombados como Patrimônio da Humanidade.
Acompanhado por minha companheira
Ivete e mais o casal amigo Marilda Mendes
e Jorge Laranjeira, aterrissamos em Lima, capital do Peru, antiga Ciudad de Los Reis, que foi fundada em 1534 por Francisco
Pizaro, um espanhol analfabeto e filho ilegítimo de nobre espanhol, que, em 1532, após fundar no Panamá a Compañia
Del Levante, tendo por sócio Diogo del Almagro, também analfabeto e filho ilegítimo de outro
nobre espanhol, financiou uma expedição, cujos integrantes seriam
remunerados, através de um contrato de
risco, que dividiria os saques que amealhassem. Nesta aventura embarcaram 168
homens, sendo 62 a cavalo e 106 a pé.
Seu objetivo principal: descobrir e explorar as terras meridionais a oeste do
Novo Mundo, que por direito outorgado pelo
Papa e depois confirmada pelo
Tratado de Tordesilha, pertenciam ao Rei da Espanha.
Francisco Pizarro
CUSCO
De Lima embarcamos para Cusco,
num voo de apenas uma hora. Depois de nos acomodarmos em um hotel relativamente
confortável e localizado em uma estreita via, no alto de uma ladeira. Fomos
recebidos com a oferta de chá com folhas secas de coca, receita popular para
aliviar a sensação de fadiga ocasionada pela falta de oxigênio provocado pelos
3500 metros de altitude, fato que não afeta os nativos daquelas alturas porque possuem aproximadamente
dois litros a mais de sangue dos habitantes do nível do mar,
fazendo com que seus batimentos cardíacos sejam mais lentos, mas com sangue
suficiente para manter oxigenadas suas células.
Localizada ao Sul de Lima, Capital do Peru,
no vale do rio Huatanay, seu nome original era Qosqo, que no idioma oficial dos incas, o quechua, significava "umbigo", pelo fato de ter sido a
capital e o centro geográfico do Império Inca. Dali começavam os caminhos de
uma vasta rede de estradas com aproximadamente 10 mil quilômetros, ligando as
diversas cidades que pertenciam ao seu domínio, que até hoje são conhecidos
como Caminhos dos Incas. Digno de ser lembrado que como não conheciam a roda, este caminho eram usado apenas pelos caminhantes, lhamas e alpacas que eram utilizadas para o
transporte das mercadorias em seus lombos.
Considerado pelos incas como a
"morada dos deuses", Cusco exerce um grande fascínio.A lenda andina
conta que foi fundada por Manco Capac e Mama Ocllo, filhos do Deus
do Sol, que deixaram o Lago Titicaca
com a missão de encontrar um lugar que deveria ser o centro de um grande reino, o que teria
ocorrido por volta do século XIII.
A cidade possui cerca de
500 mil habitantes. É a capital do Departamiento de Cusco (equivalente a um estado brasileiro). Possui
uma vasta rede hoteleira e tem no turismo sua quase exclusiva fonte de renda, gerando milhares de empregos que
atendem uma horda diária de turistas oriundos de todas as nações,
principalmente de europeus e americanos. Foi tombada e reconhecida pela ONU
como Patrimônio Mundial da Humanidade. E com razão o tombamento, pois ao sairmos
do hotel nos deparamos com diferentes tipos de construções, diversas vezes centenárias,
com acentuadas características das edificações que também se encontram nas
antigas cidades espanholas, sendo a maioria de pedras com madeira, outras de
tijolos e ainda outras de adobe revestido.
Descemos a ladeira de
Santana, que nos conduziu à Plaza de Las Armas, no centro da cidade,
onde também encontramos intactas diversas
construções que foram edificadas pelos conquistadores espanhóis sobre onde
antes estavam construídas as vivendas e templos
dos incas, cujos vestígios podem ser vistos somente nas poucas pesquisas
arqueológicas que fazem.
Nesta praça, chamou nossa atenção
a Igreja, um monumento e o Mosteiro de S. Francisco, que embora ainda esteja em atividade, a parte mais antiga está
aberta à visitação, mediante o pagamento de dez soles, moeda peruana, cujo valor unitário correspondia a um real e dez centavos. Em seu
sub solo, está localizada uma catacumba, onde podem ser vistos os ossos de
dezenas de frades franciscanos, alguns considerados mártires, vitimados pelas
reações incas contrárias ao longo período de evangelização católica forçada.
Digno de ser visitado e admirado
é o monumento a Pachacútec, no centro da Plaza
de Las Armas, considerado o fundador
do Império Inca (veja sua história abaixo).
Durante as noites e em quase
todos os finais de semanas, as praças que estão localizadas no Centro, apresentam
eventos culturais, cívicos ou populares, como, por exemplo as feiras de
produtos típicos, sejam de gastronomia, artesanato ou de indumentária andina.
GASTRONOMIA
Rodeada por antigas construções
que abrigam dezenas de lojas que vendem coloridos tecidos, confecções típicas
dos povos andinos e uma infinidade de artesanato andino, a Plaza de Las Armas é também local para saborear as típicas
refeições nos restaurantes que ficam nos balcões acima das lojas de artesania, cujos pratos quase sempre
agregam as tradicionais papas
(batatas), preparadas e temperadas de formas bastante diversas, enriquecidos pela
enorme quantidade de ervas e sementes com que temperam, e pelo fato de que
existem cerca de dois mil e trezentos
tipos diferentes de papas nos Andes. A
quinoa é presença constante nos
cardápios, sempre como acompanhamento do prato principal, substituindo o arroz,
que também é consumido, mas em pequena escala. Porém, o mais típico e tradicional dos pratos
incas é o cui, equivalente ao nosso
preá, que é assado inteiro, desde a cabeça até as unhas, mas servido frio, que o torna gorduroso e não
muito apetitoso. Outro destaque são os pratos a base de carne de alpaca, elaborados
de diversas formas e que apresentam um
baixíssimo índice de gordura, seguida da carne de cordeiro e relegando a um
terceiro plano a bovina.
Merece realce o emprego constante
do choclo ou maís, nome que dão ao milho, que é muito utilizado em seus pratos e
também para produzir uma de suas bebidas típicas, a chicha morada. É elaborada com milho de grãos roxo e torrado, muito duro para mastigar e por
esse motivo é cozido em água para fazer a chicha
morada. O resultado é uma bebida doce
e refrescante, com especiarias sutis, além do cravo e canela, lembrando o gosto
de abacaxi. Servem gelado.
A diversidade de espécies e qualidades de milho impressiona. São cerca de setecentos tipos de milhos, variando a coloração de seus grãos, alguns brancos, outros amarelos, vermelhos, roxos, pretos e marrons, diferenciados também pela forma e tamanho de seus grãos e de suas espigas.
No entanto, é o
pisco sour a bebida mais
tradicional e consumida em todo Perú. É
um destilado da uva, tipo grappa italiana,
que é produzido especialmente na cidade de Pisco, de onde deriva seu nome. Pode ser encontrado em qualquer canto
do país e trata-se de uma mescla de pisco com suco de limão, clara de ovo e
xarope de açúcar, misturado com gelo e umas gotinhas de bitter, formando uma combinação
amarga e ao mesmo tempo doce. É a grande especialidade dos barmens andinos. Está
para os peruanos o que a cerveja é para os brasileiros.
Para confeccionar o chá, basta colocar as folhas em água fervendo, aguardar uns instantes e tomar. Nos mercados populares e na feira livre que encontramos em uma das praças de Cusco, a maioria das barracas vendiam folhas de coca desidratadas para serem mascadas, e também folhas já maceradas, formando uma farinha de cor verde, para adicionar ao café e nos sucos, largamente utilizada pelas padarias e confeitarias no fabrico de pães, bolos e tortas.
Na maioria dos lugares em que estivemos, fomos recepcionados com ofertas de chás de coca, tanto em Cusco, como em Puno e no Lago Titicaca. Trata-se de uma necessária opção para uma caminhada nas suas altas colinas ou após terminar um passeio pelas ruas das cidades, pois a sensação é relaxante e ao mesmo tempo revigorante.
Por último, registro que, embora seja proibido em muitos países, as folhas e o chá de coca são liberados no Peru. É muito comum encontrar, balas, sobremesas, sorvetes e chicletes elaborados a partir das folhas de coca.
Dado a sua diversidade e
qualidade gastronômica, os restaurantes peruanos oferecem múltiplos e distintos
pratos típicos, sempre a base de produtos regionais, variando conforme a
geografia e altitude, o que nos obriga a reconhecer que a cozinha peruana é
realmente uma das mais privilegiadas. Sem dúvida nenhuma, sua rica gastronomia dá
azo ao adágio que cultivam e os garçons repetem a todo instante: “panza llena, corazon contento”.
CAVALGANDO ATÉ UM PUEBLO INCA
Em nosso segundo dia em Cusco contratamos uma cavalgada de
algumas horas, partindo de um sítio, cerca de trinta quilômetros do centro.
Devidamente montados em cavalos extremamente dóceis e mansos, seguimos em
direção a Suspijo, pequeno e antigo pueblo inca, hoje apenas recinto arqueológico,
acessível apenas caminhando ou a cavalo, e que foi abandonado pelos Incas
quando em 1536 o Imperador Manco Inca resolveu romper a paz que haviam
celebrado com os espanhóis, e construir a cidade de Vilcabamba,
de onde manteriam a guerrilha contra os espanhóis até 1572.
Suspijo é um conjunto de edificações contíguas, edificadas com pedras,
com escadarias, e tradicionalmente com telhados
armados com madeira roliça e cobertura de capim. A exemplo de dezenas de outros antigos
povoados incas, estas ruínas aguardam recursos para serem escavadas,
pesquisadas e restauradas.
Na canhada das montanhas em que
estávamos durante a cavalgada, encontramos muitas ovelhas, zeladas
pelos atentos olhos de um pastor com seus cães, trajes e típico comportamento,
pois apoiado em seu cajado, pacientemente aguardava a lenta mobilidade de seu
rebanho. Adiante avistamos e fotografamos rebanhos de lhamas e de alpacas,
estas muito mais dóceis e menos arredias que as ovelhas, permitindo a
proximidade e até posando para selfies.
No mesmo dia, retornando à Cusco,
encontramos uma livraria (muito raras), onde buscamos literatura para
aprofundar um pouco mais o conhecimento sobre
os usos, costumes, tradições e outros aspectos dos antigos incas, que os
guias turísticos abordavam superficialmente e até divergiam em algumas
informações. A livraria nos permitiu penetrar
um pouco mais na história do povo que formou o grande Império Inca.
PUNO E O LAGO TITICACA
Em um dos dias de nossa viagem contratamos
um guia com seu taxi para conhecermos a cidade de Puno
e o Lago Titicaca, a 350 km de Cusco.
Talvez pelo fato de existirem em
grande quantidade e ser uma atividade sem muita regulamentação, os taxis são
muito baratos, se comparados com os preços brasileiros, pois uma corrida de
cerca de dez quilômetros, do aeroporto até o centro de Cusco custa apenas dez soles,
e ainda pode ser negociado o preço, porque não possuem taxímetro e nem tarifa
controlada pelos órgãos públicos.
Os peruanos utilizam como transporte urbano o mesmo veiculo que a população da Índia utiliza, que lá são conhecidos como tuc-tuc e aqui como toritos. Embora muito comum em todas as cidades peruanas, não os encontramos em Cusco, talvez pela excessiva quantidade de ladeiras que a cidade possui, já que os toritos não tem potencia suficiente para subi-las.
Partimos às três horas de
madrugada e chegamos em Puno às oito
horas. Durante a viagem o motorista/guia respondeu a todas nossas indagações,
demonstrando largo conhecimento da história inca e do Peru.
Com ruas íngremes que descem até a borda do lago, Puno foi fundada pós Império Inca. Também tem no turismo sua principal fonte de
renda, cuja maior atração é o Lago Titicaca ou Titiqaqa (na língua quéchua falada pelos incas), além de
diversas ruínas de antigos povoados
incas que circundam o Lago. A
região já era habitada por povos anteriores aos incas, os pucaras, que depois foram conquistados e integrados à civilização inca.
Os espanhóis utilizaram o lugar como acampamento para suas tropas, dando origem
ao nome de Puno, posto que significa “lugar de acampar ou dormir”. A cidade só
veio a ser fundada em 1668. Embora não tenhamos tido tempo para visitar,
soubemos que possui um animado mercado público, onde é possível comprar artigos
de artesanato e roupas de lã a preços bastante interessantes, geralmente
melhores do que em Cusco.
Alias, devo referir que em todos as cidades e
locais onde nos ofereceram produtos e nas lojas que entramos, ficamos surpresos
com os preços convidativos das coloridas mantas, palas, gorros, toalhas, cobertas,
blusas, meias, jaquetas e tudo o mais que deriva da lã das alpacas, das lhanas
e das ovelhas.
Segundo a lenda andina, foi nas águas do Titicaca que nasceu a civilização inca. O "Deus Sol" teria instruído seus
filhos Manco Capac e Mama Ocllo para procurarem um local ideal para seu povo, que o encontraram
onde hoje está Cusco, conforme narrado acima. Foi em uma de suas ilhas, a Isla del Sol, que teria sido o ponto de partida para os incas iniciarem o
domínio dos demais povos andinos.
Diversos sítios arqueológicos podem ser visitados ao
longo das margens do Titicaca, que
tem como principais habitantes os uros, descendentes
dos incas. Eles vivem, em geral, da pesca e do turismo.
Somente
agora o patrimônio arqueológico de Puno
e do Titicaca está começando a ser
desvendado, conforme comprovam as ruínas do templo encontrado há poucos anos,
localizado a vinte metros abaixo da superfície do Lago Titicaca e 3810 metros
acima do nível do mar. Este templo submerso possui duzentos metros de
cumprimento por cinquenta de largura. Teria sido construído pela Civilização
Tiwanaku, que dominou a região do
lago por mais de um milênio e desapareceu de repente, por causas desconhecidas,
por volta do século XI.
Segundo o arqueólogo Eduardo Pareja, da Direção
Nacional de Arqueologia da Bolívia, os tiwanacotas
criaram o primeiro Estado organizado do continente americano e cultivavam um
profundo respeito pela natureza, embora praticassem sacrifícios humanos macabros, mas que estavam
relacionados com a batata, sua cultura básica de subsistência. “Eles cortavam e enterravam a cabeça das
vítimas, como se as plantassem no solo. Era um símbolo de renascimento e de
fertilidade.”
É desconhecida a origem e o real significado do
nome Titicaca, embora existam
diversas e desencontradas explicações. Eric Von Daniken, em sua obra
Eram Os Deuses Astronautas levanta a hipotse de que o nome Titicaca
teria sido formado bem antes da civilização inca, após um grande bombardeamento aéreo de naves
extraterrestes, cujas bombas foram identificados pelos nativos como titicas e cacacas, nomes os nativos da época davam aos estrumes das suas
aves. Sobre o centro do Titicaca passa a linha imaginária que divide a Bolívia
e o Peru.
Conhecendo estes curiosos aspectos do Titicaca, deixamos o centro de Puno e fomos ao cais para embarcar
num catamarã que nos levou para conhecer
uma comunidade do povo urus,
que ainda habitam em ilhas flutuantes e artificiais, criadas a partir de raízes
de totora, nome que dão ao junco,
muito abundante na região lacustre. Depois de navegar por cerca de uma hora por
canais abertos em meio ao grande juncal, o catamarã aportou em um rústico e
modesto controle operado por três indivíduos da comunidade indígena, onde solicitamos
permissão ao seu chefe para entrarmos em seu domínio lacustre e nos indicar em
qual das ilhas poderíamos aportar e visitar sua gente e seu habitat.
No total são noventa e cinco diminutas ilhas
artificiais pertencentes aos urus,
todas formadas com torrões de juncos, com sua superfície revestida com diversas
camadas do mesmo junco. Cada uma destas ilhas possui pouco mais de cem
metros quadrados e é habitada por grupo de até sete famílias, que elegem um
prefeito e estes se submetem a autoridade de um presidente do arquipélogo. Quando
há necessidade, o presidente autoriza a
formação de uma nova ilha, desde que a mesma seja habitada por pelo menos três novas
famílias.
Ao descermos do barco, fomos saudados com rituais
musicais entoados por mulheres com suas
vistosas e coloridas roupas típicas. Na sequência fomos recebidos pelo prefeito
que nos explicou todo o procedimento manual para construir uma nova ilha
artificial, finalizando com uma exposição
e insistente pedidos para que comprássemos seus artesanatos, sua principal fonte de
renda.
A tarde embarcamos de volta e então começamos a descer o
altiplano de Puno, com mais de 4500 metros de altitude, em direção a Cusco,
oportunizando-nos visualizar as belezas que
nos era ofertada pela estrada que serpenteava as íngremes e nevadas montanhas
da majestosa Cordilheira dos Andes. Cruzamos por pequenas comunidades e pudemos observar vastos campos com uma vegetação rasteira muito pobre, que
não permite o pastoreio em larga escala, já que o solo tem origem vulcânica e
possui poucos nutrientes. Este fato, associado ao intenso frio noturno e
constantes ventos que varrem o altiplano,
limitam a lotação dos campos com bovinos, sendo bem mais comum avistar rebanhos de ovelhas, lhamas e alpacas.
De retorno e após degustar uma sopa de abóbora,
nos recolhemos para no dia seguinte
conhecermos Machu Pichu, que fica cerca de 180 quilômetros de Cusco.
MACHU PICHU
Quando o imperador inca resolveu
romper a paz que lhe havia sido imposta pelos conquistadores espanhóis, evadiu-se
de Cusco e ordenou a construção de uma nova cidade, onde reuniu e organizou
um novo exército capaz de voltar a fazer
guerra aos espanhóis. Para tanto escolheu um local do lado leste dos Andes, de
difícil acesso para os espanhóis. Fundou, então, Vilcabamba, a cidade que passou ser a capital do que restava do Império
Inca. Neste local, os incas nunca permitiram a entrada de europeus, nem mesmo dos
religiosos católicos.
Em 1536, liderados pelo Imperador
Manco Inca, os incas desencadearam a partir de Vilcabamba, uma guerra de guerrilhas
contra os acampamentos e fortificações
espanholas, até que finalmente, em 1572,
os espanhóis superaram as aprumadas barreiras geográficas, romperam as muralhas
e derrotaram o exército de Tupac Amaru – o último imperador inca, conquistando
e saqueando os imensos tesouros de Vilcabamba. Foi esta a última batalha que marcou a consolidação
do domínio dos espanhóis e a completa aniquilação do Império Inca.
Tupac
Amuru, seus filhos, esposa, generais
e nobres de sua corte foram presos e
levados para Cusco, onde foram torturados e executados, sendo que o
Imperador teve seus quatro membros
amarrados e atrelados a quatro cavalos, que partiram em quatro direções
diferentes, esquartejando-o publicamente, no mesmo local hoje está alçada uma grande estátua em sua homenagem.
A partir
de então nos séculos seguintes, Vilcabamba,
ficou abandonada e esquecida, mas manteve-se viva a centenária história de que foi
a Cidade Sagrada dos Incas, onde nenhum branco havia penetrado e onde havia
sido construído o derradeira palácio do último imperador.
Durante longo período estes
fatos despertaram a curiosidade de historiadores, sociólogos, arqueólogos e
caçadores de tesouros, em busca de fama se lograssem encontrar as ruínas de Vilcabamba.
Em 1911, o americano Hiram Binghan, atraído pelos mistérios que cercavam Vilcabamba, organizou uma expedição para descobrir suas ruínas.
Partiu de Cusco com uma equipe e com provisões, embrenhou-se nas matas e vales
da Cordilheira e em 24 de julho, com o auxílio de um menino de apenas 10 anos,
filho de um camponês, Binghan
encontrou o que julgou ser as
ruínas de Vilcabamba. Nos anos
seguintes organizou diversas expedições e conseguiu recursos para limpar e recuperar
o máximo das ruínas que estavam cobertas por densa vegetação. No entanto, somente em 1957, um ano após a
morte do explorador, é que as ruínas de Vilcabamba
foram encontradas, por outro explorador,
em local distante. O que Binghan
havia descoberto eram as ruínas de Machu
Pichu, que os incas também consideravam
como cidade sagrada, onde habitavam as Virgens do Deus Sol, cujo acesso era
permitido somente aos sacerdotes, à nobreza, aos chefes militares e ao
imperador.
Tínhamos duas opções de partir de
Cusco para chegar a Machu Pichu: a primeira alternativa seria de trem, cuja ferrovia com
aproximadamente 160 km corre paralela ao rio Vilcanota, que serpenteia
paredões de granitos maciços com até 800 metros de altura e cujo leito
ferroviário passa pela Hidroelétrica e termina junto a cidade de Aguas Calientes, e dali tomar uma van
para subir os últimos 20 km numa serpenteada rodovia que sobe cerca de 500
metros e que termina nos portais de Machu Pichu. A segunda alternativa
era tomar um micro ônibus com grupo de turistas e seguir por cerca de 140 km
por uma estrada asfaltada, e mais cerca de 40 km de uma estrada precária, sem
asfalto, extremamente estreita, que provoca um elevado consumo de adrenalina,
posto que seu leito estreito foi escavado nas rochas verticais, à centenas de
metros de altura, de onde se avista bem abaixo o rio Vilcanota.
Esta rodovia termina na Hidroelétrica e dali, como Aguas Calientes não tem
acesso rodoviário, segue-se de trem (único meio de transporte) até Aguas Calientes, ou pode-se ir a pé, caminhando
ao lado da ferrovia, distante 15 km, e depois dali subir até Machu Pichu com uma van.
Também por ser muito mais barato,
o optamos por queimar adrenalina. E como queimamos. O trecho inicial asfaltado
de 140 km oportunizou-nos paisagens espetaculares pelo subir e descer das diversas montanhas da Cordilheira.
Algumas com seus picos cobertos de neve.
Já o trajeto final de 40 km foi percorrido em uma precária,
estreita e íngreme estrada, literalmente
encravada nas encostas verticais das montanhas. A velocidade não podia passar
de 30 km/h e cada vez que nosso micro-ônibus encontrava uma outra van em direção
contrária, tinha que parar rente aos
penhascos para que o outro veículo passasse pelo lado, já que não tem como dois
veículos cruzarem estando os dois em movimento. Um deve aproximar-se dos
penhascos e estacionar, enquanto o outro cruza lentamente.
Sem mais adrenalina para queimar
e suor frio para derramar, chegamos na estação ferroviária de Hidroelétrica por
volta das 15 horas e depois de alguma espera,
embarcamos num vagão de trem com janelas de vidro no teto, portanto
panorâmico, que enquanto serpenteava pelo profundo vale, permitia que olhássemos
para o alto dos megalíticos atopetados.
Chegamos em Aguas Calientes por volta
das 17 horas. Como as vans que conduzem o grande número de turistas até Machu Pichu só operam durante o dia,
passamos a noite em um modesto hotel com quarto simples. Pródiga em
restaurantes que oferecem as mais variadas opções gastronômicas, Aguas Calientes é uma pequena cidade, muito organizada, totalmente
estruturada para os turistas, a quem oferecem uma infinidade de agências onde
se pode contratar viagens, passeios, caminhadas e outras atividades de
entretenimento das mais variadas, desde turismo cultural e contemplativo até os
esportes mais radicais, estes favorecidos pela espetacular geográfica
andina.
Na manhã seguinte, tínhamos opção
de subir os 400 metros de altura até Machu Pichu pelas escadarias, com cerca de
1200 degraus, ou ascender com as vans que ziguezagueiam a cada cinquenta
metros, montanha acima. Sessentões, sem muito fôlego provocado pela escassez de
oxigênio das alturas, optamos pelas
vans.
Antes de clarear o dia, com
temperatura inferior a 10ºC entramos na fila para apanhar uma das vans que, em contínuo
vai-e-vem, conduzem o máximo de seis mil visitantes diários à Machu Pichu. Cerca de quarenta minutos após, estávamos diante do portal que dá
acesso a Machu Pichu. No portal de
suas ruínas contratamos um dos muitos guias credenciados mediante o pagamento
de trinta solis por cada uma das pessoas que compunha o grupo formado no
momento e que nos acompanhou pelas
ruelas e inclinadas escadarias que compõem Machu
Pichu. Nos explicou que durante as escavações arqueológicas, foram
encontradas 173 esqueletos humanos, dos quais
80% eram de mulheres e somente 20% de homens, o que é justificado pelo fato
de que Machu Piuchu era uma cidade habitada
quase que exclusivamente por mulheres, as Virgens do
Sol, encarregadas de adorarem Inti,
o Deus Sol. Eram mantidas por um seleto grupo de famílias incas, que zelavam
por sua segurança, produziam alimentos e administravam a cidade.
Segundo estudos arqueológicos, no
período áureo, Machu Pichu possuía cerca de cinco mil
habitantes, que residiam em pouco mais de duzentas moradias.
Nos andenes, nomes que dão aos terraços construídos em forma de longos,
altos e largos degraus, os incas cultivavam o necessário para sua subsistência,
adaptando as diversas espécies de produtos agrícolas de acordo com a
temperatura e a humidade de cada degrau dos terraços, já que diferiam um do
outro.
Em meio as diversas construções
de pedra edificadas em diferentes níveis e planos, visitamos um relógio solar
esculpido em pedra e devidamente preservado. Bem próximo, em outra edificação
de pedra, há uma edícula onde mediam e identificavam as estações do ano,
através de orifícios em suas paredes por onde penetram os raios solares, demonstrando
conhecerem os solstícios de inverno e de verão, marcando o início e o final dos
períodos de plantações e das colheitas.
Surpreende a exatidão dos cortes
e os encaixes da pedras que utilizaram para edificar as centenas de construções
de Machu Pichu. O guia nos explicou que
os cortes das pedras eram feitos usando pedaços de hematita, mineral por nós
popularmente conhecido como “pedra-ferro” e que a utilizamos como matéria prima
na fundição e fabrico do ferro e do aço. Como possui uma densidade mineral
muito alta, além de pesada é muito dura, tornando-se propícia para servir como
ferramenta para entalhar as pedras de menos densidade e, portanto, mais fáceis
de serem trabalhadas. Cortavam os blocos de granito utilizando-se do sistema de
expansão da matéria, ou seja, onde pretendiam cortar a pedra, faziam diversos
furos lineares e após introduziam cunhas de madeira dura, porém seca. Logo a seguir
despejavam agua e as diversas cunhas de madeira se expandiam forçando o
rompimento da pedra.
Outro aspecto que chama a atenção
do visitante detalhista, são os diversos estilos de edificações, tanto das casas
como dos templos de Machu Pichu, que
segundo narrado pelo guia, a arquitetura diferia segundo a utilidade e por quem
seria utilizado a moradia ou templo.
Porém, observando mais atentamente, nota-se mais diferenças nos detalhes
das mesmas, mais exatamente na forma dos cortes e nos encaixes das pedras, posto
que em algumas edificações foram unidas com perfeição, sem nenhuma fresta em
seus encaixes e ângulos, enquanto outras
construções foram unidas com barro que tapam gretas bem maiores, acomodando
seixos com cortes irregulares, que não
se encaixavam perfeitamente.
Com muitos desníveis que exigem
razoável preparo físico para subir e descer as longas escadarias, Machu Pichu ainda preserva o antigo
acesso pela sua parte superior, onde se chegava pelo Caminho do Inca, sendo que em seu final há edificação que servia
como porta de acesso a cidade, que permanecia fechada e controlada por guardas,
já que por ser sagrada, as castas menos privilegiadas da população não tinham
acesso à cidade.
Visitamos ainda os locais que
serviram como depósito de alimentos, para produção de bens, altares onde sacrificavam
lhamas e alpacas, que abatidos os queimavam sobre um leito de folhas secas de
coca e de milho, tudo em homenagem ao Deus Sol (Inti). Também visitamos as praças onde eram celebradas o início e a
colheita das plantações, além de outros locais que aguçaram nossa curiosidade,
como, por exemplo, a sala das meditações, cujas paredes possuem fendas
quadradas escavadas nas rochas e que por serem de minerais propícios à
propagação do som, ouviam o eco das entonações que faziam com as cabeças
embocadas nas aberturas das fendas. Era uma forma de pedirem graças, meditarem
e entrarem em harmonia com os deuses que adoravam. Muito supersticiosos, adoravam
locais e objetos estranhos porque os imaginavam habitados por forças
sobrenaturais.
Os
grandes deuses dos incas eram as forças da natureza, principalmente o Sol (Inti) e a Lua (Mama Kilya), esta encarregada de regular os ciclos mestruais das
mulheres incas. Tinham na Mãe Terra (Pacha
Mama), a deusa que cuidava das coisas visíveis. Pachacamac era o deus responsável
pelo crescimento de todas as coisas, pai dos cereais, dos animais, dos pássaros
e dos seres humanos. A Deusa da Chuva (Apu
Llapu) era a divindade agrícola, evocada nas épocas de plantios e de
colheitas e principalmente durante os períodos de secas que, se perdurassem,
lhe ofertavam sacrifícios humanos, precedidos de grandes peregrinações aos
templos localizados em lugares mais altos, próximos ao Sol. Sobre todos estes
deuses reinava absoluto o Velho Homem dos Céus (Viracocha), o criador,
senhor e mestre do mundo, o pai de todos os demais deuses, a quem creditavam a
administração do destino de cada inca e dos planos invisíveis.
Eram cerca de 12 horas, com
temperatura bastante elevada, quando demos por encerrada nossa visitação à Machu Pichu. Enquanto aguardávamos a van
que nos levaria montanha abaixo até Aguas
Calientes, lanchamos bananas sentados em um parapeito no lado externo da
cidade sagrada e observamos que turistas, principalmente jovens, ainda concluíam
o acesso vindo de Aguas Calientes a
pé, pelas longas escadarias, cansados,
com jaquetas na cintura e, literalmente, de língua de fora.
Retornamos a Aguas Calientes, às 15 horas. Tomamos o trem até a Hidroelétrica, e de lá embarcamos em outra van que nos levou de volta a Cusco. Neste retorno, nova dose de adrenalina, pois
preterimos a serenidade e o conforto dos vagões de trem pela mesma estrada por
onde chegamos no dia anterior, desta vez com maiores sobressaltos, pois pelas
janelas abertas entrava muita poeira porque a van estava com seu ar
condicionado pifado. E o pior é que o motorista pilotava naquela vereda como se
estivesse num poeirento rali. E com apenas uma mão, ao mesmo tempo que digitava
e falava no celular. Eram 21 horas quando chegamos a Cusco, com a temperatura
agora bastante baixa.
Dia seguinte, optamos por
embarcar com um grupo de turistas em um micro ônibus para conhecer o Circuito
do Vale Sagrado, região distante cerca de duas horas de Cusco. Iniciamos parando
em um singelo e rudimentar povoado formado por casas construídas com adobe, onde
algumas mulheres descendentes dos incas e devidamente caracterizadas com seus
chapéus e coloridas roupas nos receberam
entoando suas típicas canções. Depois nos fizeram demonstrações de como seus ancestrais
produziam os fios da lã de alpaca, o processo de coloração e sua tecelagem utilizando
plantas e minerais da região andina. De forma rudimentar, tinham exposto razoável
quantidade de produtos agrícolas, destacando-se espigas de milhos das mais
variadas cores e tamanhos, batatas e uma pequena criação doméstica de cuis.
Embarcando
novamente, ainda no Vale Sagrado, fomos
visitar Moray, um
sítio arqueológico constituído de hipnotizantes ruínas de terraços circulares
que diminuem a medida que seus círculos se aprofundam, formando um imenso cone que
vai estreitando a medida que se aprofunda terra-a-dentro. Para quem observa do
alto, dá a impressão de que se trata de um anfiteatro, como muitos acreditavam.
No entanto, foi utilizada pelo Império Inca como uma espécie de estação
experimental, onde eram feitas experiências para aclimatação de culturas de
outras regiões, como a coca, por exemplo, que originariamente foi trazida da
Região Amazônica e aclimatada nos Andes. Os degraus dos terraços possuem pouco
mais de um metro de altura e cinco de largura, com cumprimento em forma de
circunferência que diminuem a medida que descem os degraus. Moray era uma espécie de
laboratório agrícola para determinar em que altitude, temperatura e umidade os
grãos cultivados teriam melhor desenvolvimento e produtividade. Em cada degrau
destes círculos, diferentes culturas era testadas. Depois de aprovadas e
aclimatadas, suas sementes e mudas eram distribuídas aos mais diversos
produtores do império. A diferença de temperatura entre os degraus do topo e o
do fundo deste imenso laboratório passa de 15°C.
Nossa próxima parada foi para conhecer a produção do decantado sal andino, extraído unicamente nas Salineras de Maras, um espetáculo impressionante para quem vislumbra o conjunto de salineiras do alto da montanha que lhe dá acesso. Indescritível visão!
Conforme nos explicado, há
milhões de anos a região era banhada por um oceano muito salgado, mas com o movimento
sísmico que ergueu a Cordilheira dos Andes, o mar recuou quilômetros. No
entanto, no interior de uma das montanhas, formou-se um grande lago subterrâneo
e muito salgado, de onde passou a escoar um minúsculo córrego montanha abaixo,
cuja água contém muito sal, de excelente qualidade.
O processo para retirada do sal é
simples: a medida que o córrego desce, inunda pequenos tanques de aproximadamente 150 metros quadrados cada,
com uma profundidade de meio metro. Quando está cheio, desviam o córrego para o
tanque seguinte. Estando cheio, o sol faz sua parte, evaporando a água em
aproximadamente 30 dias, deixando no leito do tanque três camadas de sal
mineralizado, sendo que a camada superficial é a flor do sal, que tem muitas
propriedades medicinais e é o mais procurado e mais caro; a segunda camada é do
sal rosa, que também possui propriedades terapêuticas e é utilizado
principalmente na cozinha. A terceira camada é formada por um sal impuro, utilizado
para fins industriais e agrícolas.
Finalmente,
em nosso derradeiro dia de estada nos Andes, resolvemos circular pelas largas calçadas de Cusco, conhecendo
mais feiras, artesanatos e descobrindo locais da antiga capital do Império
Inca.
O IMPERIO INCA
Localizada em um vale, rodeada
por montanhas que chegam a 3500 metros de altura, a cidade de Cusco foi o núcleo da expansão e a
capital do Império Inca. Na fase anterior a formação de seu
império, os incas eram uma etnia relativamente pequena e estavam limitados ao Pueblo de Cosco e arredores, enquanto
que nos Andes haviam diversos outros povos.
Num determinado momento, o povo chanca,
rivais que possuíam um bem organizado exército, portanto mais poderosos que os
incipientes incas, começaram a avançar
em direção a Cusco e para não
ser derrotado e morto, o chefe inca evadiu-se. No entanto, seu filho Cusi Yupanqui, resolveu resistir e fez
alianças com tribos vizinhas e em vez de esperar para ser atacado, atacou de
surpresa o exército chanca,
derrotando-o. Fortalecida sua liderança dentre os incas e tribos vizinhas,
declarou-se rei e destronou seu próprio pai. Adotou, então, o nome de Pachacútec , que significa “o agitador
da terra”, pois imediatamente após a vitória doou as terras conquistadas aos
aliados, exigindo em troca o cultivo das
mesmas para produção de alimentos em larga escala, de onde se originou seu novo
nome. Na sequência, deu início a expansão de seus domínios, subjugando e
anexando dezenas de outros pueblos. Para integra-los ao seu mando Pachacútec removeu os habitantes das
cidades dominadas anteriormente para as cidades dominadas posteriormente,
incorporando ao seu exército grande parcela de seus habitantes. Em poucos anos
formou o maior exército de índios da América, chegando a aproximadamente 200
mil homens, com os quais montou uma estrutura administrativa que mantinha a
unidade das regiões conquistadas e incorporadas. Inicialmente dividiu seu território em duas metades: Hurin
e Hanan, “para cima e para baixo” de Cusco.
Em seguida, para expandir-se ainda mais, essas duas metades foram
subdivididos em quatro regiões, conhecidas como Chinchaysuyo, Antisuyo, Collasuyo e Contisuyo. Por este motivo denominaram seu império de Thuantinsuyo, ou seja “as quatro partes
unidas”.
É considerado o ano 1438 como a data aproximada da coroação de Pachacútec e os quase 100 anos que se
passaram a partir de então até a chegada dos espanhóis, foram o período da grande expansão Inca, que
segundo os estudiosos, foi fundamentado
por um elevado desenvolvimento econômico e cultural, além da criação de
uma infraestrutura administrativa que repartia o comando das cidades, construia
habitações para a população, produzia e armazenava mantimentos, mesmo sem terem uma moeda.
Usavam o escambo como instrumento para fazerem circular seus bens. O sal era o bem maior e chegou a ser utilizado como
moeda, enquanto que o ouro, a prata e o cobre, tão cobiçados pelos espanhóis,
eram considerados apenas como instrumentos de adorno dos templos, das casas e das
pessoais, sem muito valor.
Nos conta Roseli Von Sass¹ que no
quinto ano de vida, as crianças incas recebiam um nome que era gravado numa
plaqueta redonda de ouro que representava o sol, a qual era pendurada numa fita
em torno do pescoço, da qual nunca se separava. Era a prova de pertencerem a Inti, o Deus Sol.
Em sua lingua não possuiam expressão correspondente a morte, já que a
conceituavam como “a grande viagem” e
uma vez que viviam sem culpas, não
temiam e ansiavam para embarcar na grande viagem. O nascimento era conhecido
como “a vinda”.
Sua organização política estava sedimentada em um sistema de castas, que era
dominado por uma elite, com uma economia distributiva, ou seja, a população podia possuir alguma terra, mas a
quase totalidade da sua produção era controlada pelo estado, que por sua vez,
distribuia as riquezas produzidas segundo as necessidades de sua elite e
necessidades da população. Praticamente toda
terra pertencia ao estado, que destinava parte aos religiosos e às
comunidades. Cada chefe de família tinha obrigação de dedicar tres meses de
trabalho por ano ao Imperador, que assim dispunha de uma enorme quantidade de mão de obra que era utilizada
para construir prédios para as administrações, templos religiosos, abrir e
pavimentar caminhos, cultivar plantações, criarem animais, tecerem, fabricarem
armas, garimparem e a servirem
exercito.
Embora não possuíssem escrita, os
seus imperadores dispunham de um número de sábios a seu serviços, que dentre
outras funções, eram chamados para pressagiarem as mais importantes decisões do
imperador e também para transmitirem aos jovens imperadores os conhecimentos,
as leis divinas e a história de seu povo. Para estas funções, os sábios liam os
quipos, que consistiam em barbantes coloridos
com uma infinidade de minuciosos nós que
registravam dados numéricos e recordatórios.
Após a conquista pelos espanhóis, a arte de ler os quipos se perdeu e a
historia dos incas foi-se esvanecendo a cada geração.
Ao receber esta informação, lembrei-me
que Louis Paulwes e Jaques Bergier, em sua obra²narram que “os quipos são barbantes com nós muito complicados e encontram-se entre
os incas e os pré-incas. Tratar-se-ia de
uma forma de escrita e teriam servido para exprimir idéias abstratas, sendo que
um dos melhores especialistas dos quipos, Nordenskiold, vê neles cálculos
matemáticos, horóscopos e métodos de prever o futuro”
Em virtude dos incas não terem adotado nenhum tipo de escrita, até o
presente momento não foram suficientemente esclarecidos todos os aspectos do
cotidiano anterior a conquista dos espanhóis, pois de acordo com as mais
variadas fontes que alimentaram a tradição oral, os cronistas espanhóis
imediatamente posteriores a época de sua
conquista conseguiram escrever mais de cincoenta crônicas, mas com variantes, dependendo da
fonte e dos locais que as embasaram.
Uma das mais fidedignas crônicas posteriores é um relato de um mestiço inca/espanhol
conhecido como Garcilaso de La Vega³,
escrita na Espanha e publicada cerca de cincoenta anos após o mesmo ter deixado
o Peru.
Outra de grande importância foi
escrita por Felipe Poma de Ayala4,
um inca de família nobre, nascido logo após domínio espanhol, que viveu o apocalipse do Império Inca e
passou grande parte de sua vida percorrendo os confins dos povoados incas com
seus manuscritos embaixo do braço, anotando grande parte de tudo que ouvia dos
remanescentes. Seu manuscrito possuía mais de mil páginas, acompanhado de
quatrocentas ilustrações feitas a mão. Além de relatos das crenças e costumes,
era uma denúncia contra as crueldades e os abusos praticados pelos espanhóis
contra os incas após a conquista. Ayala esperava que um dia chegasse às
mãos do Rei Espanha. Quando tinha 80 anos, o entregou em confiança a um
capitão de um barco espanhol para que o fizesse chegar às mãos do seu Rei, o
que jamais aconteceu. Em 1908 o manuscrito foi encontrado em uma
biblioteca de Copenhaguem...
A CONQUISTA DO IMPERIO INCA
Depois de ancorar na costa oeste do Peru,
Pizarro e seus homens entraram
terra a dentro, rumo oeste-leste. Quando chegou ao conhecimento de Ahtualpa, o Imperador Inca, que um grupo
de homens barbudos, com armaduras e
montados em monstros estavam e seus domínios, e em pequenos combates já haviam
matado alguns chefes incas, convocou um exercito de 80 mil incas e foi ao encontro dos invasores. Os espanhóis entrincheiraram-se
em Cajamarca. Cidade inca que havia
sido evacuada em virtude de uma peste
que tinha ocorrido ano antes. Era toda murada com apenas dois portões, uma
ampla praça e ao seu redor possuía diversas construções e templos.
Movido por sua supremacia militar e curiosidade, Ahtualpa resolveu aceitar o
convite de Pizzaro para parlamentar e entrou na cidadela acompanhado de
centenas de incas de sua guarda pessoal, enquanto os demais guerreiros cercaram toda a cidade. Após ouvir de um
irmão de Pizarro os motivos da presença dos estrangeiros, os espanhóis
decidiram mostrar a Ahtualpa o que eram capazes de fazer com os cavalos e suas
utilidades durante as guerras. Então um espanhol, montado a cavalo, com
armadura e elmo baixado, afastou-se da guarda do Imperador e depois de fazer o
cavalo relinchar diversas vezes e dar passos vistosos, virou-se e investiu velozmente e frontalmente contra a mesma guarda,
freando o cavalo bruscamente a pouco mais de dois metros. Assustados e
apavorados, os integrantes da guarda tropeçaram, cairam e fugiram, posto que
nunca haviam visto um animal de tamanha estatura, agilidade e ferocidade.
Passado o susto, marcaram então para o
dia seguinte novo encontro, porém antes
de se retirar, Ahtualpa deu ordem a seus generais para que todos quatrocentos membros do batalhão
de sua guarda fossem executados por mostrarem medo diante dos forasteiros,
infringindo as normas de disciplina do
incas. A ordem foi cumprida alí mesmo, no momento seguinte.
No encontro do dia seguinte, quando Ahtualpa e seu séquito de guerreiros
voltaram à praça, antes que Pizarro saísse do prédio onde estava, o padre Valverde
apresentou-se diante da comitiva imperial e leu uma proclamação que, em
nome de Deus, do Rei da Espanha e do Papa, exigiam submissão, obediência e
reconhecimento de que a Igreja Católica era “a
Senhora e Superiora do Universo e do Mundo”. Ao final da leitura, que era traduzida por
interprete, ameaçou que se não se submetessem, “com a ajuda de Deus nós entratremos poderosamente contra voces e faremos guerra por todas as partes e
lugares que pudermos .. e tomaremos vossas pessoas, esposas e filhos e os
faremos escravos ... e os venderemos... e também tomaremos seus bens ... lhes faremos todos os males e danos que pudermos ... e que estas mortes e danos
serão por suas culpas”5
Após a leitura, o padre dirigiu-se até Athualpa para entregar-lhe um exemplar da bíblia, mas foi barrado. Mesmo assim a biblia lhe
foi entregue por um dos seus generais e após tentar abri-la sem conseguir,
Atualpa, arremessou-a ao chão, o que fez o padre Valverde ficar possesso e a
vociferar ameaçadoramente. Nesse momento, os espanhóis que estavam
encastelados em algumas das edificações,
abriram as portas e deram diversas
descargas de canhões e bacamartes contra as hordas incas, provocando muitas mortes, pânico e confusão, enquanto um pequeno grupo de espanhóis rompia a golpes de espadas a guarda do
Imperador Athualpa, até aprisiona-lo
e leva-lo para o interior do prédio onde estavam abrigados.
Encarcerado, Athualpa foi obrigado a ordenar que seus soldados recuassem e
voltassem às cidades de origem. A seguir
os espanhóis exigiram que lhes
fossem entregues grandes quantidades de
ouro e de prata, com a promessa de libertar o Imperador, o que não aconteceu,
mesmo após o pagamento do resgate. Como partilha deste primeiro butin, Pizzaro amaelhou cerca de vinte mil quilos de ouro,
representados por estatuetas, pratos, taças, adornos e outros objetos
considerados sagrados pelos incas e um volume
muito maior de prata, também em objetos trabalhados e ricamente ornados.
Já em Cusco, fundido o ouro e a prata, Pizarro mandou distribuir o percentual
que tocava aos seus homens, recebendo
cada um 40 quilos de ouro e 80
quilos de prata.7
Pizarro conduziu Athualpa como seu prisioneiro até Cusco, adonando-se da
cidade com nova promessa de libertar o Imperador. Poucos meses após, em 26 de
junho de 1533, sob a acusação de que o Imperador havia ordenado secretamente um
ataque maciço à Cusco para
expulsa-los, os espanhóis executaram Athualpa e colocaram no trono seu irmão mais novo e rival, que já lutava para
destronar Athualpa antes dos
espanhóis chegarem. Coroado novo imperador, adotou o nome de Manco Inca.
No entanto, em 1536, cansado das
promessas não cumpridas de que os espanhóis iriam embora após o pagamento de cada uma das exigências
de novos resgates de ouro e de prata e das atrocidades que faziam contra seu
povo, Manco Inca evadiu-se e ordenou
o sitiamento de Cusco, que embora realizado por um exército de 200 mil
incas, não logrou expulsar os espanhóis.
Retirou-se então para para fundar uma nova capital de seu império, que
denominou de Vilcabamba, de onde
passou a resistir contra a ocupação
espanhola.
O último episódio desta luta foi a
execução trágica do jovem imperador Tupac
Amaru, o último dos filhos de Manco Inca, conforme já narrado.
Com os incas completamente dominados, os espanhóis impuseram sua
religião e transformaram templos e palácios incas em mansões
e igrejas coloniais. Cusco foi gradativamente se transformando em um símbolo
da miscigenação arquitetônica, cultural e social.
Em 1650 Cusco e áreas vizinhas foram palco de um grande terremoto que pos
por terras as poucas edificações originariamente incas que ainda não haviuam
sido demolidas e modificadas pelos
espanhóis. Na reconstrução predominou os
estilos da arquitetura espanhola, fazendo surgir uma nova missigenada cultura.
Posteriormente, Cusco foi palco
de vários movimentos de resistência andinos, como o de 1780, que foi liderado
por José Gabriel Condorcanqui, o Tupac
Amuru II, que se rebelou contra as reformas que as autoridades espanholas tentaram
implementar e que penalizavam ainda mais a população andina.
Quando José de San Martin declarou a independência do Perú, em abril de 1822, foi criado o Departamiento de Cusco. Mas foi somente em 1825, que os andino, liderados por Simon Bolivar, obtiveram a completa independência, desligando-se definitivamente da Coroa Espanhola.
Cusco é hoje conhecida como a Capital
Arqueológica da América, sendo um dos
mais importantes centros de turismo na América do Sul. É uma cidade cosmopolita
com muita história, com modernos serviços turísticos, noites agitadas com restaurantes, bares e discotecas onde transitam pessoas de todas as
nacionalidades, recebidos que são pelos
amáveis e gentis descendentes do grandioso Império Inca.
¹ - A Verdade Sobre os Incas – Editora Ordem do Graal – 1990 – 5ª. Edição
² - O Despertar
dos Mágicos – Editora Difel – 1980 - 16ª
Edição
3 - Los Últimos Dias de Los Incas – Kim Macquarie –
Editora Inkaterra – Lima- Pe
4 – Idem
5 - Idem
6 - Idem
7- Idem