ADILCIO CADORIN*
Quando no final do Século XVII, a
procura de prata e ouro os
lagunistas exploravam a vasta “Terra de Ninguém”, que compreendia
os territórios do atual Rio Grande do Sul, Uruguai e parte de Santa Catarina, a grande riqueza que encontraram foram
imensos rebanhos de gado selvagem, que haviam se criado e proliferado
naturalmente, a partir da sua introdução na Região Missioneira pelo jesuíta
espanhol Cristóvão Mendonça Orelhana.
O sebo, o couro e carnes deste
gado desencadearam levas de migrantes lagunistas, vicentistas e imigrantes portugueses que se fixaram neste imenso território, que
se dedicaram ao preamento deste gado orelhano, conduzindo-os para locais com aguadas e
pastagens rodeadas de acidentes naturais, onde deixavam os animais “estarem”
para posteriormente serem comercializados ou abatidos. Logo, os locais onde os animais “estanciavam” deram
origem às estâncias de criar, e as estâncias trouxeram mais povoadores, fazendo
surgir diversas vilas e cidades que se criaram durante o século XVIII.
Foi partir de 1767 que a região do “Continente
das Lagens” iniciou seu povoamento, dando origem a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens,
que foi oficialmente criada em 04 de
setembro de 1770 pelo bandeirante vicentista Correia Pinto.
Instalou-se, assim, este núcleo,
como consequência desta corrida povoadora no período que ficou conhecido como a
“Era do Couro”, posto este ser o produto mais valioso extraído deste gado que havia se criado livre e sem dono. No primeiro
momento, sua carne salgada foi destinada ao abastecimento das necessidades da força escravagista das fluorescentes
capitanias hereditárias e incipientes cidades do Brasil Colônia. Num segundo momento seus couros passaram a ser largamente exportados para a
Europa.
Lages comunicava-se com a Feira
de Sorocaba (SP), na época, maior centro consumidor de gado, pelo longo e difícil Caminho de Tropas, cujo gado e carretas eram tangidas em longas e
extenuantes tropeadas. Na volta de
Sorocaba os tropeiros traziam os insumos e mercadorias necessárias e
consumidas pelos estancieiros lageanos.
Para diminuir as distâncias, em
1771, Correia Pinto, o fundador de Lages, propôs à Câmara de Laguna
para que as duas vilas unissem esforços abrindo um caminho, ligando o planalto ao litoral,
permitindo que, através do Porto de Laguna, Lages tivesse ligação marítima com os centros
consumidores da Colônia e da Europa.
Em virtude da demora da Câmara de
Laguna aderir a sua proposta, Correia
Pinto contratou as suas expensas um
grupo de homens especialmente escolhidos para a abertura do que
inicialmente se denominou como “Caminho do Tubarão”, que na verdade era uma difícil trilha, principalmente no
trecho que cruzava a Serra Geral, onde muitas vezes os tropeiros viam despencarem penhasco
abaixo o gado e mulas carregadas de mercadorias
que conduziam. Daí decorreu a designação pejorativa utilizada pelos tropeiros que este não era um
caminho, mas um “picadão”, o Picadão da Serra.
A partir de então, por este
Picadão, os lageanos iniciaram a utilizar o Porto de Laguna para
venderem a courama, os sebos, o charque e num segundo momento, os produtos derivados, como arreios, queijos, manteigas,
pinhas, lãs e diversos outros que produziam em suas estâncias. Ao retornarem levavam nos seus cargueiros
muares tecidos, louças, armas, munições, pólvora, ferramentas, cutelaria, sal, peixes
secos, farinhas e toda sorte de mercadorias e produtos que consumiam em sua
faina campeira.
O comércio destes produtos era
feito com pagamento da moeda circulante, mais ou menos rara na época, o que
motivava a prática do escambo, ou seja, a troca de mercadorias que, para
facilitar e evitar que os animais cruzassem o Rio Tubarão, os lagunenses vinham
com suas embarcações a vela e a remo para o Poço Grande, local
até onde seus barcos podiam navegar.
Ali, na margem do Poço Grande do
Rio Tubarão era feita a mercancia e se consolidou a integração do planalto com o litoral
catarinense. Foi assim, fruto desta
integração dos tropeiros lageanos com os pescadores e comerciantes de Laguna
que nasceu a hoje orgulhosa cidade de Tubarão.
Posteriormente, este caminho,
sendo largamente utilizado, sofreu diversas melhorias, no seu traçado, com um sistemático
alargamento no decorrer dos tempos,
dando origem ao leito da hoje conhecida e serpenteada
estrada da Serra do Rio do Rastro.
Como forma de reverenciar toda
esta epopeia histórica, a Ordem dos Cavaleiros de Santa Catarina promove
anualmente uma cavalgada, de Lages a Tubarão, percurso de aproximadamente 300 km.
Neste ano de 2014, sob o comando do Presidente
Jose Sandrini, a Ordem dos Cavaleiros realizou a IX Cavalgada Pelo Picadão da Serra, que duraram oito dias
consecutivos, percorrendo em média 35 km por dia a cavalo.
Presente nesta tropeada, tive o prazer de fazer companhia aos cavaleiros e amazonas de diversas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, como Torres, Santa
Maria, Canoas, Lages, Laguna, Urubici, Painel, Tubarão, Garopaba, Penha,
Florianópolis, Palhoça, Imaruí, S. Ludgero, Grão Pará, Guabiruba, Brusque e Rio Rufino, todos com
suas respectivas equipes de apoio, sendo acompanhados pelo cinegrafista Marcos
Paixão, que registrou todos os momentos desta aventura para elaboração de documentário a ser apresentado oportunamente pela
TV UNISUL.
Saímos de Lages no dia 17 de maio
e além de diversos povoados e distritos,
passamos pelas cidades de Painel, Urupema, Rio Rufino, Urubici, Grão
Para, S. Ludgero e chegamos em Tubarão no dia 24. Evitando cavalgar por
estradas asfaltadas, andamos por campos abertos, vales, serras e trilhas. Batendo estribo e interagindo com a
flora e fauna silvestre, atravessamos pinheirais, matas nativas, cruzamos banhados,
sangas e diversos rios. Ao meio dia parávamos para descanso dos animais, para
lancharmos a beira de uma sanga com uma sombra para uma rápida sesta, recomeçando a troteada logo após, até o anoitecer.
No percurso, fomos acolhidos pelas autoridades e tradicionalistas das cidades onde passamos,
recebendo homenagens em reconhecimento a este resgate da epopéia dos antigos tropeiros que
deram vida a maioria das cidades por onde passamos.
* Advogado,
historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.