quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

QUANDO DESCOBERTA EM 1502, LAGUNA JÁ CONSTAVA EM MAPA MUNDI DO MESMO ANO DE1502 *



Adilcio Cadorin **

Em virtude dos descobrimentos que nos legaram as Grandes Navegações dos séculos XIV e XV,  passou a ter capital importância a atividade dos cartógrafos, normalmente contratados para elaborarem mapas e plantas, e muitas vezes acompanharem e registrarem as viagens e desembarques em terras estranhas, ainda não descobertas, além de reproduzirem os contornos geográficos, a medida que iam sendo descobertas, visitadas e exploradas novas terras. É evidente que não dispunham dos modernos equipamentos, e que as anotações, mapas e desenhos eram feitos de forma rudimentar, sem a exatidão das reais distâncias e geografia. Porém, para os pesquisadores e para nossa história, tais documentos revestem-se de fundamental importância, pois são fontes de informações preciosas.  Estes homens eram conhecidos como mestres de cartas de marear.  
Ao longo dos séculos muitas cartografias perderam-se, porém algumas foram localizadas e preservadas por instituições e bibliotecas.  Dentre estas destaca-se um mapa bastante polêmico, porém muito consultado e referido pela quase maioria dos historiadores. Trata-se do  Planisfério Manuscrito de Juan de La Cosa, de 1499, que hoje pode ser encontrado no Museu Naval de Madri, na Espanha. La Cosa havia sido mestre de cartas de marear de Cristóvão Colombo, em uma de suas viagens ao Novo Mundo, em 1492. Em 1499, com esta mesma função,  acompanhou  a expedição do espanhol Hojeda,  desenhando as Antilhas e o litoral da América. (LEITE -  Professor Duarte; História da Colonização Portuguesa do Brasil – Litografia Nacional do Porto – Lisboa -1921 – pg. 120).
  Para este trabalho, entretanto, o mais importante foi o mapa produzido pelo cartógrafo italiano Alberto Cantino, que além das terras que já eram conhecidas, retratou as novas terras descobertas por Portugal e Espanha. Este documento, que hoje está guardado na Biblioteca Estense, de Modena, na Itália, ficou conhecido como Planisfério de Cantino.
Interior da Biblioteca de Estense de Modena¹
Sua elaboração foi encomendada pelo Duque Hercules d’Este, de Ferrara, Itália, que era agente italiano do Rei de Portugal D. Manoel, que mandou mapear os domínios do seu reino. Segundo vertentes históricas, Cantino teria copiado de uma outra carta náutica de grandes dimensões, que estava exposta na sala das cartas na extinta Casa da Guiné e da Mina, em Lisboa, órgão que administrava a exploração e a colonização dos novos territórios descobertos e explorados pelos portugueses. À cópia que elaborou, Cantino teria acrescentado e registrado novas terras  descobertas e exploradas, socorrendo-se das informações já existentes  e nas informações trazidas por navegadores,  anteriores e imediatamente posteriores a 1500, que já  tinham feito navegações àquelas regiões que constariam em seu mapa. Também colheu  informações dos navegadores Bartolomeu Dias, Hojeda, Pinzon, Diogo de Lepe, Américo Vespúcio, Pedro Álvares Cabral e de Andre  Gonçalves, dentro outros.  O mapa detalhou as Antilhas, as três américas, o Pólo Norte, a África e a Europa, e foi concluído em setembro de 1502. (LEITE -  Professor Duarte;     História da Colonização Portuguesa do Brasil – Litografia Nacional do Porto – Lisboa -1921 – pg. 175).

 Posteriormente, as informações geográficas disponibilizadas pelo Planisfério de Cantino foram incluídas no Planisferio de Cavério, que, por sua vez, serviu como referência para a elaboração do Planisfério de Waldseemuller de 1507, este financiado pelo Duque da Lorena, onde pela primeira vez, foi denominado de América o novo continente descoberto por Cristovão Colombo. 
Examinando detalhadamente o histórico documento de Cantino, constatamos que  os pontos assinalados no litoral brasileiro são os seguintes: - Todo Estemos (toda região?) de água doce (refere-se a foz de Rio Amazonas), Cabo de São Jorge, São Miguel, Rio de São Franscisco, Abaia (Bahía) de Todos os Santos, Porto Seguro, A Bera (Vera) Cruz   e como último ponto ao sul,  assinalou o Cabo de Santa Marta, denominação esta  que identifica o local onde hoje está localizado o Farol de Santa Marta, no Município de Laguna. 
Considerando que alguns destes navegadores, de quem Cantino buscou subsídios, fizeram suas expedições em anos anteriores, antes de Cabral aqui chegar, pode-se concluir, com boa margem de segurança, que Laguna, através de seu mais importante  ponto geográfico, o Cabo de Santa Marta,  já era conhecido antes mesmo do Brasil ser oficialmente descoberto por Pedro Alvares Cabral.
É o que se deduz pelo fato de em 1498 o Rei de Portugal ter ordenado a Bartolomeu Dias uma navegação em direção aonde “é achada uma grande terra firme”,  informação esta originada em documento escrito e entregue ao Rei D. Manoel I por  Duarte Pacheco Pereira, que em 1494.havia liderado a delegação de diplomatas portugueses nas negociações com a Espanha para a elaboração do Tratado de Tordesilhas.  Homem de sua confiança, o Rei já havia encarregado  Duarte Pacheco de uma expedição secreta, organizada com o objetivo de reconhecer as regiões que lhe pertenciam após a demarcação do Tratado, partindo do Arquipélago d Cabo Verde em direção oeste, o que se acredita  teria ocasionado o descobrimento do Brasil em novembro ou dezembro de 1498, em algum ponto do Maranhã ou do Pará. 
Este incontroverso fato leva grande número de historiadores a acreditarem que  algumas das informações inseridas por Cantino em seu Planisfério tenham sido fornecidas por  Duarte Pacheco Pereira. Como resultado desta navegação secreta, Duarte Pacheco escreveu o Esmeraldo de Situ Orbis, documento montado em cinco partes, com um total de duzentas páginas, ali inserindo as coordenadas as geográficas e latitude e longitude de todos os portos conhecidos no seu tempo.
Duarte Pacheco Pereira²
 

Assim inicia o relato:  "Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela. É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente povoados."  (https://pt.wikipedia.org/wiki/EsmeraldodeSituOrbis).
 É este documento o primeiro roteiro de navegação português que se tem conhecimento mencionando o litoral brasileiro e a abundância de pau-brasil, redigido antes do descobrimento intencional do Brasil. 
Portanto, é possível deduzir que a  referência ao Cabo de Santa Marta no Planisfério de Cantino, associado ao teor do relatos das expedições secretas do navegadores precedentes à Cabral,  o Cabo de Santa Marta foi visitado por naus portuguesas antes do descobrimento do Brasil. Convém lembrar,  que o lado norte do Cabo  possui um porto natural, que é formado por uma pequena baía que é conhecida como Prainha, local onde os navegadores de antanho devem ter aportado em virtude da excelente condição de ancoragem que o ponto oferta. Porém, a história registra crédito ao navegador português André Afonso Gonçalves pela descoberta e a denominação do Cabo de Santa Marta, o que aconteceu em 1501, no dia que o catolicismo o consagra à Santa Marta, ou seja, dia 29 de julho. Há uma controvérsia sobre quem teria sido o capitão da expedição de 1501/1502, que  explorou e tomou posse de diversos acidentes geográficos no litoral brasileiro. 
 Alguns historiadores nacionais  afirmam que teria sido Gaspar de Lemos, enquanto que outros historiadores portugueses afirmam que o comando era de Gonçalo Coelho. Uma terceira vertente afirma que  a armada era comandada por Andre Gonçalves e outros ainda afirmam que era comandada por Afonso Gonçalves. A polêmica foi esclarecida após a publicação  do  historiador  Moacir Soares Pereira, em brilhante trabalho de pesquisa, que foi abalizada e  publicado pela  Revista da Universidade de Coimbra (Capitães, Naus e Caravelas da Armada de Cabral – 1979). A página 112 e seguintes, o historiador, após comprovar que foi André Gonçalves que percorreu e denominou os primeiros acidentes geográficos das 2500 milhas da costa do atual Rio Grande do Norte  até após o Rio Grande do Sul, informa que não ficou clareado se os navegadores quinhentistas  Andre Gonçalves e Afonso Gonçalves eram pessoas diferentes, acreditando serem uma única pessoa,  podendo ter havido troca ou omissão  de nomes nos documentos que registraram para a posteridade das navegações  praticadas pelos mesmos, já que as datas são coincidentes.
Segundo o historiador, existem probabilidades de se tratar da mesma pessoa, que poderia ter como nome André Afonso Gonçalves. Andre Gonçalves  era um plebeu, sem histórico de nobreza familiar, e foi o capitão do navio de mantimentos da expedição de Pedro Alvares Cabral que em 1500 “descobriu” o Brasil. Era o menor dos treze navios da armada (segundo os historiadores Capistrano de Abreu, Rio Branco e Candido Mendes de Almeida). Foi o mensageiro oficial, a mando de Cabral, que de Porto Seguro, retornou a Lisboa levando consigo uma pequena quantidade  de pau-brasil, alguns índios com suas redes, pequenos animais,  papagaios e outros objetos, além da  Carta de Pero Vaz de Caminha, que narrou e deu ciência do descobrimento  ao Rei de Portugal, enquanto Cabral prosseguiu sua viagem para as Índias. Cumprindo fielmente as ordens de Cabral, em sua viagem de retorno, André Gonçalves navegou rumo norte costeando a costa norte do continente descoberto, mapeando e denominando alguns acidentes geográficos.  Tão logo recebeu a notícia do descobrimento, para exercer o direito de posse sobre as terras descobertas,  o Rei de Portugal ordenou que nova expedição retornasse para explorar todo o litoral brasileiro. 
A expedição foi entregue ao comando de  Andre  Gonçalves. André Gonçalves partiu do rio do Tejo em maio de 1501 com a missão de explorar amplamente o litoral do Brasil, sendo esta a primeira expedição verdadeiramente exploradora da costa brasileira que se tem notícias. Junto consigo veio  o navegador italiano Américo Vespúcio, que após Cristovão  Colombo ter descoberto a América,  já havia participado de duas anteriores  expedições às terras da América Central, sob o patrocínio do Rei Espanhol.  A  expedição foi composta de três naus que chegaram à costa brasileira em agosto de 1501, ancorando os navios no hoje estado do Rio Grande do Norte, em local próximo ao acidente que denominaram de Cabo de São Roque.  Dali iniciaram  a exploração detalhada do nosso litoral, partindo rumo ao sul, fazendo sondagens, traçando cartas e roteiros, descobrindo,  tomando posse e dando nomes de santos católicos aos locais onde aportavam e onde encontravam algum acidente geográfico. Foi assim que  surgiram os primeiros nomes para os seguintes acidentes geográficos e locais de atracagem: Cabo de São Roque, denominado a 16 de agosto; Cabo de Santo Agostinho, a 28 do mesmo mês;  Rio de São Francisco, a 4 de outubro;  Baia de Todos os Santos, a 1 de novembro; Cabo de São Tomé, a 21 de dezembro; o Rio de Janeiro, a 1 de janeiro de 1502; Andra dos Reis, a 6 de janeiro de 1502; São Sebastião, a 20 de janeiro de 1502; São Vicente, a 22 de janeiro de 1502 e por fim o Cabo de Santa Marta, a 29 de julho de 1502. 
Quando a expedição chegou no Rio da Cananéia, no atual litoral Paulista, Américo Vespúcio assinalou que, pelo Tratado de Tordesilhas,  dali em direção ao sul terminavam os domínios portugueses no novo território descoberto e se iniciava o território que pertenceria à Espanha.  Querendo preservar seu relacionamento e negócios que manteve com o Rei da Espanha, do rio da Cananéia, Américo Vespúcio resolveu não continuar na expedição exploradora  em território espanhol, motivo pelo qual revolveu retornar para Lisboa. 
Entretanto, o capitão  Andre Gonçalves prosseguiu explorando o litoral sul do continente, ocasião que descobriu e denominou o Cabo de Santa Marta. Prosseguindo em direção ao Sul, alcançou as Ilhas Malvinas, de onde retornou.
 Parte destes fatos  foram transcritos em um documento que ficou conhecido como “Ato Notarial de Valentin Fernandes", redigido pelo próprio, que era um alemão radicado em Lisboa e exercia o cargo de tabelião, e que foi entregue ao Rei de Portugal em 1503, após o retorno à Lisboa desta  expedição comandada por Andre Gonçalves. Este Ato Notarial confirma a passagem da expedição que prosseguiu em direção ao sul, até à altura do polo antártico 53°, mas tendo encontrado um frio muito grande no mar, voltou para a pátria ...” (http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/106736/105363). Mesmo não estando presente, este último trecho da expedição também foi registrado na primeira Lettera de Américo Vespúcio, onde se insere que André  Gonçalves desceu até a altura das Ilhas Malvinas, mesmo sabendo que estes territórios, pelo Tratado de Tordesilhas,  estavam fora  dos domínio de Portugal. No último ponto que descobriram e tomaram posse foi a 29 de julho, dando ao acidente geográfico que encontraram o nome de  Cabo de Santa Marta, nome presentemente preservado, onde séculos após foi construído e até os dias de hoje se encontra em operação  o Farol de Santa Marta, a poucos minutos do Centro da cidade de Laguna/SC.
 No Planisfério de Cantino,  todo o litoral brasileiro foi desenhado sem muitas reentrâncias ou saliências, o que não aconteceu com o ponto onde está assinalado o Rio Amazonas e o Cabo de Santa Marta.
Planisfério de Cantino. No lado esquerdo, abaixo, o litoral do Brasil ³
Navegando pelo extenso litoral,  as  naus periodicamente abasteciam-se de víveres e de água potável, travando contato com os indígenas e com eles trocando quinquilharias por frutas e caças. Nestes pontos detinham-se tempo suficiente que lhes permitam conhecer e colocar maiores detalhes em seus diários de bordo, onde tudo era anotado, inclusive os acidentes geográficos que posteriormente serviram de subsídios para a elaboração dos rústicos mapas náuticos e cartas de marear.  
No litoral da América Central, Cantino assinalou pontos como Iha de los Canybales (Ilha dos Canibais) e Costa de Gente Brava (braba), o que significa que aportaram nestes locais, pois caso contrário, como poderiam saber que eram canibais e brabos os indígenas daquelas terras?

Detalhe do Planisfério de Cantino, mostrando o Cabo de Santa Marta
Deve ser enfatizado que hoje, geograficamente, o Cabo de Santa Marta não é um acidente geográfico que se destaca significativamente, se confrontados com outros que existem em nosso litoral, como, por exemplo, a Ilha de Santa Catarina, que não constou no mapa de Cantino.
 Consequentemente,  a importância e destaque que foi dado ao Cabo de Santa Marta,  deveu-se a presença em Laguna do navegador André Gonçalves, que aqui aportou em 29 de agosto de 1501.  
Em 1523 foi elaborado novo mapa, por um cartógrafo anônimo,  que ficou conhecido como  Mapa Anônimo de Turin, publicado pela Maps Ilustrating Early Discoveries and Exploration in América, da editora Luth Stevenson, onde  constata-se que o local onde está edificada a cidade de Laguna atualmente, foi assinalado o “Rio de Rodrigo... Laguna”. (DIAS – Carlos Malheiros; Historia da Colonização Portuguesa do Brasil; Litografia Nacional do Porto; Lisboa; 1923; pg. 423).
    Muitos são os mapas que referem-se ao litoral brasileiro e que foram  preservados, até hoje  existentes em diversas bibliotecas de cidades como Londres, Roma, Modena, Lisboa, Madrid, Rio de Janeiro e outras. Examinando-os, verifica-se que seus respectivos cartógrafos tentaram reproduzir em suas cartas náuticas os locais visitados pelos navegadores, registrando os contornos e acidentes geográficos encontrados, o que aconteceu diversas vezes nas três primeiras décadas após o descobrimento intencional do Brasil. Se comparados estes mapas entre sí, veremos que existem muitas variações sobre o desenho do litoral e as denominações dadas aos pontos geográficos e locais visitados. Por seus registros históricos, são dignos de serem  citados os cartógrafos abaixo, além dos já anteriormente referidos:  ao Anônimo pertencente ao acervo privado de E. T. Hamy, de 1504;  a Nicolau Cavério e seu Mapa de Cavério, de 1506; ao Anônimo responsável pelo Mapa de Kunstmann, de 1505/1506; a Ruysch e seu mapa O Novo Mundo e a Terra de Santa Cruz,  de 1508; a Gaspar Viegas e seu Mapa do Brasil, de 1534;  a Vesconti di Maiollo  e seu dois  Tota Terra de Santa Cruz de Re de Portogale, de 1519 e 1527; ao Anônimo Mapa de Turim, de 1523;  a Lázaro Lins com seu mapa de 1553; a  Martinus Waldseemüler e sua Carta Marina Navigatoria Portugalenses de 1507;  a Vaz Dourado e seu Atlas de Vaz Dourado do Século XVII; (LEITE- Prof. Duarte – A Exploração do Litoral do Brasil na Cartografia da Primeira Década do Século XVI, in a Historia da Colonização Portuguesa do Brasil - Litografia Nacional do Porto – Lisboa – 1923 – pg. 393). 
Importante acentuar de que alguns destes mapas  assinalam  a região da atual Laguna, embora empregando denominações e contornos geográficos um pouco diferentes, o que demonstra claramente que  este local foi visitado muitas vêzes, principalmente  logo após o descobrimento de Cabral. Examinando estas cartas de marear, planisférios e mapas da alvorada quinhentista, descobrimos que, referindo-se ao mesmo local onde hoje está localizada Laguna, encontram-se  as denominações de Cabo de Santa Marta, Ponta de Santa Marta, Imbiassape, Rio de Santo Antonio, Porto dos Patos, Rio dos Patos, Rio de D. Rodrigo e  Porto de D. Rodrigo da Laguna.   Além dos navegadores que por aqui estiveram durante as grande navegações, conforme já narrado, inúmeros registros e documentos comprovam que Laguna contou com importante presença de expedições exploratórias, normalmente composta por portugueses e espanhóis, servindo de abrigo para degredados, sede de pregações missionárias, entreposto bandeirante vicentista, posto de troca escravagista e abrigo de náufragos. A estes homens, Laguna deve sua origem histórica, que, ficaram perpetuadas em registros e documentos  ainda existentes em acervos públicos e privados de diversos países. 
 Logo após a descoberta de Cabral, navegadores portugueses, espanhóis e franceses conseguiram chegar à foz do Rio da Prata. Sabe-se das diversas expedições lusas que se dirigiam às Índias e que ao passarem pelo litoral oeste da Africa,  aproveitando-se das corrente marítimas e ventos favoráveis,  cruzavam o Oceano  Atlântico, aportando na parte meridional da América. Dos espanhóis podemos resgatar diversos registros, após 1500, comprovando sua presença  no Rio da Prata e consequente passagem pela região do Cabo de Santa Marta. Através de narrativas obtidas dos então habitantes do litoral onde aportavam para abastecerem seus navios, os navegadores europeus, ouviram e depois disseminaram na Europa  a  informação de que a oeste das novas terras descobertas  haviam montanhas eternamente geladas,  onde nascia um imenso rio, que era reinado de um chefe de uma grande nação, com terras abundantes em prata e muitas riquezas minerais. Este fato atraiu muitos  aventureiros até a costa sul da América, financiados por expedições oficiais e particulares, estas em maior número.   
Depois de atravessarem o Atlântico diagonalmente em direção sudoeste, aportavam nos ancoradouros naturais da costa sul do Brasil.  Para chegarem até o Rio da Prata, o Cabo de Santa Marta, (Laguna), era o último porto acessível, onde poderiam abastecer seus navios com víveres e água potável. Após recuperados da travessia do Atlântico e abastecidos, seguiam viagem pela extensa e retilínea costa onde, por ser constantemente varrida por fortes vendavais e perigosos baixos, perderam-se numerosos navios. Com aproximadamente mil quilômetros de extensão, o trajeto entre a atual Laguna e a Foz do Rio da Prata ficou conhecido como “Costa Brava”. 
 Consequentemente, o Cabo de Santa Marta era porto estratégico, possuindo capital importância como local de suporte e apoio logístico para as expedições exploradoras, fossem privadas ou oficiais, daí o porque ter constado  no Planisfério de Cantino de 1502 e nos que foram confeccionados  nos anos seguintes. 
Em 1513, o  português Vasco Nunes de Balboa foi o navegador que pela primeira vez avistou o estuário do Rio da Prata. Porém a expedição a qual se atribui o reconhecimento do estuário do Rio da Prata foi comandada por Juan Dias de Solis, um notório beberão português,  sem escrúpulos, que estava na Espanha, foragido de Portugal. Esteve preso nos dois países. Como era hábil piloto, foi contratado pela Espanha que o libertou e lhe entregou três navios, de forma secreta, para dar impressão de que a missão não era oficial e nem financiada pela Coroa Espanhola. Partiu em outubro de 1515 com três pequenas caravelas, tripuladas por apenas 60 homens. Sua verdadeira missão, no entanto, era explorar 1800 léguas de toda a parte sul das novas terras descobertas, localizadas ao sul,  a partir do Rio da Cananéia, no atual litoral paulista, por onde os espanhóis  imaginavam  que passasse o Tratado de Tordesilhas. Através da cédula de nomeação, A Coroa Espanhola lhe determinou que: ... Juan Dias de Solis, nuestro piloto mayor  ... debe ir á descubrir por las espaldas de Tierra Firme ... descubrirá mill e ochocientas leguas  de lo que pertenesce a este Reino, que está por descubrir... la parte sur ... el viaje que ha de hacer convien que sea  muy secreto por muchas causas ... ( DIAS –Carlos Malheiro; Historia da Colonização Portuguêsa do Brasil; Litografia Nacional do Porto – Lisboa; 1923 – pg. 327). 
 Solis, antes de cruzar  o Atlântico, teve um  dos  navios afundado, provavelmente, vítima de tempestade. Inicialmente, aportou na Baia de Guanabara,  de onde iniciou sua viagem de reconhecimento rumo ao Sul das novas terras, ancorando em quase todos os pontos possíveis de atracar, embora tivesse recebido ordens de não tocar em terras pertencentes à Portugal. Em 1516, ao passar pela hoje Ilha de Santa Catarina,  outro navio de Juan de Solis naufragou, mais exatamente na hoje conhecida como Praia dos Naufragados, denominada por Solis como “Baia dos Perdidos”, em virtude de ali já ter encontrado alguns homens brancos, desterrados por causa de suas “deliquências(Trias-Rolando Laguarda – História naval Brasileira – Vol. I – cap. 5)
 Após o naufrágio, os sobreviventes haviam se transferido para o continente, junto a foz do atual  Rio Massiambú.  Dos nomes destes seis náufragos conhece-se o de Melchior Ramires, Aleixo Garcia, Henrique Montes e Francisco Pacheco, este mulato. Talvez imaginando que não tenha havido sobreviventes do naufrágio desta sua nau, Solis prosseguiu sua viagem com apenas um navio. Ao chegar na foz do Rio da Prata, o navegador teve um fim trágico:   “...entraram logo em uma água ... não salgada chamada de Mar Doce, que pareceu ser o rio que hoje chamam da Prata. Dali foi Solis  com um navio ... reconhecer a entrada por uma costa do rio ... vendo gente nas ribeiras ... e nesta margem descobriram muitas casas de índios  e gente que ... com sinais ofereciam  o que tinham pondo no chão ... João Dias de Solis quis ver que gente era esta ... saiu em terra com os que podia caber no batel ...os índios que tinham muito freicheiros emboscados ... e dando neles ... cercando os mataram ... e tomando os mortos até onde os navios os podiam ver cortando as cabeças, braços e pés  ... assaram e os comeram ... (DIAS –Carlos Malheiro ; Historia da Colonização Portuguêsa do Brasil; Litografia Nacional do Porto – Lisboa; 1923 – pg. 380). 
Busto de Juan de Solis, próximo a Montevideo, Uruguai 4 
 
Importa também relatar que  os navegadores portugueses  D. Nuno Manoel, juntamente com João de Lisboa,  estiveram em 1514, no Rio da Prata e também Cristóvão Jaques, em 1516. 
Nas primeiras décadas do descobrimento, incontáveis navegadores aventuraram-se para adentrarem o Rio da Prata, em busca do  rico reino que existiria nas montanhas de prata a oeste deste rio, o que originou o nome do Rio da Prata.  Ao aventurarem-se, antes de chegarem a foz do Rio da Prata, abasteciam suas naus nos pontos já assinalados nas cartas de marear, sendo Laguna o mais utilizado por ser o último atracável antes do chegar ao Estuário do Prata. Muitas vezes foram perdidos navios e tripulantes na extensa “Costa Brava”, vítimas das intempéries e da pouca profundidade. Houveram inúmeros casos de marinheiros que, após passarem privações e correrem inúmeros riscos em alto mar, amedrontados pelo que os reservava o desconhecido território e pela possibilidade de serem devorados pelos canibais índios da região a que se destinavam, preferiam desertar, passando a viverem com os amistosos e pacíficos índios carijós, que povoavam densamente o litoral de Santa Catarina, com aldeias ao longo de sua costa, onde era possível navios atracarem, como foi o caso da aldeia de Viaça, ou Embiaça, como a denominaram os espanhóis, hoje cidade de Laguna, onde habitou o espanhol e náufrago Melchior Ramires e outros, cujos conhecimentos passaram a ter importante papel no processo da exploração e ocupação portuguesa e espanhola na região sul da América. 
 Cristóvão Jacques foi um navegador português que partiu de Lisboa em novembro de 1521, com duas caravelas e sessenta homens. Motivado pela informação das  riquezas acessíveis pelo Rio da Prata, ao passar por Laguna Cristóvão Jacques levou o náufrago Melchior Ramires e os demais em sua companhia,  rumando para o Rio da Prata.  O historiador Eduardo Bueno relata que naquela época Melchior Ramires estava habitando junto a  aldeia indígena que onde hoje está construída a cidade de Laguna. (Náufragos Traficantes e Degredados -  Ed. Objetiva – 1998 - pg. 149).  Ao voltar para Portugal, Cristóvão Jacques relatou ao Rei  que guiado por Melchior Ramires, havia navegado por um “maravilhoso rio de água doce, largo de 14 léguas e muito rico em prata, ouro e cobre”. A exemplo de Melchior Ramires, dezenas de europeus, mormente náufragos ou degredados,  permaneceram na região e  espalharam-se  ao longo da costa sul, dominando e miscigenando-se com os índios das  diversas aldeias localizadas na região litorânea de Santos/SP a Laguna/SC, comunicando-se entre si por terra e por mar, usando apenas canoas a remos. Diz  Eduardo Bueno, que estes europeus “com os índios aos remos, navegavam ao longo da costa sul do Brasil, de Laguna até S. Vicente, em S. Paulo ... Altivos capitães europeus logo iriam depender das informações dadas por esses homens”  (Náufragos Traficantes e Degredados -  Ed. Objetiva – 1998 - pg. 142). 
 Aleixo Garcia, um destes habitantes europeus junto ao litoral catarinense, organizou uma expedição com cerca de quatro mil índios em direção oeste até os Andes, tendo saqueado povoados incas de onde foram trazidas algumas peças de  prata e de ouro.  Exibidos estes objetos a Melchior Ramires, Henriques Montes e aos demais náufragos que habitavam nas aldeias indígenas, em pouco tempo esta informação foi transmitida aos navegadores que no  litoral de Santa Catarina ancoravam. Meses após, a informação que confirmou a existência da lenda de abundantes quantidades de ouro e prata, chegou aos ouvidos de Portugal e Espanha. A partir deste momento, as atenções de Portugal e da Espanha  voltaram-se para o litoral sul do Brasil, como ponto de partida e apoio para abastecimento das expedições  marítimas e  terrestres que deveriam se empreendidas rumo às montanhas de prata. 
Acendeu-se o estopim e deflagrou-se a partida de dezenas de expedições oficiais e particulares, de companhias de navegação, de nobres financiadores e de todos os tipos de  aventureiros imagináveis. Todos com o propósito de conquistarem o reino da Serra da Prata. Como referido, para os navegadores que queriam atingir o Rio da Prata, Laguna era o último porto onde poderiam abastecer de água potável e víveres fornecidos pelos índios.  Existem relatos de navegadores que registraram os tipos de alimentos que os navios  permutavam com os brancos que ali habitavam e lideravam os índios. Dos europeus, os nativos recebiam   pequenos espelhos, facas, anzóis, machados, tecidos  e outros artefatos, enquanto dos índios, os  europeus recebiam alimentos tais como veados, antas, capivaras e patos  já abatidos, que eram  salgados e armazenados  em barris, bem como milho, inhame,  mel, ostras, mariscos e outros alimentos. Certos de que a Serra da Prata ficava nos seus domínios estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, a Espanha resolveu investir no caminho marítimo para atingi-la, contornando pelo sul o continente americano, passando pelo Estreito de Magalhães, recém descoberto,  permitindo-lhes adentrar e navegar pelo Oceano Pacífico, rumo norte pela costa  oeste da América do Sul, até atingirem a Serra da Prata.  Este itinerário também tinha o propósito de atingir as Ilhas Molucas, na mesma costa do Pacífico, onde pretendiam estabelecer seus domínios através de povoamentos, que serviriam como ponto de apoio para  dali atingirem as Índias, navegando rumo ao ocidente, no sentido inverso de Portugal.  Foi com o propósito de atingir as Ilhas Molucas,  que em 1525, Jofre de Loyasa, com diversos navios,  partiu de Sevilha/Espanha. Os navios, ao chegarem próximo do Estreito de Magalhães, foram vítimas de violento temporal, sendo que um deles, a nau São Gabriel,  sob comando do capitão Don Rodrigo de Acunhã,  ficou fortemente avariado e desgarrou-se dos demais,  vindo parar no litoral catarinense, onde buscou abrigo, inicialmente ao sul da Ilha de Santa Catarina. A nau de D. Rodrigo estava avariada no leme, mastros e nas velas,  que necessitavam ser reparadas, tendo ali encontrado os náufragos e desertores  da expedição de Juan dias de Solis, já mencionados.  D. Rodrigo teve que mudar de porto para consertar seu navio porque os náufragos que haviam  encontrado contagiaram sua tripulação com a forma de vida livre que viviam,  com fartura de alimentos e por possuírem muitas esposas, além da perspectiva de descobrirem prata e ouro. Mudou,  então, de ancoradouro, aportando mais ao sul, também  por necessidade de abrigar-se por mais tempo em porto com maior proteção natural, o que fez junto a aldeia de Embiaça, hoje  Laguna, que na época era habitada pelos índios carijós, dentre os  quais  vivia Melchior Ramires, náufrago da expedição de Juan Dias de Solis.  Mesmo mudando de porto, trinta e dois  homens da tripulação de D. Rodrigo desertaram e passaram a viver com Melchior Ramires e os índios da região de Laguna, conforme ele próprio anotou em seu diário de bordo. Em virtude de sua estada de aproximadamente quatro meses, o local foi assinalado em seu diário de bordo como  Porto de D. Rodrigo, que pode ter sido o local onde hoje está situado o atual cais no centro da cidade de Laguna.   A influência destes náufragos e desertores no cotidiano dos índios carijós produziram desdobramentos e modificações importantes. Em virtude de cada um deles dispor das mulheres que bem entendessem, com o passar dos anos houve considerável alteração genética, sem falar nos costumes e na cultura que reciprocamente foram alteradas, ou seja, estes europeus passaram a sobreviver como índios e os índios aprenderam valores e costumes dos europeus. Foi o embrião da Laguna de hoje.  
Outros navegadores seguiram-se a estes nominados, que provavelmente também aportaram  e socorreram-se do apóio logístico que Laguna possibilitava, sendo digno de ser referidas algumas destas expedições, como a de Sebastião Caboto (1526), Diego Garcia (1528),    Pedro Mendoza, o  fundador de Buenos Aires (1534) e  outros. Importante ressaltar que o navegador Gonzalo Mendoza, após ter acompanhado  Pedro de Mendonça em sua passagem por Laguna, após ter participado da Fundação de Buenos Aires, voltou à Laguna  novamente poucos tempo após e ali recrutou alimentos suficientes para salvaram da morte por fome os espanhóis  que haviam ficado em Buenos Aires, levando a força diversos índios carijós e alguns espanhóis  que já habitavam em Laguna para auxiliarem no combate aos índios que assediavam Buenos Aires.
Fundação de Buenos Aires, por PedroMendonça 5
A maioria, por não concordarem, refugiaram-se na matas, sendo perseguidos, capturados e conduzidos acorrentados, após terem recebido maus tratos. (CABRAL- Osvaldo Rodrigues – História de Santa Catarina -  Ed. Lunardelli – pg. 27).   
Portanto, pode-se concluir que todos estes acontecimentos devidamente registrados de diversas formas, somente foram possíveis acontecer graças ao fato de que Andre Gonçalves foi o descobridor e quem deu nome ao Cabo de Santa Marta em 29 de julho de 1502,  consolidado no mesmo ano pela inserção do Cabo de Santa Marta no Planisfério de Cantino, já que este ponto geográfico de Laguna era o último que oferecia um porto natural, habitado por índios e por europeus e que servia como apoio logístico aos navegadores que percorreram o Caminho das Indias ou, principalmente,  os que enfrentaram a difícil navegação pela Costa Brava, antes de atingirem o Rio da Prata em busca de riquezas.
Cabo de Santa Marta e sua Prainha, um porto natural.
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A relevância estratégica do ancoradouro natural do Cabo de Santa Marta para as navegações dos derradeiros anos de Século XV e os primeiros do Século XVI, associada à existência de montanhas com altiplanos de campos exuberantes, caudalosos rios e acidentes geográficos a oeste, agregado às notícias da existência de muito ouro e prata nas terras recém descobertas, somado ainda a imprecisão dos limites do Tratado de Tordesilhas,  foram determinantes para que em 1549 o espanhol  Juan de Salazar Spinoza, tentando consolidar a região como domínio espanhol, denominasse o local como Laguna Del Embiaça. O  mesmo aconteceu com o bandeirante vicentista Domingos de Brito Peixoto em relação à Coroa Portuguesa que,  no segundo quartel do Século XVII, lhe ordenou explorar e povoar aquela que seria o núcleo logístico para, em virtude da inércia da Espanha,  implementar a política  de expansão meridional dos domínios da Coroa Lusitana, rompendo os incertos limites do Tratado de Tordesilhas. 
Estes dois fatos, a origem da atual denominação e o povoamento de Laguna, serão objeto de novas postagens neste blog. 



*Esta Matéria já havia sido publicada neste blog, porém  recentes  conhecimentos sobre datas, fatos e pessoas obrigaram-se a reeditar a mesma matéria, com algumas alterações necessárias em homenagem a maior verossimilhança histórica possível.

** O autor Adilcio Cadorin é advogado militante, reside em Laguna/SC,  e membro efetivo do IHGSC – Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. 

domingo, 29 de outubro de 2017

FAMILIA CADORIN DE URUSSANGA - BREVE HISTORIA - ORIGENS E GENEALÓGIA


                                                                        Adilcio Cadorin*

Selva Di Cadore, durante o outono, tendo ao fundo o Monte Sella e
 Val Gardena. 
Resultado de imagem para selva di cadore
Inverno em Selva di Cadore
 Após algumas viagens e buscas em arquivos eclesiásticos, em ufficiales d’anagrafe de cidades italianas e de relatos e fatos que nos foram repassados pela tradição oral de nossos pais, tios, avôs e de genealógistas, obtivemos documentações sobre a ancestralidade da Família Cadorin de Urussanga/SC, podendo afirmar com segurança que é oriunda  da cidade de  Selva di Cadore, pertencente a Província de Belluno, Itália, que integra a Região do Vêneto.Seu último censo apontou 563 habitantes. Estende-se por uma área de 33 km², tendo uma densidade populacional de 17 hab/km². Selva di Cadore fica no Vale Gardena, por onde cruza um dos poucos caminhos que desde a antiguidade o Império Romana se comunicava  com a Europa. É uma das 22 pequenas cidades que formam a antiga Regione del  Cadore,  que foi ocupada originalmente pelos celtas e que posteriormente foi ocupada por ordas germânicas invasoras, sendo conquistada e integrada ao Império Romano no século II aC. Com a degradação do Império Romando, em 1077, passou a fazer parte do Patriarcado de Aquileia e em 1135 gozou de independência, sendo governado pela Famiglia di Camino, que ficaram conhecidos como  Condes del Cadore. Esteve anexado brevemente ao Tirol Austríaco e novamente foi cedido aos Condes. Quando em 1420 a República Veneziana conquistou a Região do Friuli, os governantes do Cadore foram convencidos a tornarem-se integrantes do Terra Ferma, como eram conhecidas as partes continentais pertencentes à República Veneziana. Em 1508 os venezianos e os cadorinos derrotaram os romanos na batalha do Valle di Cadore e permaneceram com a República de Veneza até as guerras napoleônicas, a partir de quando foi governado pelo Império Austríaco até 1866, quando finalmente foi conquistado pelo recém formado Reino da itália. Durante a Primeira Grande Guerra Mundial (1914/1919)  e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Regione del Cadore criou a Frente Alpina e suas cidades foram cenário de muitas batalhas. No entanto, sempre gozou de um certo grau de autonomia administrativa. Em virtude das diversas línguas  dos povos que os ocuparam, os cadorinos desenvolveram um dialeto próprio, conhecido como "ladin" até hoje preservado, distinto dos dialetos vizinhos, embora o italiano seja a língua oficial e o dialeto vêneto seja o mais falado. Assim como Selva di Cadore, todas as 22 comunidades cadorinas  são pequenas, vivem basicamente do turismo de inverno e dos esportes das montanhas e possuem  em seu nome o sufixo di Cadore, podendo serem citadas como exemploTai di Cadore, San Pietro di Cadore, Pìeve di Cadore, Santo Stefano di Cadore e etc..Os pontos mais elevados da Itália localizam-se no Cadore e sua montanha mais alta é a Marmolada, com 3342 metros de altura, fazendo parte da cadeia das Montanhas Dolomíticas, onde estão localizadas centenas de estações de esqui. 

Em viagem de pesquisa sobre nossa ancestralidade genealógica  à  Selva di Cadore, tivemos acesso ao livro “Selva de Cadore: Note di Onomástica”, editado em 1990 pelo genealogista Vitto Palabazzer, que à página  225 relata a existência do nome de Andrea Kadorin em registros preservados datados de 1534, além de outros Cadorin, com os quais, lamentavelmente,  não logramos obter uma  ligação genealógica com Lorenzo Cadorin, comprovadamente o mais antigo de nossos ancestrais. Porém, obtivemos muitos relatos e informações através de nossos distantes parentes, também descendentes de Lorenzo, que ainda habitam em Selva di Cadore, mas que  não levam mais o mesmo sobrenome em virtude de que o último Cadorin que  viveu em Selva não se casou e morreu solteiro em 1997. Suas irmãs casaram-se e tiveram filhos que herdaram o sobrenome dos maridos.    

LORENZO CADORIN,  como foi o mais antigo ancestral que localizamos registros documentais fidedignos com o qual temos um liame sanguíneo, estamos considerando-o como participante da Primeira Geração da Família Cadorin. Dele descobrimos apenas que havia nascido em 1762 e foi casado com Lucia Rova. Foi batizado na Igreja de São Lorenzo, de onde provavelmente lhe tiraram o nome. 
O autor e filho Lucas ao lado do campanário
da Igreja de São Lorenzo, de Selva di Cadore. 
De seus prováveis descendentes obtivemos notícia  de apenas um filho, Giobatta Cadorin.  

GIOBATTA CADORIN - Segunda Geração, nasceu 16/02/1785 e faleceu em maio de 1841. Vivia em união com Natallina Martini. Seu nome correto deveria ser Giovanni Battista Cadorin, mas  que foi abreviado quando do registro do batismo de seu filho para Giobatta, ou seja “Gio” de Giovanni e “batta” de Batistta. Não  obtivemos provas se eram ou não casados. Assim como seu pai, foi agricultor e pastor de poucos animais  que criavam basicamente para sustento de suas famílias, encerrando-os na parte inferior de sua casa, como era costume, onde ficavam confinados durante os longos invernos característicos dos Alpes. Estas casas, construídas com a parte inferior de pedra e a superior de madeira dos pinheiros alpinos,  eram denominadas de fienile  porque alí  também estocavam os fenos e as pastagens cultivadas e colhidas nos meses de verão e primavera, para alimentarem os animais confinados durante o inverno. A parte superior do fienili era destinada a residência da família.
Antigo fienile de Selva di Cadore

 Tivemos a oportunidade de visitar e constatar que a casa onde se originou nossa  família está preservada, embora ao longo destes  mais de dois séculos  já tenha sofrido diversas reformas, sendo atualmente ocupada por um dos descendentes que não leva o mesmo sobrenome.
O autor e filho Lucas. Ao fundo a casa originária da
Família Cadorin em  Selva di Cadore - Foto de 1987 

Também não se tem notícia de quantos filhos o casal  Giobatta e Natalia tiveram, sabendo-se tão somente que nasceu-lhes o filho Lorenzo, que foi batizado na Igreja de S. Lorenzo, em Selva di Cadore, que pertencia a Diocese de Beluno-Feltre. A dedução lógica é que seu nome foi escolhido como forma de homenagear o pai de seu pai, conforme era tradição para muitas famílias. 

LORENZO CADORIN - Terceira Geração,  nasceu em 06/06/1816 e casou-se em 24/06/1841 com Giovanna Bez, nascida em 27/09/1820 em Longarone, também Província de Belluno, onde casaram e  passaram a residir. Tiveram quatro filhos: Giovanni Battista nascido em 29/09/1841; Ana Maria  nascida em 10/06/1843; Teresa  nascida 04/09/1845 e Lucia nascida em 20/06/1851, todos nascidos em Longarone. Novamente, mantiveram a tradição de darem ao filho mais velho o nome do avô, motivo pelo qual  foi batizaram seu primogênito com o nome de  Giovanni Battista, mas provavelmente também em homenagem à  sua mãe Giovanna Bez, pois até o duplo “n” foi mantido no nome, conforme constou em seu certificado de batismo.

GIOVANNI BATTISTA CADORIN - Quarta Geração, casou-se com Maria Sacchet em 1869. Ela nasceu em 1849 em Castelavazzo, onde residiram por dois anos. Após mudaram-se para Igne, distrito de Longarone, onde residiu na mesma casa de seu sogro, trabalhando como o mesmo por diversos anos como ferreiro. 
Giovanni Battista Cadorin
Em 1877, dado as precárias condições que a Itália vivia em virtude da longa guerra pela sua unificação, o casal e seus filhos, Giovanni Batista Cadorin Filho (nascido em 25/10/1871), Giovana Cadorin (nascida em 05/09/1873),  Madalena Cadorin (nascida em 30/12/1874) e Lorenzo Cadorin (nascido em 12/10/1876), imigraram para a cidade de Constantina, localizada no norte da Argélia, na África, onde  tiveram mais a filha Tereza Cadorin (nascida em 19/05/1878). Em Constantina adquiriu uma propriedade que foi atacada por nativos que o feriram com uma flecha em uma das pernas, ferimento este que o deixou  claudicante  pelo resto de sua vida.  Algum tempo após faleceu seu  filho Lorenzo. Estes fatos motivaram imigrarem novamente, desta vez para o  Brasil, onde chegaram em dezembro de 1882.  Desembarcaram no Rio de Janeiro, pegando outro navio menor  que os trouxe à Laguna/SC e dali seguiram com barco menor navegando pelo rio Tubarão até o Poço Grande do Rio Tubarão, hoje cidade de Tubarão, de onde rumaram para Urussanga por precário caminho em meio a floresta, conduzindo seus pertences em carroças e mulas fretadas. Passaram pela Colonia Azambuja, hoje cidade de Azambuja e finalmente chegaram à Urussanga em dezembro de 1882.
Maria Sacchet Cadorin
Depois de adquirirem um lote rural, fixaram residência e construíram uma  ferraria movida com água de um córrego em Rio Salto, a poucos quilômetros do Centro de Urussanga. Após dois meses de sua chegada, sua  esposa teve outro filho, que batizaram com o nome de Lorenzo Cadorin, em homenagem ao ancestral e ao filho que havia falecido na África. Além de Lorenzo, em Urussanga  nasceram mais dois filhos: Riccieri  (nascido em 07/10/1885) e Domenica (nascida em 15/02/1888).   Em 07/08/1909, aos 68 anos de idade, Giovanni Battista Cadorin faleceu em Urussanga.


 Seu filho mais velho, GIOVANNI BATTISTA CADORIN FILHO - Quinta Geração, casou-se em Urussanga com Degnamerita Mazzorana em 18/08/1894.  Mudou-se para o interior da cidade de Turvo/SC,  onde nasceram seus filhos. Tendo enviuvado,  casou-se novamente  com Lucia Polli.  Nos dois casamentos teve dezessete filhos. Faleceu em 1923. Foram seus filhos: Constantino, Madalena, Mabile, Maria, Veronica, Daniel, Lucia, Sexto, Setimo, Degnamerita, Domingos, Primo, Segundo, Ana, Rodolfo, Egiglio e Cecília.  

Já o filho RICCIERI CADORIN - Quinta Geração, casou-se com Rosina Crema em Urussanga em 1906. O casal  teve quatro  filhas mulheres, nascidas em Urussanga: Idalina que casou-se com Pedro Elias;   Jandira  que não se casou;  Maria que casou-se com Pedro Echamendi e  Doménica, casada com  Giovanni Tezza.  Riccieri, deixou sua esposa e filhas e partiu de Urussanga para local desconhecido no Rio Grande do Sul, onde,  segundo informações não confirmadas, teria sido assassinado.  

O filho LORENZO CADORIN- Quinta Geração, foi o único dos filhos homens do imigrante Giovanni Batista Cadorin que nasceu, casou-se, residiu e faleceu em Urussanga.
Carolina Maffioletti e Lorenzo Cadorin

nasceu em Rio Salto, interior de Urussanga, em 11/02/1883, dois meses após a chegada da família ao Brasil. Casou-se em 23/06/1906 com Carolina Maffioletti, filha de  Pedro e  Rosa Maffioletti, naturais de Bérgamo, Itália.
Carolina nasceu em  12/07/1888 em Bérgamo, Itália, e faleceu em  20/09/1943 em Urussanga/SC. Lorenzo casou-se novamente com Eliza Bez Fontana em 08/02/1947, mas deste segundo casamento não teve filhos.  Iniciou sua vida como ferreiro em Rio Salto, mas juntamente com seu pai mudou-se para o Centro de Urussanga onde em frente a atual Praça Anita Garibaldi construiu uma ferraria movida pela  água do Rio Urussanga.  Posteriormente, em 1918, mudou-se para a rua que atualmente leva o nome de Américo Cadorin, ao lado da Igreja Matriz de Urussanga.
Carros de bois  trazem uva em bigunços
para vinificação. Foto da Vinícola Cadorin - 1955
Junto a ferraria que instalou nesta rua, também construiu  uma cantina de vinhos, ainda existente, onde passou a produzir os “VINHOS LORENZO”, mais tarde sucedido por “VINHOS CADORIN”, que inicialmente eram embalados em barris de  cem litros e remetidos de trem para as principais cidades do Brasil. Posteriormente passou a comercializar seus vinhos em garrafões e em garrafas. Além de vinhos, também produzia vermutes, licores, biter e vinagres. Sua ferraria produzia ferramentas em geral, principalmente pás, picaretas e enxadas que eram utilizadas pelas mineradoras na extração do carvão mineral das diversas minas da região de Urussanga e Criciúma. 
Alguns rótulos dos diversos  produtos
da Vinícola Cadorin 
Com 19 anos de idade  ficou cego, mas curou-se depois de um tratamento feito por um médico na cidade de Lages, onde foi a cavalo. Além de ferreiro e vinicultor, exerceu diversas atividades junto a Comunidade, sendo, inclusive, Delegado de Polícia. Lorenzo faleceu em 07/06/1968, às 17:50 hs. vítima de neoplasia maligna no intestino grosso,  que o havia submetido a uma colostomia poucos anos antes.
Foto recente da Vinícola Cadorin
De seu primeiro casamento nasceram oito filhos:  Elena, nascida em 23/08/1907; Américo, nascido em 14/05/1908; Rosa, nascida em 16/12/1909; Maria, nascida em 12/10/1911; Madalena, nascida em 11/06/1914; Albina, nascida em 22/12/1915; Iolanda, nascida em 09/04/1924 e Orlando nascido em 01/02/1916.   
ELENA - Sexta Geração,  casou-se com João Damiani, tendo três filhos: Moacir Damiani que nasceu em 28/11/1929 e casou-se com Maria Saccon Damiani em 16/05/1954; Maria de Lourdes Damiani, nascida em 18/08/1939 e Maria Damiani Alves Batista, nascida em 02/08/1936 que casou-se com Dario Alves Batista em 25/11/1961;

ROSA - Sexta Geração, casou-se com Alberto Nazari em Orleãs, onde foi residir, tendo como filhos Nordia Nazari Verani Cascaes, que casou-se com Ulysses Verani  Cascaes e Nadir Nazari Pinto, casada com Edgar Pinto.

MARIA - Sexta Geração, casou-se com João Betiol e foi residir/ em Ermo/SC, onde nasceram os filhos Demir Bettiol, Valdir de Luca, Altair Maria Bettiol e Valdenice Bettiol.

MADALENA- Sexta Geração,  casou-se José Raimundo de Oliveira e foi residir em Itajai, onde nasceram os filhos Moacir Inácio de Oliveira e Roberto de Oliveira. 

ALBINA - Sexta Geração, casou-se com Djalma Scaravaco, e foi residir em Içara/SC, onde nasceram os filhos Arnaldo Scaravaco, Ana Scaravaco, Arlete Scaravaco, Dalva Scaravaco, Arnoldo Scaravaco, Aurea Celia Scaravaco,  Dalciria Escaravaco, Maria Dalmira Escaravaco e Janio Escaravaco.

IOLANDA - Sexta Geração, casou-se com Airton de Araujo em Urussanga, onde residiram até seus falecimentos. Tiveram apenas um filho: Arilton de Araujo. 

ORLANDO CADORIN - Sexta Geração, casou-se com Ijany Rosso  em Urussanga, onde ficaram residindo e nasceram seus quatro filhos: Orlani Norberto Cadorin (nascido em 21/12/1947), Orladi Cadorin (nascido em 30/06/1951), Orlaci Cadorin (nascida em 1955) e Oderi Cadorin (nascido em 23/04/1963). Trabalhou com seu pai na produção de vinhos e na ferraria. Quando seu pai  já em idade avançada parou de trabalhar,  associou-se com seu irmão Américo na produção de vinhos, que passaram a ser conhecidos pela marca de Vinhos Irmãos Cadorin. 
 Orlando e Ijani Rosso Cadorin 
Posteriormente, quando seu irmão  migrou para Caxias do Sul, assumiu sozinho a administração da cantina, paralisando as atividades vinícolas em 1992. Após esta data, o prédio foi tombado
pelo Patrimônio Histórico do Estado de Santa Catarina, sendo então nele instalado um Museu do Vinho, mas sem nenhum apoio e interesse governamental, o mesmo não sobreviveu, e nos dias atuais resta tão somente o prédio se deteriorando, com suas antigas pipas e tanques de concreto, sem nenhuma atividade. 

AMERICO CADORIN - Sexta Geração, nasceu em Rio Salto, Urussanga e  ainda muito jovem foi  trabalhar na construção e abertura da estrada da Serra da Rocinha, nas proximidades de Turvo/SC. Sob a supervisão de engenheiro,  foi contratado para  construir  em Caxias do Sul um complexo de três barragens com sistemas de abastecimento e saneamento de água, o que fez também nas cidades de Santana do Livramento e Irai, ambas no Rio Grande do Sul. Em Irai casou-se com Adelina Dazzi,  onde nasceram os filhos Adérico Cadorin (11/10/1933), Arcério Cadorin (02/06/1937) e Aldira Cadorin (20/05/1941).
Américo  e Adelina Dazzi Cadorin
Posteriormente, após o falecimento de sua mãe, chamado pelo pai, voltou a residir em Urussanga onde em 03/06/1948 nasceu o filho mais novo Adilcio Cadorin, autor deste texto. Associou-se com seu pai e mais tarde com seu irmão Orlando na produção de vinhos e na produção de ferramentas. Em virtude de ter ficado sem matéria  prima para produção de vinhos, em 1961 mudou-se para S. Marcos/SC, próximo a Caxias do Sul, onde construiu nova cantina de vinhos, que denominou de Vinhos Lorenzo. Em final de 1964 mudou-se para Caxias do Sul, onde veio a falecer  em 12/05/1970, com 62 anos de idade, vítima de tumor cerebral.
Américo Cadorin  Prefeito de Urussanga


Lamentavelmente, faleceram todos os integrantes da Sexta Geração, mas geraram filhos, netos, bisnetos e tataranetos, que atualmente compõem um total de Dez Gerações que temos registrado nos arquivos da genealogia de nossa família. Os descendentes do imigrante Giovanni Battista Cadorin, se dispersaram por diversas cidades brasileiras, com maior concentração nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, do Paraná,  sendo nas cidades do sul catarinense que estão mais concentrados. Seus descendentes exercem hoje as mais  diversas atividades, destacando-se como industriais,  comerciantes, funcionários públicos, professores, músicos, comunicadores, profissionais liberais e políticos, dentre estes destaques para Américo Cadorin, que foi prefeito e Urussanga/SC (1955/1960); Adérico Cadorin que foi vereador em Caxias do Sul/SC (1972/1975); Adilcio Cadorin que foi vereador em  Caxias (1976/1982) e prefeito em Laguna/SC (2001/2004); Orladi Cadorin que foi vereador em Urussanga/SC (1993/1996) e Aldoir Cadorin que foi vereador reeleito em Ermo/SC (2005/2012)  e se reelegeu Prefeito (2012/2020).


*Advogado, membro do IHGSC, natural de Urussanga, residente em Laguna/SC